O TELEFONE PRETO

O TELEFONE PRETO

O novo filme da Blumhouse, O Telefone Preto, é uma mistura de suspense com terror e tem como pano de fundo uma ambientação oitentista assim como IT e Stranger Things. Em uma Denver de 1978 crianças estão desaparecendo, entretanto diferentemente do que acontece em “Verão de ’84”, filme de 2018, essa onda de desaparecimento não surte qualquer efeito na cidade. Tudo continua caminhando perfeitamente bem até que crianças dentro do círculo de convívio do protagonista Finney (Mason Thames) passam a desaparecer também. Esse distanciamento inicial com um problema grave que aflige aquela comunidade me causa um certo estranhamento. É impossível não me pegar pensando em como pode estar tudo a correr perfeitamente bem se crianças estão sumindo. Esse flerte com o irreal prejudica um pouco a imersão no filme.

Mas fazendo um esforço para deixar essa questão de lado, nos primeiros minutos de filme já fica claro uma preocupação em desenvolver a trama junto com o amadurecimento dos irmãos, Finney e Gwen (Madeleine McGraw). Gwen é, inclusive, a responsável por apresentar o tom fantasioso, já que é através dela que toda a investigação sobre os desaparecidos se inicia. Seus sonhos são mais do que sonhos. Infelizmente esse é um elemento que se insere como fundamental para o filme, mas não ganha peso com o caminhar do longa. Na verdade, assim como seu pai, Terrence (Jeremy Davies), faz questão de boicotá-la a todo tempo e, às vezes, até usando da violência para isso, o filme escolhe não se aprofundar muito no dom e em como tudo se manifesta. Os apelos da jovem em frente a uma casinha de boneca não passam de momentos confusos e que não dão ao filme qualquer tipo de resposta.

Ainda no desenvolvimento dessa família disfuncional, é bastante difícil de entender qual a relação do pai para com seus filhos, mas a que questiono é aquela desenhada no roteiro e não a que foi exposta no filme. Pois a dúvida que se instaura ao longo da trama é de que modo foi pensado o início, meio e fim para estes três personagens e em como essa dinâmica familiar se moldaria. A relação entre os irmãos é cativante e soa verdadeira para quem está diante da tela, no entanto não é possível dizer o mesmo do personagem Terrence. Seu arco é falho e cheio de vazios. Um personagem, claramente, quebrado por situações pré-determinadas, as quais são expostas de forma acelerada e despreocupada e, com isso, o filme tem para este personagem especifico um grande desperdício de energia que reflete negativamente ao fim da obra.

Gwen, por sua vez, é o fio condutor entre o inicio e o fim do filme. Ela vagueia como uma coadjuvante, mas é extremamente necessária para tudo o que ocorre na trama. Mais uma vez repito que seu dom é pouco aproveitado aqui, entretanto em uma cena chave, muito bem conduzida pela câmera do diretor, unindo três momentos distintos em uma mesma linha narrativa sequencial e, isso tudo, sem perder a coesão e a coerência, traz consigo uma notável qualidade de tudo o que está sendo mostrado para o espectador. Fica claro o tratamento realizado com a forma do conteúdo e que existe, ali, uma evidente preocupação em como aquela história está sendo contada.

O suspense e o terror só aparecem depois que Finney é sequestrado e, enfim, o vilão é descoberto pelo público. Desse ponto em diante o filme deixa de se preocupar com o que acontece na cidade para nos prender juntamente com o garoto naquele quarto amplo e escuro com enormes paredes cinzas, um colchão no chão e um telefone preto na parede. É quando esse jogo, entre Finney e O Sequestrador, se inicia que passamos a experimentar os elementos do terror sendo colocado um a um pelo diretor. Primeiro com a composição do personagem vivido por um Ethan Hawke bem a vontade em um papel que lhe é estranho, segundo pelo uso das mascaras que aumentam o medo e causam outros sentimentos à medida que essa mascara se molda correspondendo, aparentemente, à mudança de humor do personagem de Hawke. Por ultimo a paranormalidade, dom que descobrimos que Finney, assim como sua irmã, Gwen, também tem.

Sem se preocupar em dar sustos através de exaustivos jumpscares, o diretor e roteirista, Scott Derrickson cria um método para que o medo seja alimentado pouco a pouco. Com o uso da exposição para chocar não só o protagonista como também o público, Derrickson mais uma vez acerta em como escolhe uma estética diferente para explorar o horror no filme. Mas O Telefone Preto, assim como os filmes que citei no início dessa crítica, tem um propósito bem desenhado para o personagem Finney e, para isso, pulará apressado por certas situações que, certamente, contribuíram para uma robustez do Sequestrador, mas recairia num processo de evolução repetitivo e poderia cobrar caro na questão do tempo da obra. No entanto o filme que possui um pouco mais de 90 minutos se mostrou curto demais, muito embora o essencial tenha sido passado.

O Telefone Preto cumpre de forma bastante satisfatória o que promete. O medo em torno do Sequestrador vai sendo alimentado pouco a pouco à medida que ele vai se mostrando a cada cena para Finney. O crescimento do protagonista é de forma muito clara e se dá, até mesmo, através dos vários desafios pelos quais passa na tentativa de sair daquele quarto. Gwen e sua perseverança em encontrar seu irmão nos emociona e é, talvez, o sentimento mais palpável em toda a trama. O terror e o suspense aparecem, mas não da forma como estamos habituados a ver e sim com um apuro técnico e uma acuidade visual que fornecem a quem está assistindo uma experiência diferente para um tipo de filme tão similar a outros já feitos. É por isso que O Telefone Preto se sobressai em meio a tanto filmes que não ousam e são apenas mais do mesmo.


Filme: The Black Phone (O Telefone Preto)
Elenco: Mason Thames, Madeleine McGraw, Ethan Hawke, Jeremy Davies, James Ransone, Miguel Cazarez Mora, E. Roger Mitchell, Troy Rudeseal
Direção: Scott Derrickson
Roteiro: Joe Hill, Scott Derrickson, C. Robert Cargill
Produção: Estados Unidos
Ano: 2021
Gênero: Terror, Suspense
Sinopse: Finney Shaw, um garoto de 13 anos, é sequestrado. o garoto acorda em um porão, onde há apenas uma cama e um telefone preto em uma das paredes. Quando o aparelho toca, o garoto consegue ouvir a voz das vítimas anteriores do assassino, e elas tentam evitar que o Finney sofra o mesmo destino.
Classificação: 16 anos
Distribuidor: Universal Pictures
Streaming: Indisponível
Nota: 7,6

*Estreia dia 21 de julho de 2022 nos cinemas*

Sobre o Autor

Share

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *