KEVIN é aconchegante. O filme de Joana Oliveira narra o reencontro da cineasta com sua amiga ugandense Kevin Adweko, que conheceu há mais de 20 anos quando ambas estudavam na Alemanha. Naturalmente, o documentário nasce dessa saudade e nos arrebata com tantas diferenças entre as duas, mas sempre com muito carinho e compreensão.
Joana viaja até Uganda. Inicialmente, como diz a diretora, o filme seria uma mistura de ficção e documentário sobre a vinda de Kevin para seu casamento. Desde então, o filme demorou para ser financiado, o casamento passou e Kevin saiu da Alemanha. Joana esteve em um momento doloroso e, certamente, sua ida para Uganda foi uma forma de se recuperar. Ainda mais com o apoio de sua grande amiga.
A chegada da diretora em um país até então desconhecido por ela funciona como uma porta de entrada para seus sentimentos, buscando refúgio na cumplicidade de Kevin. Lá ela vai descobrindo essa diferente realidade: novos cheiros, costumes, sabores e sons. O som direto, inclusive, é assinado por Gustavo Fioravante, que é marido de Joana. Ele é essencial para nos ambientar na vida e no lar de Kevin: ouvimos o barulho dos pássaros da janela, os sons do mercado da cidade e os gritos e gargalhadas de seus filhos. Se quando se conheceram ambas buscavam desbravar o mundo, assim como vemos ao observarem e comentem fotos antigas do tempo em que passaram na Alemanha, agora, ao se reencontrarem, estão se encantando novamente com as dores e a beleza da vida. É quase como se uma enxergasse sua liberdade na outra.
Joana teve perdas. Perdas essas que foram compartilhadas em seus momentos mais íntimos com sua amiga. Kevin teve a responsabilidade de ser mãe e ir contra certos costumes preestabelecidos em seu contexto. Ambas são mais fortes juntas. Ambas sentem culpa. Ambas pensam que poderiam ter feito algo de diferente. Ambas se fortalecem ao compartilhar seus sentimentos mais profundos.
Kevin é fascinante. Assistindo ao filme, percebemos que ela tem muita experiência de vida, apesar de ter pouco menos de 40 anos. É a calmaria em meio à realidade confusa e agitada que está vivendo. É a alegria diante da melancolia. É a fragilidade em meio à própria força. Seu bom humor é sutil e nos arranca suspiros. Kevin transforma sua trajetória em uma conversa leve, mas sem esquecer do tamanho . Mais para o final do documentário, ela tem um discurso tão potente e tão esclarecedor que eu não sei nem o que dizer. É simples, direto e real. Uma aula sobre racismo estrutural.
O filme é provocativo. Do tipo em que o espectador pode ficar pensando, pensando e pensando. Cada vez mais é possível destrinchá-lo. São camadas muito fortes e bem desenvolvidas. Acho que isso se dá porque é um filme bem pessoal. Talvez até mais do que isso. O que é mais importante nele, ao meu ver, é que, mesmo sendo tão particular, todos podem se enxergar ali. Principalmente mulheres. O filme gera debates sobre amizade, sobre maternidade, sobre sororidade, sobre perdas, sobre famílias interraciais, sobre racismo, sobre problemas de família, saudade, e diversos temas presentes na vida de quase todo mundo. Com certeza vou pensar muito nele ainda. Fui pego desprevenido com a despretensiosidade desse documentário e fui arrebatado. Lindo de se ver e sentir! Espero que Joana e Kevin realizem tudo que mais querem nessa vida. Já eu, quero ser melhor amigo da Kevin também. 🙂
Filme: KEVIN Elenco: Joana Oliveira, Kevin Adweko Direção: Joana Oliveira Roteiro: Joana Oliveira, Laura Barile, com a colaboração de Tatiana Carvalho Costa Produção: Brasil Ano: 2021 Gênero: Documentário Sinopse: É a primeira vez que Joana, uma brasileira, visita sua amiga Kevin na Uganda. Elas se tornaram amigas há 20 anos quando estudaram juntas na Alemanha e faz muito tempo que não se veem. A partir desse encontro, o filme tece a fina trama que é uma conversa entre duas amigas: as histórias do passado, os desejos, os caminhos trilhados, os diferentes modos de encarar a matéria do vivido e um elo de amor e sororidade que resiste à distância e ao tempo. Classificação: Livre Distribuidor: Embaúba Filmes Streaming: Não disponível Nota: 8,9 |