Olivia Wilde tem no seu currículo como atriz nenhuma atuação de grande destaque, contudo quando debutou na direção conseguiu surpreender a muitos com o seu filme “Fora de Série” (2019). Nessa sua primeira experiência em longas tratou de construir uma comédia dentro do “Coming of Age” e teve a sorte de escalar duas atrizes extremamente empolgadas com o projeto e com a oportunidade, Kaitlyn Dever e Beanie Feldstein. O resultado foi o sucesso e portas abertas para os novos projetos de Wilde.
Em seu segundo longa, “Não Se Preocupe, Querida” – que estreia hoje, dia 22 de setembro de 2022 – Wilde se viu cada vez mais afundada em noticias que faziam parte do “extracampo” do filme. A saída conturbada e mal explicada do ator Shia LaBeouf, dando lugar ao pouco rodado Harry Styles, o qual depois viríamos a saber se tratar de um possível pivô da separação de Olivia Wilde e Jason Sudeikis. As diferenças criativas entre Wilde e a estrela desse projeto Florence Pugh e, por último, uma suposta cusparada de Harry Style em Chris Pine no Festival de Veneza. Tudo isso se tornou um prato cheio para críticas que passaram a diminuir o filme, tratando os bastidores como mais interessantes. Entretanto é preciso dizer que o filme em momento algum sofre com o que aconteceu ou deixou de acontecer fora da tela. E talvez esta seja a maior qualidade de Olivia Wilde nesse seu segundo longa. A destreza que tem em não deixar que o ambiente externo contamine o interno. Em conseguir, ainda que tenha existido tais dificuldades, extrair muito do seu elenco, sobretudo de Florence Pugh.
Não Se Preocupe, Querida nos apresenta uma experiência social chamada de Projeto Vitória. Uma cidade no meio do deserto, porem autossustentável. Esta cidade é habitada por pessoas de gosto refinado, onde só os homens trabalham fora enquanto que às mulheres sobram os trabalhos domésticos (Cozinhar, limpar, lavar e passar) e tempo para jogar conversa fora em idas ao clube, ao shopping center e outros estabelecimentos de lazer.
O longa emprega uma paleta de cores que remete aos anos 50. E os figurinos corroboram com a época bem como os carros utilizados somente pelos grandes homens provedores daquela comunidade. O clima todo é muito bem pensado para exalar os “anos dourados”. As revoluções tecnológicas que fazem parte do trabalho misterioso de todos os homens daquela comunidade, a TV sempre ligada e a rádio sempre sintonizada.
Florence Pugh é Alice, uma esposa devota ao seu marido Jack Chambers – interpretado timidamente por Harry Styles – levando uma vida de dona de casa com certos privilégios e sem enxergar qualquer defeito nos seu dia a dia, mesmo quando quebra ovos vazios na tentativa de faze-los fritos. A protagonista não se chama Alice a toa, o longa se utiliza de muitas características do livro Alice no País das Maravilhas. Mas se entrasse em detalhes aqui a experiência de vocês poderia não ser a mesma. Para afastar a possibilidade de coincidência, a melhor amiga de Alice é Bunny – Coelho em inglês – que aqui é interpretada pela diretora Olivia Wilde. E há, para além destas duas situações, uma cena em que uma parede de vidro se move, comprimindo a personagem Alice, uma referência a quando a personagem do livro fica enorme dentro da toca do coelho.
Para além de todas essas semelhanças e de modo muito assertivo, o roteiro escrito por Katie Silberman (Fora de Série), Carey Van Dyke (Chernobyl) e Shane Van Dyke (Chernobyl) toca em outros pontos como o papel da mulher na sociedade seja ela em 1950 ou nos tempos atuais. A sexualidade da mulher que ainda hoje é tratada cheia de melindres. A falta de credibilidade dada as mulheres, principalmente, quando são confrontadas por homens de poder. A misoginia e a cultura do estupro. Tudo isso de alguma forma compõe o filme, seja explicita ou implicitamente. Mas se por um lado essas discussões são pensadas através do olhar feminino, o outro lado da balança é completamente desequilibrado e desarmonioso. Os personagens masculinos, ainda que bem caracterizados quanto a importância dada aos seus egos, são unidimensionais. Jack até se apresenta de outras formas, principalmente, ao final do filme e, com isso, conseguimos perceber outras camadas do personagem, mas Frank (Chris Pine) é uma decepção total. Um personagem que não desperta qualquer curiosidade. Um homem poderoso, o criador daquilo tudo, mas que passa em branco na maioria das suas cenas. Até mesmo em seu embate com Alice, em um jantar, é esperado algo mais, contudo o clima morno se estabelece do inicio ao fim da conversa.
Florence Pugh é a única que se sobressai ali, entretanto entendo esta decisão como uma ação proposital. A trama para funcionar precisa dessa inercia dos outros personagens, mas assim como a personagem da obra literária, a Alice do filme também é inquieta e perspicaz. Logo é ela quem consegue modificar o status quo daquele lugar.
O desfecho soa interessante em um primeiro momento, depois com tempo para absorver percebemos uma falta de originalidade. Basicamente foi feita uma cópia de determinados episódios da série britânica de sucesso “Black Mirror”. E por fim, quando encaixamos tudo em seu devido lugar, tomamos a consciência de que o filme entra em uma corrida contra o tempo e pula diversas etapas não apresentando qualquer preocupação em contextualizar ou até mesmo desenvolver como tudo aquilo se originou.
Não Se Preocupe, Querida tem uma trama envolvente em boa parte do filme, mas é bem verdade que carece de personagens com mais profundidade – e o filme pedia isso. Florence Pugh é a grande estrela aqui e mostra mais uma vez que mesmo com algumas escolhas erradas por parte da direção ela sempre se desafia a deixar o máximo em cena. Infelizmente Olivia Wilde não conseguiu repetir o feito como foi em sua estreia com “Fora de Série” no ano de 2019, mas ainda assim demonstrou movimentos claros de sua assinatura dentro do cinema, sobretudo na estética apresentada, irretocável.
Filme: Don’t Worry Darling (Não Se Preocupe, Querida) Elenco: Florence Pugh, Harry Styles, Olivia Wilde, Chris Pine, KiKi Layne, Gemma Chan, Kate Berlant, Timothy Simons, Dita Von Teese, Sydney Chandler, Nick Kroll, Douglas Smith Direção: Olivia Wilde Roteiro: Katie Silberman, Carey Van Dyke, Shane Van Dyke Produção: Estados Unidos Ano: 2022 Gênero: Drama, Suspense Sinopse: Uma dona de casa que vive em uma comunidade experimental começa a suspeitar que a empresa de seu marido está escondendo segredos perturbadores. Classificação: 16 anos Distribuidor: Warner Bros. Pictures Streaming: Indisponível Nota: 7,6 *Estreia dia 22 de setembro de 2022 nos cinemas* |