O Beco do Pesadelo é a mais recente adaptação do romance, de mesmo nome, escrito por William Lindsey Gresham no ano de 1946. No ano seguinte, em 1947, um primeiro filme foi feito e, este, aqui no Brasil, se chamou O Beco das Almas Perdidas. O filme foi lançado dois anos após o fim da 2º Guerra e foi estrelado pelo ator Tyrone Power, famoso por seus papéis de mocinho e herói, mas que, por um pedido do próprio ator, deu vida ao personagem traiçoeiro Stanton Carlisle, um trabalho, até então, inédito em sua carreira.
Guillermo del Toro, que não dirigia um filme desde o seu aclamado e premiado A Forma da Água (2017), volta com este noir contemporâneo, com direito a muita sombra, fumaça e até mesmo a figura de uma femme fatale, para refletir sobre a natureza do homem. Até aí nada de novo, já que sua filmografia tece um grande fio sobre este assunto. Muito embora o trabalho de del Toro esteja sempre dentro de um universo fantástico, em O Beco do Pesadelo há um retrato mais fiel da realidade, contudo o diretor ainda brinca dentro do filme com as percepções que os personagens tem do que é real ou não.
Essa nova adaptação, como o próprio diretor já disse algumas vezes, é mais livre e dá novos significados a certas situações e a alguns personagens, como são os casos das três personagens femininas do longa, Molly (Rooney Mara), Zeena (Toni Collette) e Drª Lilith Ritter (Cate Blanchett). Se no livro e na primeira adaptação de 1947 Molly possui um amor inquebrável pelo sedutor “Stan”, o diretor e sua co-roteirista, Kim Morgan, desenvolvem esta personagem de maneira tal, que a sua fragilidade inicial – corroborada pelo zelo excessivo exercido pelos personagens Bruno (Ron Perlman) e Major (Mark Povinelli) – dá lugar a uma força capaz de fazê-la seguir em frente sem ele.
Bradley Cooper é o responsável por encarnar este personagem – Stanton Carlisle – tão cheio de camadas. Algumas obscuras outras nem tanto. Na primeira cena do filme já fica claro que Stan é um personagem frio, determinado e muito intenso, como mostra cada labareda estalando dentro de uma casa em chamas. Em poucos minutos, o vemos seguindo sua vida em uma espécie de circo e não demora muito para criar laços, usando todo seu charme, principalmente, com Molly e Pete (David Strathairn). Pete acaba se transformando em uma figura paterna para Stan e, este, impressionado com um antigo número de Pete sobre adivinhações, pede para ser seu pupilo.
Stan não é o tipo de pessoa que se contenta em ser um coadjuvante, um aprendiz, alguém que fique atrás dos panos. Ele quer honras e glórias. E com toda sua vaidade não mede esforços para ser notado. É inegável a qualidade do ator em conduzir o personagem por meio de um charme especifico ao mesmo tempo que oscila entre a arrogância e a crueldade. Quem seria o verdadeiro Stan? Aquele que se declara para Molly ou o sujeito ganancioso que se transformou e se intensificou após conhecer a Drª Lilith? A resposta é ambos. O ser humano não é unidimensional. Del Toro sabe muito bem disso e, como já citei, sua filmografia é um verdadeiro estudo sobre o comportamento humano, sobretudo quanto a violência/crueldade inerente ao homem.
Stan se vê como um homem grandioso e a câmera, repetidamente, baixa e angulada para cima reforça essa imagem para o personagem. Alguém destemido que sabe exatamente onde quer chegar e que, se preciso for, passará por cima de muita gente. E nessa pirâmide social, a base pertence ao selvagem, uma atração daquela espécie de “Freak Show”, e no topo estão os números que fazem mais sucesso e que são realizados diante de um publico mais qualificado, sobretudo, financeiramente. Stan busca a todo momento esse reconhecimento pelos seus feitos, entretanto o tic tac do relógio parece dizer a ele que seu tempo é curto. Quanto mais rápido souber o que quer e quem ele é mais fácil será o caminho para essa aceitação.
Del Toro junto com sua equipe de design criam ambientes que refletem as personalidades dos personagens. Isso acontece com o escritório da Drª Lilith, vistoso, elegante e com quase tudo guardado a sete chaves e faz isso também com o modesto espaço destinado a Molly, quando esta ainda se encontrava com seu grupo itinerante, mas com Stan não há uma definição de um lugar que lhe pertença, na verdade seu local, na primeira parte do longa, é próximo à jaula do selvagem, uma demonstração clara da semelhança entre estes dois indivíduos.
Há uma cena em particular na qual del Toro, através de um longo diálogo entre os personagens Clem Hoatley (Willem Dafoe) e Stan, descreve o selvagem e suas ambições: alguém que perdeu tudo na guerra e que volta ao país cheio de traumas e viciado em bebida. Sem qualquer visão de futuro, almeja sempre mais um gole e é através desse vicio que Clem consegue, então, um ótimo candidato para ser o selvagem que precisa em seu show. Sua única função é comer uma galinha viva para que um público ensandecido possa gozar de suas posições naquela sociedade.
Dentro do esperado para um filme como esse, em que mostra a ambição, a ascensão e a queda, o talento do diretor se mostra, mesmo que não haja grandes reviravoltas, quando consegue causar no público uma espécie de contentamento com as técnicas que estão ali, claras, para o espectador notar, como na rima visual em que Stan, fugindo em um trem, está cercado de galinhas, remetendo ao selvagem, uma demonstração da real natureza do protagonista. Entretanto o filme, no pouco que se alonga a partir daí, repete, agora através do próprio Stan, que este sempre foi o seu “eu” verdadeiro. Isso só mostra que del Toro não ficou completamente satisfeito com a relação que tinha acabado de fazer e, por isso, partiu para um didatismo de forma a assegurar que seu público percebesse esse detalhe. O filme encerra então a trajetória com essa epifania – do personagem e não nossa – do autoconhecimento, do saber quem é e para onde quer ir.
O Beco do Pesadelo não possui a mesma força de filmes anteriores de Guillermo del Toro, mas tem em seu elenco um ponto muito positivo. Por conta da pandemia, o filme precisou ser suspenso e só voltou à produção meses depois, porém o trabalho de edição é muito bem feito. Um belo elenco, técnicas muito bem executadas pela direção e sua equipe, mas se trata de um filme que não abraçou a grandiosidade e a extravagância que tanto incutiu em seu protagonista.
Filme: Nightmare Alley (O Beco do Pesadelo) Elenco: Bradley Cooper, Rooney Mara, Cate Blanchett, Toni Collette, Willem Dafoe, Richard Jenkins, Ron Perlman, David Strathairn, Mark Povinelli, Holt McCallany Direção: Guillermo del Toro Roteiro: Guillermo del Toro e Kim Morgan Produção: Estados Unidos e México Ano: 2021 Gênero: Drama, Suspense Sinopse: Um ambicioso trabalhador de um parque de diversões itinerante (Bradley Cooper) com um talento para manipular as pessoas através das palavras se une a uma psiquiatra que é ainda mais perigosa que ele. Classificação: 16 anos Distribuidor: Walt Disney Studio Streaming: Não disponível Nota: 7,1Estréia dia 27/01/2021 nos cinemas. |