NOPE

NOPE

É difícil não olhar, ainda mais sendo Jordan Peele, membro da tríade sagrada do atual cinema de terror, junto de Robert Eggers: A Bruxa (2015); O Farol (2019) e O Homem do Norte (2022) – e Ari Aster: Hereditário (2018) e Midsommar (2019). Com seu terceiro longa-metragem, Nope (2022) mostra o porquê do diretor vir ganhando destaque dentro da indústria.

Com uma cinematografia de deixar a boca aberta, conta com momentos belíssimos, que mereciam ser enquadrados. A fotografia do filme, somados aos poucos usos de efeitos especiais, cria uma ambientação imersiva no que é apresentado ao público. O elenco de personagens é convincente, principalmente o trio de protagonistas: como Emerald Hayood (Keke Palmer); Angel Torres (Brandon Perea) e o eterno OJ (Daniel Kaluuya) que já é uma figura repetida e de excelente qualidade que acompanha os longas de Jordan Peele. Dosam com sabedoria os momentos de tensão, somadas a pitadas de humor que deixam tudo mais palatável.

Mas, afinal, sobre o que se trata Nope? É um quebra estrutural do convencional e tradicional gênero de alienígenas. Nesse ponto, já vale a pena, somente por buscar imputar novidades em algo que é constantemente esgotado. Peele ousa em seu roteiro, desafiando o público com simbologias, metáforas e até uma metalinguagem muito elaborada. Um filme que não se dá por nada de fácil, só enganando aquele que chega despreparado. É um espetáculo que supera expectativas, que às vezes saem pela culatra. OJ herda após o falecimento do pai seus negócios, tendo que sozinho tocar o treino de cavalos para produções televisas e cinematográficas, enquanto a sua irmã se afastou desse trabalho. Quando retornam a fazenda, em determinado dia, OJ percebe um objetor voador não identificado abduzindo os cavalos da fazenda, do jeito mais clássico possível que os “bixinhos verdes” estabelecidos no imaginário popular tendem a fazer.

A sacada está no primeiro momento que entramos em contato com a imagem de um jogador de jóquei negro em um cavalo, tataravô da família Haywood, que foi apagado da história do cinema. O espetáculo que nunca alcançou destaque, foi subjugado tanto quanto todos os outros problemas estruturais históricos dos EUA e o racismo tão intrinsecamente forte em sua sociedade. OJ e Emerald quando veem a oportunidade de registrar o UFO, pensam na fama, na conquista, na virada de jogo que seu pai e seus antecedentes lutaram para superar, disposta diante de seus olhos. Não é uma tarefa fácil, ainda mais competindo em uma sociedade que vive de espetáculos o tempo inteiro! E aqui fica a palavra-chave: espetáculo. Uma das pistas que nós é entregue no decorrer do filme é a nave-criatura ser chamada de espectador, onde a própria câmera brinca muitas vezes no ponto de vista da mesma, além dela possuir o formato de um olho. Nós somos devoradores, nos tornamos o monstro momentaneamente, afinal, nós acompanhamos tantos assassinatos, monstros, apocalipses e destruições, ansiosos por temer e abduzir aquelas experiências no escuro do quarto, através da tela. Se não fosse nós, ali parados, escondidos entre as nuvens da realidade das personagens, não existia o desespero, as mortes, as abduções e muito menos o espetáculo que geramos, ansiosos por comprar nossos ingressos e ir ao cinema. Peele aproveita para ressaltar as omissões, valendo-se da fama para comentar sobre a mesma. O espetáculo tem suas consequências, absorve e destrói, a ponto de evoluir e ganhar asas, promovendo uma destruição massiva, que é projetada no clímax do filme, em seu embate final. As personagens vencem a criatura, em uma solução não tão complicada, afinal ansiamos por sangue, por violência, por brutalidade e é entregue um boneco inflável, de parque de diversões, quase lançando um desafio ao público: no fim, não vale só se alimentar do entretenimento? Deixar de lado um pouco a busca por um mundo de sombras, esqueceu-se a essência das histórias? Em uma indústria recheada de assassinos em série romantizados, filmes que se levam a sério demais ou brutalizam demasiadamente. No fim, resta a explosão, o registro e o sorriso da vitória sobre aqueles que aguardavam pela morte trágica do elenco inteiro.

A contradição, é que ao mesmo tempo, as camadas de diferentes simbologias, frases que saltam no decorrer do filme, não se conectam de maneira fluída. A um público mais tradicional, acontecerá estranheza e desafeto. Para um ávido por finais explicado, teorias e análises, é um prato cheio. Tudo é capitalizado no espetáculo, até o personagem de Steven Yeun, capitaliza seu trauma em prol de glorificar, vender e aproveitar da violência, que ele próprio presencia na infância no início de sua carreira como ator. Até onde vale, para gravar algo digno de aparecer na Oprah? Antlers (Michael Wincott) diretor de fotografia, diz ser impossível fazer a cena perfeita. Busca naquele lugar, registrando O Espectador, encontrar o quadro perfeito, digno de transcender outras produções. Se torna vítima da própria busca, vítima do nosso olhar, que quando o percebe, não restam além de gritos e digestão. O jornalista que surge na moto, outra vítima do espetáculo que Peele encontra, denunciando nós o tempo inteiro de promover essa história.

No fim, para se proteger, basta não olhar, basta evitar encarar com medo esse predador ávido por vítimas, que faz chover sangue e joga fora tudo aquilo que não é palatável ao seu olhar violento. O pior? No final, vale a pena demais olhar, entender o comentário, devorar, degustar e depois absorver o que nos foi nutrido, deixando-nos cheios e ávidos pelo que Jordan Peele pode vir a lançar no futuro…

Filme: Nope
Elenco: Daniel Kaluuya, Keke Palmer, Steven Yeun
Direção: Jordan Peele
Roteiro: Jordan Peele
Produção: Robert Graf, Jordan Peele
Ano: 2022
Gênero: Terror, Sci-fi, Suspense
Sinopse: Em Não! Não Olhe! uma cidade do interior da Califórnia começa a ter eventos bizarros e extraterrestres. Uma dupla de irmãos interpretado por Keke Palmer (True Jackson e Alice) e Daniel Kaluuya (Corra e Judas e o Messias Negro), possuem um rancho de cavalos e são vizinhos de um parque de diversões de uma série de televisão do personagem interpretado por Steven Yeun, inspirada no velho oeste. Os dois então são testemunhas de eventos bizarros e discos voadores.
Classificação: 14 anos
Distribuidor: Universal Pictures
Streaming: YouTube, Prime Video e Apple TV
Nota: 8.9

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