ME CHAMA QUE EU VOU

ME CHAMA QUE EU VOU

O tempo é implacável. Essa foi a primeira impressão assistindo ao documentário Me Chama que Eu Vou, dirigido por Joana Mariani, que narra os triunfos dos 50 anos de carreira de Sidney Magal. Contudo, lidar com a passagem do tempo pede leveza e durante o pouco mais de uma hora de duração do filme parece inevitável ser preenchido por ela e pelo desejo de ser e fazer você mesmo, sentimentos emanados pelo próprio Magal, que atua como o principal narrador do documentário.

Uma estrela leve

Como não poderia deixar de ser, os minutos iniciais trazem imagens de apresentações ao vivo e entrevistas provocativas do jovem Sidney Magal, embaladas pelo som dos sucessos que o transformaram em um ícone da música brasileira. Contudo, esse jovem artista dos anos 1970, visto como um símbolo sexual nos palcos, dá lugar ao septuagenário Sidney de Magalhães, com  cabelos brancos menos esvoaçantes e menos partes do corpo expostas.

Ainda assim, o choque de ver o astro que enlouqueceu multidões agora envelhecido se desfaz na naturalidade com que ele próprio encara sua vida e sua carreira. Embora ele faça questão de esclarecer que existe uma separação entre Sidney Magal e Sidney de Magalhães, é possível ver que ego e alter ego sempre funcionaram em perfeita sinergia.

Diante disso, a experiência de assistir ao documentário, montado com maestria para intercalar as entrevistas do artista, sua esposa Magali West e seu filho Rodrigo West, com recortes de revistas, jornais e aparições em programas de TV de décadas passadas, é uma viagem deliciosa ao passado.

Pura nostalgia

É bem verdade que para aqueles com menos de 30 anos talvez falte um pouco de tempero, afinal o último grande sucesso de Magal talvez tenha sido a repaginação da canção “Tenho”. Lançada originalmente lançada em 1978, ela voltou às “paradas de sucesso” em meados de 2000, com direito a clipe com o jornalista Xico Sá e a atriz Debora Falabella, recém-saída da novela Senhora do Destino e do filme Lisbela e o Prisioneiro à época. Depois disso, Magal voltou a ser uma enorme marca na história da música, mas apenas isso.

Já para quem viveu o caos cultural das décadas passadas, em especial entre 1970 e 1990, relembrar os temas que perpassavam o entretenimento da época é uma viagem nostálgica. Além disso, ainda que muito disso possa ser visto hoje como cringe – a gíria ainda vive ou já foi enterrada? – e até ofensivo, o documentário é cuidadoso o suficiente para não enaltecer nada questionável. Cabe ressaltar que o fato de Sidney Magal ser também ator ajuda a completar esse retorno ao passado cultural do Brasil. Porém, é aí que o documentário também começa a tropeçar.

Faltou tempero do amante latino

Em seu tempo, Magal foi uma figura controversa. Com os cabelos rebeldes, o olhar provocante, o peito seminu, calça colada, coreografia “requebrante”, letras quentes e voz ao mesmo tempo sedosa e poderosa, ele levava fãs ao êxtase. Por tudo isso, ele é sem dúvida uma das figuras que definem (ou definiam) o imaginário de sensualidade tropical.

Não por acaso, Magal protagonizou o filme Amante Latino em 1979. Até mesmo por isso, é surpreendente para quem assiste ao documentário sem muita informação prévia ver que, na verdade, ele é um romântico à moda antiga e um homem de família. Porém, por mais satisfatória que seja essa contradição entre o provocador que avassala multidões e o pai de família, fica a sensação de que faltou se aprofundar na narrativa do amante latino.

De fato, durante suas entrevistas Sidney conta que por um tempo precisou manter segredo sobre sua relação com Magali (companheira de quase toda sua vida) para não decepcionar fãs e até que a esposa sofreu a sanha enciumada depois que o relacionamento veio à tona. Contudo, esses breves relatos são meras notas de rodapé na história.

O mesmo vale para a relação entre Magal e o empresário Roberto Livi, que teve um papel fundamental no sucesso do artista. Com registros de sua carreira como dançarino na Europa e outros documentos, Sidney refuta a crença popular de que o estilo cigano que o tornou famoso fosse invenção de Livi e que ele mesmo fosse um artista “fabricado” para vender.

Realmente, assistindo ao documentário é fácil sentir que o Sidney Magal que estourou era um artista autêntico, fazendo o que sabia fazer melhor a seu modo apesar do suporte valioso de alguém que conseguia ver seu potencial. O que não fica tão fácil compreender é o que levou artista e empresário a seguirem caminhos opostos.

A única informação que a produção oferece é a fala de Magal de que Livi “se colocou no seu lugar”. Isso mostra que o homem por trás do hit Me Chama que Eu Vou, que dá nome ao documentário, prefere evitar temas espinhosos. O mesmo vale para a carreira na TV e no cinema. Embora ele tenha protagonizado o filme já mencionado e participado de novelas, tudo isso é quase completamente ignorado.

Talvez seja possível afirmar que esses trabalhos não tenham sido tão relevantes para a carreira de Sidney Magal quanto suas músicas, talvez sejam até notas em sua história das quais ele não se orgulhe tanto ou não guarde as melhores recordações. Para todos os efeitos, vale frisar que essas objeções raramente são impeditivas para bons documentaristas, mas talvez Me Chama que Eu Vou seja mais um merecido elogio a Magal do que qualquer outra coisa.

Gostoso e necessário

Seja como for, a homenagem é muito mais que válida. Sendo Sidney Magal um artista que ajudou a construir as bases para o que a música brasileira viria a se tornar, ela é também necessária. Mais do que isso, enquanto assistimos ao documentário, incomoda pensar que, por ser classificado como um cantor brega e um artista fabricado, ele tenha sido considerado um coadjuvante enquanto Roberto Carlos, por exemplo, é reverenciado até hoje.

Ora, o que separa esses dos músicos para que recebam tratamentos tão distintos? Magal ousou ser ele mesmo e, em tempos muito mais obscuros do que os de hoje, não temeu sua sexualidade. Odiado por machos frágeis, foi atacado pela homofobia predominante – apesar de sua heterossexualidade – pelo simples fato de se sentir à vontade para requebrar. Amado por outros homens, jamais hostilizou fãs homossexuais que o desejaram. Tudo isso enquanto colocava o Brasil para dançar. Ainda que deixe a desejar em alguns pontos, Me Chama que Eu Vou nos faz lembrar que nossa cultura atual talvez não fosse a mesma sem Sidney Magal.

Filme: Me Chama que Eu Vou
Elenco: Sidney Magal, Magali West, Rodrigo West
Direção: Joana Mariani
Roteiro: Joana Mariani, Eduardo Gripa
Produção: Brasil
Ano: 2020
Gênero: Documentário
Sinopse: Os momentos mais relevantes na vida do cantor, dançarino, ator e dublador Sidney Magal, que se tornou um ícone da música brasileira. Conheça o homem por trás do ídolo por meio do olhar das pessoas que participaram da história.
Classificação: 12 anos
Distribuidor: Vitrine Filmes
Streaming: Indisponível
Nota: 8,0

*Estreia nos cinemas no dia 12 de janeiro de 2023*

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