KLONDIKE: GUERRA NA UCRÂNIA

KLONDIKE: GUERRA NA UCRÂNIA

O mais recente capitulo da guerra da Ucrânia, esta que está sendo amplamente coberta pela mídia mundial, chegou ao inesperado – principalmente pelos russos – septuagésimo primeiro dia. Mas engana-se quem pensa que esta guerra começou em 2022. O filme Klondike: Guerra na Ucrânia que estreia hoje (05 de maio de 2022) nos cinemas brasileiros encena, com um ar de documentário – mas não é, apesar de ser inspirado em fatos reais –, o período inicial dos conflitos que se originou em 2014 com a ocupação da Crimeia pelos russos. Isso mesmo, esta guerra já passa dos 8 anos de duração. A história de conflitos, principalmente em relação a Criméia, é extensa. Mas se posso dizer algo é que a guerra nunca é apenas sobre uma ou duas coisas. Na verdade até podemos reduzi-la à falha humana, mais precisamente do homem, mas é, sempre, um conjunto de fatores que elevam as tensões e comungam para a escalada da violência e da desumanidade.

Klondike traz a perspectiva feminina sobre como a guerra interfere em todos, mesmo naqueles que, em tese, por morarem em locais fora de qualquer interesse, regiões quase que inabitadas e sem qualquer tipo de infraestrutura, não deveriam sentir os efeitos destes conflitos movidos, sobretudo, pela crueldade masculina. Já parou para pensar que as guerras nunca possuem um protagonismo – aqui usado da forma mais negativa possível – de uma mulher? Essa necessidade de se impor pela violência, pelo que há de mais desumano, só reflete a natureza animalesca do homem, que por ter um pênis entre as pernas se acha o centro do universo.

É através da personagem Irka (Oksana Cherkashyna) que acompanhamos toda a história. Ela é casada com Tolik (Sergey Shadrin) e está grávida e prestes a ter o bebê. Se isto já não fosse preocupação suficiente, a guerra já começa a bater-lhes a porta, ou melhor, a explodir parcialmente a sua casa nos primeiros minutos do filme. Rapidamente a diretora ucraniana Maryna Er Gorbach revela que a dificuldade na vida daquelas pessoas só tende a aumentar. Irka e Tolik possuem uma vaca e algumas galinhas. Uma casa e um carro. Vivem com tão pouco e mesmo assim, pouco a pouco, tudo lhes vão sendo tirado.

O filme premiado em Sundance e Berlim possui uma frieza em como escolhe mostrar cada cena, desde os movimentos de câmera, lentos, principalmente, quando há muita coisa acontecendo no fora de campo nos impedindo, assim, de assimilar antecipadamente o que está a ocorrer. A trilha sonora é mínima, acentuando, desta forma, o som ambiente e fazendo com que a sequência final se torne ainda mais espetacular ao acompanharmos tudo ouvindo os muitos gemidos e a respiração ofegante e incessante de Irka.

O relacionamento que Irka tem com Tolik é estruturado, obviamente, dentro de uma cultura machista e conservadora. Entretanto a diretora, como já citei, quebra alguns desses padrões para colocá-la na rédea de certas situações, muito embora, o destino deles seja sempre traçado a partir de decisões tomadas de forma unilateral por Tolik, como quando empresta o carro deles (único meio que tinham para poder sair de lá e procurar um local seguro para ter o bebê) e mata a única vaca que tinham para alimentar os seus amigos, separatistas. A vaca de nome Maya – demonstrando, com isso, um laço afetivo com Irka – era, de certa forma, um meio de alimentação para eles através do leite, como bem está demonstrado na cena pós explosão da casa, em que Irka, com toda a calma do mundo, a ordenha.

Me incomoda um pouco a entrada e saída do irmão de Irka, Yarik (Oleg Shcherbina), durante a trama. Essa montagem quebra um pouco da continuidade e da coerência. Entretanto é interessante a sintonia e afinidade que eles, Irka e Yarik, possuem. Ele, mesmo contrariado por ter seu quarto sendo reformado e virando um banheiro, consegue dialogar de forma muito preocupado com sua irmã, por ela estar ali, em um ambiente agora hostil, prestes a dar à luz.

Um dos maiores conflitos da trama é a personificação dos lados da guerra: Tolik está do lado russo, ainda que não fale abertamente sua posição e Yarik defende a Ucrânia. E Irka está no centro deste jogo de empurra dos dois. Mas a diretora Maryna não deixa uma vez sequer de demonstrar Irka como uma mulher de muita fibra e completamente resiliente. No inicio do filme, após a explosão que destruiu parcialmente sua casa, sua maior preocupação era com o carrinho de bebê, mesmo que atrás dela vislumbrássemos uma casa sem algumas paredes. Essa força é o que explica ela se manter de pé com tudo desmoronando ao seu redor. Esse instinto de sobrevivência a permite perdurar mesmo quando é invisibilizada e vítima de uma passividade em uma das cenas mais chocantes de todo o longa.

Klondike: Guerra na Ucrânia é super atual e serve como uma mensagem para como aquilo que no passado era dado como um conflito sem importância – mesmo com um avião civil da Malaysia Airlines sendo derrubado pelos russos em território ucraniano – se transforma em uma guerra que mancha mais uma vez a história da humanidade.

Gostaria muito que ao fim dessa crítica eu pudesse escrever que a guerra, ainda que tardiamente, teve seu fim, mas ao que parece o fim ainda está longe de chegar.


Filme: Klondike (Klondike: A Guerra na Ucrânia)
Elenco:Oxana Cherkashyna, Sergey Shadrin, Oleg Scherbina, Oleg Shevchuk, Artur Aramyan, Evgenij Efremov
Direção: Maryna Er Gorbach
Roteiro: Maryna Er Gorbach
Produção: Ucrânia, Turquia
Ano: 2022
Gênero: Drama, Guerra
Sinopse: Em 2014, no momento em que começa a Guerra em Donbas, o casal de ucranianos Irka e Tolik vive na região da fronteira entre seu país e a Rússia. Ela está grávida, e se recusa a abandonar sua casa, mesmo quando seu vilarejo é tomado pelas forças armadas. Tudo fica ainda mais complicado quando um avião civil é abatido e cai na região.
Classificação: 16 anos
Distribuidor: Pandora Filmes
Streaming: Indisponível
Nota: 8,0

*Estreia dia 05 de maio de 2022 nos cinemas*

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