O “melhor amigo gay” nas comédias românticas: O casamento do meu melhor amigo (1997) e Minha vida em Marte (2018)

O “melhor amigo gay” nas comédias românticas: O casamento do meu melhor amigo (1997) e Minha vida em Marte (2018)

 

“Todas as tragédias terminam em morte. Todas as comédias terminam em casamento” (Byron, 1958:109).

E se o casamento for com o seu melhor amigo? Separados por vinte e um anos, O casamento do meu melhor amigo e Minha vida em marte são duas comédias norteadas pelo romance -ou seria melhor dizer casamento?- com diversos pontos em comum. Neste trabalho de comparação, irei destacar dois pontos: o arquétipo do melhor amigo gay da protagonista e o relacionamento amoroso como representação da realização pessoal da mulher.

Contrariando totalmente o autor Jurandir Freire (1998), que alega que “nada traz o alento do amor-paixão correspondido”, Minha Vida Em Marte (2018) e O Casamento do Meu Melhor Amigo (1997) retratam protagonistas que terminam o filme sem um amado, porém com o alento mais do que suficiente de seu melhor amigo.

Obras audiovisuais da década de 1990 que circundam a Comédia Romântica como O Diário de Bridget Jones ou até mesmo a série Sex and The City têm como protagonistas mulheres na casa dos trinta anos que se encontram em uma voraz procura pelo par perfeito. Ter trinta anos e não ter formado uma família, para Bridget Jones, é motivo suficiente para se embriagar e adotar como hino a canção “All by myself”, de Céline Dion. Com estreia em 2019, Megarromântico é um dos filmes atuais que ironizam tanto essa dinâmica da busca eterna pelo marido aos 30 quanto o lugar do melhor amigo gay na narrativa. No entanto, vinte e dois anos antes, P. J. Hogan dirigia um filme que, em escala bem menor, já ironizava e subvertia os cânones. Com uma sequência inicial caricata composta por mulheres cantando e idolatrando o casamento, o diretor introduz O Casamento Do Meu Melhor Amigo com um contraste ao apresentar a protagonista: ela não faz questão de se casar.

O filme, que abriu portas para Megarromântico, infelizmente ainda chegou a usar, de alguma forma, o amigo gay como “muleta” da protagonista. Ainda que haja breve sequências de sua agitada vida pessoal, sua função principal é ser o melhor amigo de Jules. No entanto, este já não aparece mais como fashionista ou “afeminado” como o melhor amigo de Carrie Bradshaw em Sex And The City. Além disso, quem interpreta o personagem é um ator abertamente gay, o que já se configura como uma evolução para a época, visto que esse tipo de representatividade não era plenamente conquistado no início dos anos 2000, como pode ser observado nos papéis do amigo de Bridget em O Diário de Bridget Jones e do o chefe de Jenna em De repente 30.

Em O Casamento Do Meu Melhor Amigo, George (interpretado por Rupert Everett) fala, se veste e se comporta de modo não estereotipado, o que leva o espectador a descobrir sua sexualidade apenas quando Jules (Julia Roberts) a declara. No entanto, por mais que não haja estereotipização, há quem diga que o alívio cômico, o humor do personagem está presente nos momentos em que “engana” os outros personagens.

“Não está claro se George não deseja ou é incapaz de ocultar gestos lidos pelo espectador como gays. O que está claro é que o humor das cenas que se seguem depende do espectador apreciar a ironia dos personagens por não reconhecer que um homem charmoso com olho para uma bolsa é gay.” (Kyle Stevens, 2009)

Em contrapartida, uma interpretação que condiz com o tom do filme é de que a graça está na capacidade de George de enganar os outros personagens, mas não pelo motivo exposto. Nesta situação, ele é bem sucedido porque o personagem é constituído por uma personalidade carismática, irônica e debochada, e não porque seu jeito e sua aparência indiquem sua sexualidade. Afinal, não há nada mais irônico do que conquistar toda uma plateia fingindo ser o noivo de Jules, quando esta está sendo vista como uma ameaça para o relacionamento de Kimmy (Cameron Diaz) e Michael (Dermot Mulroney) . A cena em que George brinca com a bolsa e com o traje de uma madame não se configura como um deslize de sua inerente personalidade fashionista, e sim como uma paródia desse estereótipo já estabelecido por outros filmes.

