É inquestionável que 1999 seja um dos grandes anos do cinema e, sem dúvidas, Matrix contribuiu e muito para defini-lo assim. É bem verdade que outros tantos filmes daquele ano catapultaram essa fama como são os casos de Beleza Americana, Clube da Luta, À Espera de Um Milagre e Magnólia. Entretanto nem mesmo estes que citei tiveram o poder de reescrever a história, principalmente, de filmes do mesmo gênero como Matrix o fez. Os filmes de ação, pós 2000, souberam sugar tudo o que a trilogia Matrix deixou como legado e foi assim com o visual visto na franquia, estrelada por Kate Beckinsale, Anjos da Noite, ou nas artes marciais inseridas em um mundo ocidental e, talvez, no mais importante de todos, o “Bullet Time” – efeito especial que parece congelar o tempo ao mesmo tempo que dá a câmera a plena liberdade de movimento para essas cenas especificas.
É fato incontestável que as irmãs Wachowski criaram um universo de possibilidades quando nos apresentaram o primeiro filme da trilogia. A filosofia ali inserida, sugerindo e alimentando reflexões, através do personagem Neo (Keanu Reeves), sobre a realidade em que vivemos (referências ao Simulacro e Simulação de Jean Baudrillard), as inovações da estética, sobretudo a visual, convergindo com todo o ritmo acelerado que o filme possuía e a discussão interminável sobre Humanos versus Maquinas eram demais para caber em apenas 3 filmes, mesmo que estes somassem mais de 6 horas. A conclusão da trilogia com o longa Matrix Revolutions deu um desfecho satisfatório, mas de forma alguma esteve à altura da experiência cinematográfica que o primeiro filme nos apresentou.
Passados 22 anos desde a estreia de Matrix nos cinemas, somos presenteados – e estamos em pleno período natalino – com o quarto filme, Matrix Resurrections. Agora, com apenas Lana Wachowski no comando, o seu primeiro desafio era conceber as conexões da trilogia – uma história com um final bem definido – com a ideia desse novo filme, além de apresentar algo que justificasse essa nova empreitada e, posso dizer, que a metalinguagem, colocada com este propósito, é muito bem utilizada aqui – há um momento cômico através de um diálogo bem expositivo sobre isso entre Thomas Anderson/Neo (Reeves) e seu chefe.
Esse retorno aos acontecimentos do passado vai nos colocando, novamente, na pele de um Thomas Anderson, absorto em uma vida sem grandes acontecimentos, a não ser seus problemas de distinção do que é realidade e o que não é. Para quem se lembra bem do primeiro filme da trilogia, vai notar que este é muito mais acelerado, sobretudo, na apresentação dos personagens e no desenvolvimento até o momento das escolhas que os personagens devem fazer entre a verdade e o autoconhecimento (Red Pill) e a estagnação na ignorância (Blue Pill). Se faz notar uma concepção didática quanto ao uso das cores, já que é extremamente chamativa a cor azul em tudo que cerca o personagem Thomas Anderson, principalmente, quando este está fazendo uso de medicamentos (pílulas azuis). E essa distinção, com o uso das cores, será repetida algumas vezes.
A ideia desse longa é muito clara, criar um novo desfecho e que este consiga ser mais harmônico entre o que acontece nos dois mundos, principalmente em termos de um visual mais limpo para o espectador. Nesse ponto Wachowski consegue alinhar bem tudo o que acontece nos dois espaços, pois há, nesses momentos, um ritmo mais vagaroso, afim de que percebamos cada passo dos personagens.
No quesito personagens há uma reformulação óbvia, já que existe um tempo cronológico atuando naquele universo. Matrix Resurrections se estabelece como um momento bem posterior à Matrix Revolutions. No decorrer desse tempo já houve paz, mostrando que o sacrifício de Neo não foi em vão – uma clara similitude com Jesus Cristo, O Salvador, idéia que é constantemente reforçada neste novo filme -, mas uma nova guerra, máquinas versus máquinas, faz surgir uma nova Matrix.
