LIVREMENTE INSPIRADO EM FATOS REAIS
Kompromat começa sua história em Irkutsk, na Sibéria (Rússia). O diretor da Aliança Francesa de lá segue uma vida normal, tem um casamento estremecido mas um ótimo relacionamento com a filha pequena. Depois de vários acontecimentos, um dia a polícia o prende e o acusa de ter inclinações pedófilas. A partir daí, ele começa uma corrida para provar sua inocência e se reunir com sua família. No filme, Mathieu Roussel (Gilles Lellouche), na vida real, Yoann Barbereau.
O filme condensa a história de Barbereau em poucos meses, enquanto na vida real durou anos. Já começo a crítica dizendo que Barbereau não gostou muito do filme e o achou muito distante do que de fato aconteceu. Para mim, no entanto, a opinião foi um pouco diferente. Apesar de concordar com algumas críticas, acho que o filme faz um bom trabalho em retratar quão frágil é a situação política de um país não democrático, e quão frágil é a situação de um imigrante em um país estrangeiro. A seguir explico minhas razões.
O QUE É UM KOMPROMAT?
Kompromat é um termo real, que significa um dossiê falsificado para comprometer alguém, normalmente utilizado pela FSB (o Serviço Secreto russo). Com isso, a escolha da palavra como título do filme já fica clara.
Talvez seja por já ter morado na Rússia, ou por ter feito um mestrado em estudos de guerra, mas o filme para mim foi muito eficiente para mostrar o quão fácil é para um governo virar a vida de alguém de cabeça para baixo, caso esta pessoa não atenda suas expectativas de alguma forma.
No caso de Mathieu, no filme, será por que ele flertou com a nora de um agente da FSB? Será por permitir uma apresentação artística com teor homoerótico (o que na Rússia, ainda mais na Sibéria, seria infelizmente bem problemático)? Será que ele é um espião francês infiltrado? Ou será que é por que ele realmente fez parte do que é acusado?
VIRADA DRAMÁTICA
O filme realmente pesa um pouco a mão ao transformar uma história que já é dramática por si só em um quase filme de ação, atenuando assim um pouco a discussão política. Mathieu passa por uma série de acontecimentos que parecem um pouco além do que pode ser considerado verossímil para um diretor de um instituto cultural.
Ainda assim, a discussão política está sempre lá, como pano de fundo para tudo o que acontece. Quão tênue é a linha entre cidadão celebrado e inimigo do Estado? Até onde um pai pode ir por suposto amor ao filho? Até onde as pessoas podem ir até que machuquem outras para sempre? Qual é a linha entre empatia e autodestruição? Quão frágil ou democrático é um Estado que precisa perseguir e prender pessoas que não se alinham com seu ponto de vista?
O único personagem que realmente me tirava um pouco da história era o clichê de supervilão na figura de Sagarine (Igor Jijikine). Seu arco de personagem só está lá para criar uma pressão artificial em uma história que já está com pressão alta só por existir. Além disso, o roteiro leva o personagem para caminhos que uma pessoa na vida real com a história profissional de Sagarine jamais faria. Foi com ele também que o filme pecou um pouco na banalização do massacre de Beslan, utilizado aqui só como um aparte para enfatizar o quão terrível é o personagem. Foi um tratamento muito leviano, que precisaria de muito mais aprofundamento para justificar sua utilização.
NÃO É TÃO IMPOSSÍVEL QUANTO PARECE
Estamos aqui falando de um governo que supostamente envenenou um dissidente em um país estrangeiro e um rival da oposição em uma viagem de avião, por exemplo. Ao mesmo tempo em que não é útil vilanizar a Rússia como se fosse o único vilão da história do mundo, já que vários países “democráticos” e “livres” cometeram muitas e muitas atrocidades também, entender estes casos ajuda a compreender que a situação descrita em “Kompromat” não é nada impossível.
É assim que o filme retrata o quão países podem se sentir ameaçados pelas menores coisas, quando sua estrutura de governo depende muito de um controle não muito democrático da sua população.
“Kompromat” retrata também como um imigrante fica vulnerável em um país estrangeiro. Essa vulnerabilidade não é exclusiva da Rússia, diga-se de passagem, acontece no mundo todo, principalmente com imigrantes não-brancos. No massacre de Utoya, na Noruega, pessoas atacaram imigrantes muçulmanos antes de ser divulgado que o atirador era um norueguês que acreditava na supremacia branca. Após a onda de refugiados sírios que escapou para a Europa, muitos imigrantes foram usados como bodes expiatórios de crimes.
CONCLUSÕES FINAIS
O filme poderia se aprofundar muito mais nessas questões, isso fica claro. No entanto, tem um ritmo que engaja, e que consegue passar essas mensagens sem ser didático ou verborrágico demais. Ele incita a curiosidade para lermos mais sobre os assuntos que estão ali de pano de fundo por toda sua duração, para quem abraçar a imersão e quiser vê-los.
Não senti as 2h07 de filme passarem, o que pra mim significa que ele entregou o que propunha.
Filme: Kompromat – O Dossiê Russo Elenco: Gilles Lellouche, Joanna Kulig, Louis-Do de Lencquesaing Direção: Jérôme Salle Roteiro: Jérôme Salle, Caryl Ferey Produção: França Ano: 2022 Gênero: Drama, Thriller Sinopse: Mathieu Roussel, diretor da Aliança Francesa em Irkutsk, na Sibéria, vê sua vida virar de cabeça para baixo ao ser preso pelo Serviço Secreto Russo. Classificação: 12 anos Distribuidor: Mares Filmes Streaming: Não Nota: 7,5 |