Não há autoridade mais forte, sedutora, opressora, manipuladora e conquistadora das massas do que o dinheiro. Um pedaço de papel, que altera toda a realidade, que permite os sonhos mais inacreditáveis e os pesadelos mais hediondos. O dinheiro é o Deus da contemporaneidade capitalista. Diluiu-se as autoridades da antiguidade, os ditadores, as revoluções. O dinheiro permitiu a escolha das autoridades, permitiu que os olhos dos consumidores brilhassem, sufocados com tanta luz, que escolhemos quais sombras irão nos acolher. Uma sociedade que vive um paraíso corporativo, com corredores executivos e suas formigas operantes, enquanto que nas ruas, o tráfico, roubo, assassinato, estupro e golpes reinam, tudo financiado pelos homens de colarinho que dizem progredir uma nação.
O Dinheiro, de Robert Bresson, opera sua história em uma realidade micro, pequena, de poucos núcleos que interagem vez lá ou cá. Os conecta de detalhe em detalhe, quase nos mostrando sempre o princípio da tragédia que aguarda cada um, ressalvando é claro os privilegiados, os que vivem em sua Torre de Babel, que resolvem tudo pela quantidade exorbitante de dinheiro. A narrativa, inspira-se claramente nos grandes clássicos da literatura russa, até com pontadas na eterna história de Os Miseráveis. Quando o filme expõe seus créditos iniciais: inspirado em uma história de Tolstói, que junto de Dostoievski, é um ícone literário mundial. Sociedade bruta, feita de contatos frios, de pouca humanidade e personagens que sofrem consequências daquilo que nunca se teve esperança de defesa, no entanto, se em Crime e Castigo há a redenção, um suspiro de humanidade, de perdão divino e espiritual, em O Dinheiro, não. Não há carinho. Não há amor. Os poucos que ainda a têm, sinto te dizer… Caminham para um destino desagradável.
O protagonista (Yvon), desde sua primeira aparição, possui a falsa sensação de escolha, de luta, de não deixar o orgulho de lado. Qual orgulho? Sua vontade, sua motivação, apesar que até mesmo seu núcleo familiar é movido pela necessidade de dinheiro, parece até mesmo que não existe amor sem a benção especial do bolso cheio. Até mesmo um falso profeta se ergue, um espécie de “antagonista” golpista, que após diversos sucessos em seus golpes, se vê como um Robin Hood, buscando compensar aqueles que fez sofrer pelas suas mentiras e falsos testemunhos, considerando à sua redenção através do pagamento em dinheiro, onde tudo é quitado, perdoado, mas esse Deus (dinheiro) operante da história, que desde seu primeiro segundo de longa-metragem, é o protagonista por trás das cortinas, é inclusive falso muitas vezes (o que provoca toda a ação/consequência da trama: a descoberta e troca de dinheiro falso) nunca é duradouro, não adianta quantos cofres, golpes, assaltos e latrocínios aconteçam. Ele flui, escapa dos dedos, foge entre as mãos e egos.
Essa trajetória do dinheiro se eleva as últimas consequências, movimentado por uma justiça que pouco liga para os julgamentos, uma indiferença brutal. Assiste-se Os Miseráveis serem encarcerados, terem as identidades roubadas e espíritos amassados, buscando soluções trágicas. Não há segunda chance, não há redenção, até mesmo quem tenta fugir é pego, oprimido, moído pelas paredes da prisão. O arco final da personagem (Yvon) é a máxima, com direito a perca do fôlego por acompanhar sua caminhada em busca do Dinheiro em consequências irreversíveis. Não irei expor, ficando ao seu papel leitor, sentar e ver a tragédia escrita, exposta, machucada e violentada no arco final.
Não sou o maior entusiasta do cinema francês, muitas vezes me distraindo da trama, apesar de todas as ideias excelentes que o filme propõe a debater. Os silêncios, as atuações às vezes monocromáticas podem desligar um público mais convencional. No fim, Robert Bresson quebrou minhas expectativas. Não esperava render tanto, absorver tanto, mesmo que em alguns momentos tenha me desligado, tendo que retornar alguns segundos do filme para a mente retornar seu foco, gerando uma auto-crítica que é o imediatismo, ansiando pela ação, por um ritmo mais feroz, no entanto, O Dinheiro fala muito sobre o quadro todo da nossa sociedade capitalista, sendo um meio alternativo de ver, também, a maneira de contar histórias diferente da tão acostumada pipoca hollywoodiana.
Filme: L’Argent (O Dinheiro) Elenco:Christian Patey, Sylvie Van den Elsen, Michel Briguet Direção: Robert Bresson Roteiro: Robert Bresson Produção: França Ano: 1983 Gênero: Crime, Drama Sinopse: Uma nota falsa de 500 francos circula pelas caixas, bolsos e mãos de várias pessoas até encontrar Yvon (Christian Patey), um jovem trabalhador. Por conta dela ele é demitido, acaba preso e tem a vida profundamente modificada. Classificação: 14 anos Distribuidor: Imovision Streaming: Reserva Imovision Nota: 8.0 |