John Wick: a franquia que redefiniu o gênero de ação

John Wick: a franquia que redefiniu o gênero de ação

John Wick e Matrix compartilham uma semelhança que vai muito além do protagonismo de Keanu Reeves e a presença de Chad Stahelski como dublê dele. Neste artigo vamos falar exatamente sobre essa interligação e o que faz John Wick ser o Matrix da década de 2010 e 2020 para os filmes de ação.

Os gêneros e subgêneros cinematográficos estão em constante transformação, claro. Transformações que só acontecem graças a produções ou artistas que empurram o gênero no qual estão inseridos e redefinindo-os anos adiante. No cinema de ação não é diferente. Bruce Lee foi o rosto dos anos 70 e na década seguinte Jackie Chan seguiu o seu legado em Hong Kong e mundo afora enquanto os brucutus (Sylvester Stallone, Arnold Schwarzenegger e Chuck Norris, por exemplo) dominavam Hollywood.

Já em 90, o filme que revolucionou o gênero chegou no final da década e foi influente por todo os anos 2000: Matrix, que dispensa apresentações enquanto obra, inovando o cinema como um todo. O coreógrafo do longa das Irmãs Wachowski foi ninguém mais e ninguém menos que Yuen Woo-Ping, um dos nomes mais emblemáticos no cinema de Hong Kong há décadas, trabalhando com Lee, Chan, Michelle Yeoh, Jet Li e vários outros filmes de wuxia, tornando, assim, perceptível as interligações entre as gerações e como uma sempre vai influenciar a outra. Poucos anos depois, já em 2000, ele foi o responsável pelas coreografias de O Tigre e o Dragão e Kill Bill, igualmente excelentes, que também trouxeram suas contribuições para o gênero.

Assim, chegamos em 2012, ano em que Stahelski, agora como diretor, trouxe Reeves para protagonizar o filme original de John Wick. Dado os apelos do longa protagonizado por um grande astro, tal qual Missão Impossível, era de se esperar que ele fosse um sucesso de bilheteria e capaz de sustentar algumas sequências. O primeiro filme, por sinal, já termina com um gancho para uma sequência. O que não era esperado era que John Wick fosse aquele filme responsável por redefinir o gênero de ação e ser, em suas devidas proporções, o Matrix da nossa geração.

A alcunha em primeiro momento pode soar exagerada, e alguns até podem falar que o Matrix da década de 2010 seja Mad Max: A Estrada Fúria. Não nego essa argumentação, pois ele é do ponto de vista de inovação e disrupção de gênero. O longa de George Miller é o melhor filme de ação da história (sem sombra de dúvidas) e está muito à frente do seu tempo. Talvez pelo fato de ser tão único e revolucionário, seja praticamente impossível repetir o seu feito a ponto de redefinir como seriam os filmes de ação da década 2010 (bem que eu queria). Dessa forma, A Estrada Fúria se coloca muito mais num ponto de revolucionário do que modelo.

Retomando ao John Wick original, voltamos ao questionamento: o que faz deste filme aparentemente tão simples “um Matrix”? 

Primeiramente, o fato de Chad Stahelski ter saído da posição de dublê e coordenador/consultor de cenas perigosas para a cadeira de direção, ao lado de David Leitch, também dublê e que assina como co-diretor. Agora, no topo da hierarquia criativa, Stahelski e Leitch poderiam conduzir as cenas de ação com o olhar de quem já as viveu. O próprio Jackie Chan, em muitos dos seus filmes, já fazia isso para ter maior autoridade sobre o que ele queria fazer, mas só agora isso se tornou tão popular.

Mais recentemente, Sam Hargrave, de Resgate, também fez o mesmo (não me espantaria se nos próximos anos Zoë Bell iniciasse a sua carreira de diretora também). Posto isso, já podemos observar uma movimentação que vem acontecendo aos poucos, desses dublês assumindo esse posto, com o intuito de trazer cenas de ação com impacto real, mais dinâmicas, desafiadoras e com menos cortes — marcas registradas da franquia de Stahelski.

Além de Resgate e John Wick (o 2 e 3 incluso), nesses últimos 8 anos, diversas obras como Atômica, Trem-Bala, Anônimo, Old Guard, Agente Oculto, Noite Infeliz, Kate e até mesmo filmes da Marvel como Capitão América: O Soldado Invernal, Guerra Civil e Deadpool 2 beberam dessa fonte. Consagrando a influência que este simples longa de vingança teve no microcosmo cinematográfico dos filmes de ação.

Em 2023, chegou a vez de John Wick 4: Baba Yaga. A quarta produção da franquia não só reafirma os elementos estéticos que Parabellum (o terceiro John Wick) estabeleceu e outros filmes se apropriaram, como também eleva o que já havia sido feito anteriormente. 

Nesta nova produção, vemos um filme ciente de sua unidade estética mas muito mais maduro proveniente de anos de Stahelski estudando e atuando como diretor. A direção de fotografia é, certamente, uma das maiores qualidades de John Wick 4. Muito mais desafiadora: com planos sequência e movimentos de câmeras engenhosos que elevam a ambientação (um salve ao ótimo trabalho do design de produção) na qual Keanu Reeves luta com diversos homens — vividos pela excelente equipe de dublês — que cruzam o seu caminho, além de Donnie Yen (Ip Man) e Scott Adkins (Imbatível 2), que dispensam apresentações. Contudo, não é apenas na ação que a cinematografia acerta. Neste novo capítulo vemos a câmera buscando valorizar mais o trabalho dramático. Com closes nos rostos de seus personagens, travellings e tomadas contemplativas, que resgatam referências do faroeste e do arthouse para compor os elementos estéticos de John Wick 4.

A maneira como Stahelski trabalha o seu protagonista neste quarto filme vai na contramão do que vemos em franquias como 007, Missão Impossível e de heróis da Marvel ou DC, onde os seus personagens costumam ser bastante verborrágicos, sempre com uma piadinha ou tirada carismática engatilhada. Aqui, nunca Keanu Reeves foi tão lacônico em seus filmes e nessa franquia. De acordo com The Wall Street Journal, Reeves falou apenas 380 palavras em 103 linhas de diálogo nas quase 3 horas de duração de Baba Yaga. Cansado e falando apenas o necessário, Stahelski se mostra mais preocupado na imagem do que no texto, priorizando as cenas de ação acima de qualquer coisa — novamente, o próprio Chan fez isso em Police Story, mas sinto que aqui o diretor foi mais além. Fazendo com que as corridas mancas e cansadas do assassino título, as poucas palavras ditas em tom arrastado e, os golpes e tiros dissessem mais do que qualquer exposição.

Ainda é cedo demais para rotular, mas Baba Yaga pode, mais uma vez, estar empurrando novamente o cinema de ação adiante. Seja pela forma como o encara o gênero: com esse olhar artístico, brutal e dinâmico ou na priorização das cenas em detrimento do texto, como também nessa falta realismo demarcada pelo neon e dos absurdos da ação, mas sem abrir mão dos impactos reais de cada golpe e tiro trocado. É difícil inferir algo e postular que esse é o filme que vai redefinir o cinema de ação na década de 20 dos anos 2000, mas certamente tem potencial e a bagagem para assim fazê-lo. 

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