É interessante fazer um paralelo deste personagem com Aníbal (Paulo Gustavo), um dos protagonistas de Minha Vida Em Marte, filme sequencial à Os Homens São De Marte E É Pra Lá Que Eu Vou (2014). Melhor amigo, conselheiro e sócio de Fernanda (Monica Martelli), Aníbal tem tempo de tela significantemente superior ao de George, e seus momentos de comicidade estão presentes no seu timing cômico e no modo como lida com a protagonista e as situações ao seu redor. A problemática de que “a presença de personagens gays negava, mesmo em mundos ficcionais, a possibilidade de casamento” (Kyle Stevens, 2009) não está presente na trajetória de Aníbal. Por mais que a grande questão do filme seja a separação de Fernanda e que ele esteja sempre presente para ajudá-la a lidar com essa mudança, a vida amorosa de Aníbal não é escondida; ele exerce ativamente seu direito de flertar e se relacionar com interesses amorosos ao longo de seu desenvolvimento.

Por mais que os dois filmes em questão tratem dos casamentos das respectivas protagonistas – um que nunca aconteceu e outro que acabou –, é como estas lidam com eles que é importante abordar. Julia Roberts interpreta uma versão de screwball dos anos 1990 que não se importava com casamento, até perceber que a possibilidade de se casar com sua única opção viável, seu antigo namorado, não era mais garantida. Ao se enxergar solteira, com vinte e oito anos e prestes a ser madrinha de casamento do homem que acreditava um dia se casar, se torna capaz de tudo para ter seu amado – ou a idealização dele – de volta. Em Minha Vida Em Marte, a questão da idade é mais presente na vida de Fernanda. Porém, vinte anos depois, o desespero por se encontrar solteira – e, no seu caso, divorciada – ocorre na meia-idade. É notável a diferença entre as décadas, as expectativas das mulheres e a sua representação no cinema.

E quem está presente para consolar as protagonistas e garantir seu happy end  mesmo sem casamento, é claro: George e Aníbal. Em escalas diferentes, com personalidades distintas, os dois constituem o par que cada personagem necessita, mesmo que não amoroso. George é “em qualquer aspecto, tirando o sexual, um parceiro ideal para Jules” (Robin Wood, 2003), assim como Aníbal e Fernanda fazem tudo juntos, – “A gente só não transa, né?” – , de acordo com a personagem em uma das últimas sequências do filme, na qual a amizade dos dois é exaltada.

No final das contas, os casamentos que finalizam as duas comédias não são românticos, e estão presentes na amizade. Então, se “o filme nos deixa perguntando qual homem agora é o seu melhor amigo, e esse casamento é de quem afinal?” (Robin Wood, 2003), a resposta de Jules seria quem a tira para dançar, e a de Fernanda seria seu maior parceiro na vida.

 

Esse artigo é dedicado a Paulo Gustavo e sua arte eterna.

 

Filmografia

O Casamento do Meu Melhor Amigo (1997)

Minha Vida Em Marte (2018)

O Diário de Bridget Jones (2001)

Sex And The City (1998-2004)

Megarromântico (2019)

De Repente 30 (2004)

Os Homens São De Marte E É Pra Lá Que Eu Vou (2014).

 

Referências

WOOD, Robin. Hollywood: From Vietnam to Reagan… an Beyond. Nova York: Columbia University Press, 2003

Tradução: Cauby Monteiro. 13/06/2020 em http://vestidosemcostura.blogspot.com/2020/06/sobre-e-em-torno-de-o-casamento-do-meu.html?m=0

COSTA, Jurandir Freire. Sem Fraude nem favor: Estudos sobre o amor. Rio de Janeiro: Rocco, 1998

ABBOTT, Stacey JERMYN, Deborah (Ed.) Falling in love again – Romantic Comedy in Contemporary Cinema. London and New York: I.B. Tauris, 2009

Byron, George Gordon (1958 [1819–24])  DonJuan, ed. Leslie A. Marchand, Boston: Houghton Mifflin Co.

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