O longa-metragem de Marcelo Gomes traz a possibilidade do sonho. Inspirado numa história real, o filme fala da trajetória de Paloma, uma travesti que sonha em se casar com seu amado na Igreja. Diante de sua realidade, sendo uma pessoa marginalizada, exposta, sonhar talvez seja sua única forma de resistir e se manter motivada. Interpretada lindamente por Kika Sena, Paloma se entrega por inteiro às suas vontades. Ela está ali, nua e crua, em busca de seus desejos. Disposta a pagar o preço que for necessário para realizar tamanha contravenção desse sistema transfóbico e religioso.
Os perigos sempre a permeiam. Ao assistir, tudo parece tão sereno e delicado que há uma constante iminência de que algo de ruim vai acontecer a qualquer momento. É o que, infelizmente, estamos acostumados a ver. Entretanto, através de violências cotidianas, percebemos que nada está tão bem assim. Há possíveis perigos no trabalho, ao receber uma carona pela estrada e até em sua vizinhança. Paloma está sempre alerta.
O roteiro é realista. Escrito por Gustavo Campos, do excelente documentário Estou Me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar, e Armando Praça, de Greta, ele aponta que cada decisão tomada pela personagem-título significa abrir mão de alguma liberdade. Isso é feito a partir de um equilíbrio delicado entre a serenidade da protagonista enquanto está com sua família e amigos, o que só alimenta seu desejo desses momentos serem eternos, e duras doses de uma realidade dolorosa. Se por um lado ela e seu namorado vivem uma paixão digna de filmes de romance, ele não torna a relação entre os dois pública para seus familiares e colegas de trabalho. Se por um lado ela alimenta sua fé cristã, ela não se sente abraçada pela religião.
O longa funciona quase que como um diário da vida de Paloma. Nós acompanhamos bem proximamente seu dia a dia. Seja ao deixar sua filha para ir trabalhar, seja na volta do trabalho, em casa ou na cama com seu marido, no bar com suas amigas, ou até sozinha ao rezar antes de dormir. Sua expressividade é única e sustenta o filme, quase que como se conversasse com os espectadores.
Gosto muito da forma em que o casal protagonista é trabalhado. Zé nitidamente é louco por Paloma, mas é capaz de escondê-la ou deixá-la por medo da intimidação por parte da sociedade. Paloma é apaixonada por Zé e sua maior vontade é casar com ele, mas mesmo assim consegue ser infiel. São contradições que mostram o quão falho é o ser humano e que, mesmo tendo que se provar forte, como é o caso de travestis como a personagem, está sujeito a erros.
O filme nos poupa de ver cenas muito fortes. A gente sabe que elas acontecem e estão ali, mas não as vemos. Isso não impede o filme de mostrar que nem tudo é sonho. Muito pelo contrário. A intolerância funciona como o próprio preconceito mesmo: não é preciso ser visto para saber que existe e que machuca, mata. É como se estivesse à espreita, esperando o momento de agir.
No fim das contas, é um dia atrás do outro. O filme é sobre levar seus sonhos juntos com a dureza da vida. É ser otimista, mas saber que certas coisas são inevitáveis. Saber que, enquanto vivermos, podemos realizar – ou não – nossos sonhos, mas nem sempre eles serão como o esperado. Podemos deixar de sonhar e desenvolver novas vontades. No fim do dia, é você com você mesmo. Você com seus anseios, dúvidas e dores. Viver pode ser sufocante, mas, com um sorriso no rosto e uma nova possibilidade de sonho, tudo pode ser menos angustiante.
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Filme: PALOMA Elenco: Kika Sena, Ridson Reis, Zé Maria, Suzy Lopes, Ana Marinho, Samya de Lavor, Wescla Vasconcellos, Patrícia Dawson, Nash Laila, Márcio Flecher, Buda Lira, Anita de Souza Macedo Direção: Marcelo Gomes Roteiro: Marcelo Gomes, Armando Praça e Gustavo Campos Produção: Brasil Ano: 2022 Gênero: Drama Sinopse: Paloma é uma mulher trans que está decidida a realizar seu maior sonho: um casamento tradicional, na igreja, com o seu namorado Zé. Ela trabalha duro como agricultora numa plantação de mamão, e está economizando para pagar a festa. A recusa do padre em aceitar seu pedido obrigará Paloma a enfrentar a sociedade rural. Ela sofre violência, traição, preconceito e injustiça, mas nada abala sua fé. Classificação: 16 anos Distribuidor: Pandora Filmes Streaming: Não disponível Nota: 8,9 |
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