Logo de início somos apresentados a Bugs (Jessica Henwick), uma nova personagem que, tirando os protagonistas, é quem tem a maior importância para o desenvolvimento de toda a trama e logo em seguida temos a primeira surpresa, um Morpheus, interpretado por Yahya Abdul-Mateen II, logicamente mais novo que o personagem original, e bem menos engessado também. Essa leveza em Morpheus se repete com o agente Smith (Jonathan Groff) e faz com que o longa mantenha o ritmo constante. Ambos os personagens (Morpheus e Smith) possuem um ar desinibido, irônico e sarcásticos, às suas maneiras, que inferem às suas cenas um tom bem mais sutil, sem grandes conflitos ou reflexões. São meros instrumentos que preenchem o filme para ora alimentar a nostalgia dos mais saudosos ora para servir de solução para problemáticas geradas pelo próprio roteiro e é nesta segunda situação que o filme tem seu maior problema. Tudo é facilmente resolvido. Assim como os três primeiros filmes não deram conta de resolver tudo de forma harmônica, Matrix Resurrections peca por colocar em cima de si uma pressão em ser melhor que o último filme. Esse peso, principalmente para um filme só, de aproximadamente 2 horas e meia, cria um ar de pressa e desfechos rápidos, mas que não são suficientemente aceitáveis, tendo em vista o que já conhecemos através da trilogia.
Se Morpheus, mesmo não tendo uma grande importância para a história, consegue fazer valer a sua presença aqui, com cenas bem-humoradas e que nos remetem aos primeiros filmes, o mesmo não acontece com Niobe (Jada Pinkett Smith). Mesmo sendo a representação de um povo que regrediu pelo medo e que agora vive, novamente, escondido, suas poucas aparições não acrescentam nada para os caminhos seguidos por Neo, Bugs e companhia.
Na verdade é a cidade Io, comandada por Niobe, quem tem papel fundamental na discussão sobre a ocupação de espaços por Homens e Maquinas. Em Io temos um exemplo de como cada um possui papel importante e complementar para, mesmo em uma total adversidade, sobreviverem. Mais uma vez salientando que o sacrifício de Neo, em Matrix Revolutions, não foi em vão.
Entretanto o que mais me chama a atenção e me agrada é a importância dada a Trinity (Carrie-Anne Moss). Se na trilogia todos estão atrás de Neo, por conta de uma profecia sobre O Escolhido, aqui é ela quem deve ser encontrada e é ela quem faz a diferença. Claro que isto está intrinsecamente ligado à posição ocupada por Lana Wachowski enquanto indivíduo. Mas me incomoda um pouco que todo o processo de amadurecimento da personagem, sobretudo, que permeia por uma vida em família, tenha como desfecho um embate tão pouco entusiasmado – moroso eu diria – com o Analista (Neil Patrick Harris). Este, porém, que desde o início tem em seus óculos um indicativo do que ele representa, possui melhores camadas quanto ao que é, ao que planeja e em como transita pelo filme. É bem verdade que a tentativa de ampliar o sentido do “Bullet Time” em algumas de suas cenas se mostra como um grande tiro no pé, muito embora essa conta recaia, também, em um roteiro preguiçoso e não somente na equipe de efeitos especiais. Não há outra definição para estas cenas senão cafona.
Não podia encerrar esse texto sem falar dele, Keanu Reeves, que não é mais nenhum garoto, mas que ainda possui um Neo de 20 anos atrás presente nele. Interessante ver como é feita a adaptação para o personagem já que o ator não possui mais a mesma desenvoltura e nem a mesma velocidade. Ao invés de gastar muita energia em embates sem fim, um novo poder resolve facilmente diversos momentos.
Matrix 4 não traz novidades, não muda o cinema mais uma vez, mas acalenta os corações que ansiavam por ver Neo e Trinity em ação novamente. Na verdade agora foi a vez de Wachowski utilizar referências de outros filmes e de uma cultura pop contemporânea como é o caso do enxame de boots que mais parece uma horda de zumbis. Como já citei, o grande desafio seria estabelecer as conexões e, nisso, a diretora acerta em cheio. O espectador sai satisfeito com o que acabou de assistir e novamente repito, Matrix é e sempre vai ser mais do que um filme, Matrix é uma experiência.
Filme: The Matrix Resurrections (Matrix Resurrections) Elenco: Keanu Reeves, Carrie-Anne Moss, Yahya Abdul-Mateen II, Jonathan Groff, Jessica Henwick, Neil Patrick Harris, Jada Pinkett Smith, Priyanka Chopra Jonas Direção: Lana Wachowski Roteiro: Lana Wachowski, David Mitchell, Aleksandar Hemon Produção: Estados Unidos Ano: 2021 Gênero: Ação, Ficção Científica Sinopse: Em um mundo de duas realidades – a vida cotidiana e o que se esconde atrás dela – Thomas Anderson precisará escolher novamente seguir o Coelho Branco. Escolha, uma mera ilusão, é o único caminho para entrar ou sair da Matrix, que está mais forte, segura e perigosa do que nunca. Classificação: 14 anos Exibição: Nos Cinemas Nota: 7,7 |