LOVELY BOY

LOVELY BOY

Lovely Boy é uma das grandes surpresas do cinema italiano deste ano. Estreou no Festival de Veneza e agora é exibido ao público brasileiro através do 16º Festival de Cinema Italiano que começou no dia 05 de novembro de 2021 e vai, em sua versão online, até 05 de dezembro de 2021. Os filmes com exibição online são gratuitos e Lovely Boy é um destes.

O longa é dirigido por Francesco Lettieri que também assume o roteiro em conjunto com Peppe Fiore. É possível perceber no filme que o trabalho de ambos é muito bem feito, muito embora estejam, ainda, nos seus primeiros passos quando falamos de cinema e longas-metragens. O olhar de Lettieri, através de sua câmera, é muito madura e o roteiro, por sua vez, exige bastante tanto do diretor quanto de quem está em cena. E aqui está a grande surpresa deste longa: Andrea Carpenzano.

O ator italiano interpreta Nic que tem uma paixão pela música, canta e faz um relativo sucesso com suas letras, mas se vê cada vez mais afundado nas drogas. É neste ponto que se consolida a qualidade da direção e do roteiro, uma vez que é tentador usar este problema para explorar até a última gota dos dramas familiares e dos relacionamentos amorosos destruídos por conta do vício, mas em Lovely Boy o caminho seguido é outro. Há uma busca pelo amadurecimento não só nas escolhas para o personagem por parte da direção e roteiro como também no caminho percorrido pelo mesmo. Existe uma certa frieza, ou talvez seja uma visão opaca e bem realista, em como esse tipo de problema afeta todos ao redor daquele individuo autodestrutivo, deixando a pieguice, comum a este tipo de drama, totalmente de lado.

Carpenzano se coloca de tal maneira na pele de Nic que por vezes o longa – que é ficcional – se parece mais um documentário sobre a vida de algum astro do rock, tamanha a verossimilhança que existe e que é muito bem desenvolvida aqui.

Duas linhas temporais são traçadas durante o filme. Uma é a da degradação rápida do personagem Nic a cada novo show e a cada nova música. E em um total contraponto temos a outra linha temporal que mostra Nic em uma casa de recuperação para viciados, na qual ele tenta se reencontrar e, assim, identificar a origem de seus problemas para, então, se livrar das drogas.

É interessante notar o paralelo que se faz destes dois momentos vividos pelo protagonista e em como a direção consegue desenhar cenas bem parecidas com modificações sutis, mas que fazem toda a diferença. Duas cenas em especial chama bastante atenção. Na primeira Nic está completamente fora da realidade, por conta da droga, quando acontece um incidente com seu cachorro. Enquanto todos já estão do lado de fora para ver o que aconteceu, ele é o último a chegar, mas não esboça qualquer reação, tudo o que resta é a criação de mais uma hashtag. E de forma semelhante, mas com Nic vivendo um outro momento de sua vida, já na casa de reabilitação, um incidente acontece com aquele que se aproxima mais de ser um amigo, o Danie. Mas diferente da cena do cachorro agora a câmera acompanha Nic subindo as escadas para saber o que aconteceu, e podemos perceber, mesmo que de forma ainda tímida, a sua emoção ao se deparar com a cena. É possível identificar nesse momento que o personagem está mais alerta e reagindo ao que acontece ao seu redor.

Esse jogo de cenas compostas para as diferentes situações na vida de Nic se faz presente durante todo o filme. A descida para o nível mais baixo no consumo das drogas e sua elevação para o autoconhecimento e maturidade mostra o tamanho do desafio enfrentado por ele. E como bem disse o personagem Marti:

“Uma vida de merda, mas nossa própria escolha, certo?”

Apesar do filme escolher não se aprofundar no passado de Nic, é possível compreender que a sua estrutura familiar não é aquela que se faz presente e muito menos aquela acostumada com diálogos. Isso fica claro na cena da sala onde estão Nic, seus pais e sua namorada. Há um embate em relação a quantidade de “beck” que Nic anda fumando, sua namorada espera pelo apoio dos pais de Nic nessa situação, mas o que percebemos é a total apatia destes para com os hábitos de seu filho.

Se nesse período pré casa de recuperação se vê um Nick cada vez mais letárgico e entregue aos efeitos da droga, no período em que está na casa de recuperação é perceptível a raiva dando lugar a um entendimento sobre qual o seu lugar. E se em um início ele diz não gostar de cavalos por serem animais inúteis – e talvez esteja refletindo sobre si mesmo – ao fim começa a se dar a chance de subir em um.

Mas tudo isso é conseguido graças a um amigo improvável, Danie, que, mesmo com poucas palavras e açõe,s faz a diferença na vida de Nic. Não há como não pensar que seu último ato não tenha sido pensando em transformar a vida de seu mais novo amigo, assim como lhe aconteceu no passado.

Mas mesmo esse ponto – que normalmente seria demasiadamente decupado para que o sentimento ali fosse forçado mesmo que artificialmente ao público – é passado sem muita exploração. Tem o tempo necessário para que o público reflita e espere pela reação de Nic daquele ponto em diante.

E este é justamente o último ponto de virada do filme. E os minutos seguintes remetem a uma visão esperançosa de que é possível uma ressocialização, de que ainda há tempo de fazer diferente e de que a vida dá novas oportunidades, não para todos, mas para aqueles que conseguem se encontrar nessa jornada de autodescoberta.

Lettieri, por fim, prova que no cinema o menos também é mais. Ao apostar em um sentimento mais mundano, nada se perde em comoção e, principalmente, na conexão entre o protagonista e o público.


Filme: Lovely Boy
Elenco: Andrea Carpenzano, Daniele Del Plavignano, Ludovica Martino, Enrico Borello, Riccardo De Filippis, Pierluigi Pasino, Martino Perdisa, Federica Rosellini, Gennaro Basile, Davide Valle, Valerio Desirò, Rosella Tancredi
Direção: Francesco Lettieri
Roteiro: Peppe Fiore, Francesco Lettieri
Produção: Itália
Ano: 2021
Gênero: Drama
Classificação: Sem Classificação
Streaming: MUBI
Nota: 7,7

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