MIRADOR

MIRADOR

Alguns filmes constroem a intenção de dialogar mais estritamente. Aliás, tentam se certificar de que dialogarão com determinado público. Tal público não será conquistado de outra forma senão pelas escolhas que, conscientes ou inconscientes, guiam o filme. Ou seja, há uma série de decisões tomadas capazes de guiar o filme para quem ele, o filme, quer olhar. Isto é, qual público o filme quer atingir. De forma resumida, na maioria das vezes, o fator determinante é a identificação. Creio que “Mirador”, filme dirigido por Bruno Costa, tem a identificação como catalisador do alcance. 

Naturalmente, escolhas têm implicações. Com esta, não é diferente. Há algum tempo, o cinema tem sido afetado com um excesso de preocupação no que tange a representatividade, é um desigual cuidado, ou descaso, em relação às narrativas e questões técnicas e estéticas. ‘O caso de “Mirador”, acontece algo semelhante. A começar pelo roteiro e montagem. O filme não se permite fazer outra coisa que não seja cumprir metas explícitas. Digo, não há tempo para ambientação ou Ma (palavra japonesa que significa respiro, intervalo).  A representação da personagem principal, o Maycon, super pai da vez, é simplista e imediata. Mas não mais do que a da mãe que, aliás, faz uma participação ínfima, simplória e, da forma como foi apresentada, presta um desserviço à alguma intenção pró-feminista que o filme possa ter. A primeira cena que ela aparece, por exemplo, é de uma obviedade tremenda. Isso também nos faz questionar as atuações. Tudo nelas parece em total prontidão. Uma singela falha. Tais questões abordadas são escolhas que impõem ao filme não apenas um tempo, mas também um tom. E o tom o encaminha ao público. 

De todo modo, percebe-se algumas referências publicitárias. E isso não é um problema, se não for mal diluído, adaptado. E não se mostram apenas por ângulos de cenas, color grading e expressões visíveis. Mas também, e ouso dizer que sobretudo, pela forma como o roteiro e a direção abordam o tema da paternidade. Ora, um homem que tem uma profissão que expressa melhor do que poucos o ideal fracassado de masculinidade, tem que, após a mãe da sua filha “sumir”, cuidar da criança. Cheira a propaganda do Itaú. E isso não implica necessariamente em uma incapacidade de despertar emoção, papel das Artes. Mas implica justamente num tom narrativo e numa narrativa um tanto forçadamente simplista, previsível. Agrega só tom publicitário o jogo racial no elenco ou em cena. Tudo parece muito bem pensado de forma a dialogar com as demandas identitárias. Isso nitidamente inclui a posição que o Maycon, homem negro, ocupa ao aprender a lidar com afetividade e sexualidade de outra forma, atravessando os símbolos ao precisar ser um pai presente. E o tom que “Mirador” reluz é confuso porque pode ser um filme feito por quem pensa essas questões e quer que o filme seja visto por quem não pensa; ou pode ser um filme para quem pensa – ou não – feito por quem não pensa as questões relativas aos papéis e performances de gênero. E sim, são questões que influenciam muito principalmente na profundidade da abordagem e na forma. Porque a representação reinstala limites que somente a narrativa autêntica ou estudada extrapola. “Mirador” mora nessa linha tênue.

Na melhor das hipóteses, é belo que, de forma pensada ou não, o filme retrate um homem preto repensando e redesenhando sua masculinidade diante da necessidade de ser um pai presente. E é através dessa beleza que o filme conquista seu público que, mais ou menos pensante dessas questões, percebe a necessidade e anseia por mudanças nesses fracassos e obsoletos padrões. Há também o afago que recebem aqueles homens que se reconhecem como um Maycon. Pensando assim, talvez o filme tenha sido feito por um e para um como ele. E isso também tem seu valor.


Filme: Mirador
ElencoEdilson Silva, Altamar Cezar, Maria Luiza da Costa, Stephanie Fernandes, Luiz Carlos Pazello, Giovana Soar
Direção: Bruno Costa
Roteiro: Bruno Costa e William Biagioli
Produção: Brasil
Ano: 2021
Gênero: Drama
Sinopse: Maycon é um boxeador que treina para retornar aos ringues enquanto divide seu tempo com dois subempregos. Pai de Malu, fruto de uma relação casual que teve com Michele, ele tem sua vida revirada quando se vê na situação de ter que cuidar da filha sozinho. Entre a rotina exaustiva de treinos e bicos para sobreviver, a maior luta de Maycon ainda está por ser vencida: tornar-se pai.
Classificação: 16 anos
Distribuidor: Olhar Distribuição
Streaming: GloboPlay
Nota: 6,0

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