Falar mal de um filme brasileiro me parte o coração. Nos meus estudos sobre o nosso cinema sei o quanto é difícil fazer cinema aqui. Imagino quantas barreiras precisam ser enfrentadas para que um projeto saia do papel. Mas na posição que ocupo hoje não posso fechar os olhos, mesmo que esse fosse o meu desejo, para um filme que se mostra como um embaralhado de situações e que em momento algum possui uma sobriedade para desenvolver os temas que tenta abordar.
Foi um banho de água fria perceber que o a violência doméstica, em um misto de muita exposição e muita coisa deixada nas entrelinhas, indicada nas primeiras cenas, tenha sido colocada totalmente de escanteio para que a história permanecesse em um tom infantil. Ora, se este era o objetivo, havia outras tantas problemáticas que serviriam para que a personagem Alice (Luiza Quinteiro) saísse de casa junto a “um tio”.
O roteiro assinado por Roberta Takamatsu é extremamente confuso e possui um começo órfão de coesão. A protagonista Alice sente a falta de um desenvolvimento mais estruturado para sua personagem e, com isso, acaba oscilando muito nas suas nuances. Ora é mais tranquila, ora é mais arredia. Ora desconfia de tudo e todos, ora, mesmo em uma situação completamente desconfortável, transpassa uma tranquilidade em cena.
O longa demora muito para conseguir engrenar, ainda que isso não signifique que a partir daí o filme passe a entregar algo muito diferente do que entregou nos seus primeiros minutos. Porém os diálogos que aparentavam um engessamento já fluem melhor. E nesse tempo o longa começa a definir qual a linha a seguir – o que se mostra um dos maiores equívocos do filme – já que subverte de maneira infantil e forçada a expectativa quanto à trama e à determinados personagens.
O trio de amigos formados por Sofia (Sofia Cornwell), Orelha (Tiago Daniel) e Vico (João Guilherme Ota) até tentam fazer o humor do filme, uma mistura de leveza com um certo ar infantil – próprio para a idade dos atores e seus respectivos personagens –, mas dentro da proposta do filme, esse recurso, da forma como foi colocado na trama, acaba ficando sem importância. Primeiro por não acertarem o tom e segundo que o longa logo se apressa para definir seu estilo como um filme aventuresco, no qual estes três, junto com Alice, devem descobrir o que há por trás do parque Caligari.
O ar sobrenatural até se vende para o público, muito embora os elementos presentes no roteiro não ajudem muito para uma solidificação e sofisticação da ideia passada. Mas são os personagens, sobretudo o tio Heitor (Fernando Alves Pinto), que deixam muito a desejar no que diz respeito a dualidade que precisavam transmitir e ao significado dado a eles, os personagens, no final do filme.
O bom uso das cores não é o suficiente para alavancar o longa no que diz respeito às técnicas empregadas na obra. Muito embora o emprego das cores, como o tom azul que segue o personagem Heitor, que dá cor ao parque e entrega um pouco do personagem e daquele espaço, e a cor vermelha que, enfim, define de vez a experiência pela qual a personagem Alice está passando, o longa derrapa em muitas outras situações como os erros grotescos de continuidade e a falta de qualidade dos efeitos especiais prejudicando demais à imersão do espectador.
Passagem Secreta não se preocupou em entregar algo que pudesse ser apreciado pelas diversas faixas etárias. Esse certo desprezo acaba sendo um grande tiro no pé, uma vez que o filme não parece se adequar a nenhum público.
Filme: Passagem Secreta Elenco: Luiza Quinteiro, Sofia Cornwell, Arrigo Barnabé, Fernando Alves Pinto, João Guilherme Ota, Tiago Daniel, Sandra Parra, Nádia Quinteiro Direção: Rodrigo Grota Roteiro: Roberta Takamatsu Produção: Brasil Ano: 2021 Gênero: Aventura, Ficção Científica Sinopse: Alice é obrigada a se mudar sozinha para uma pequena cidade, onde encontra um novo grupo de amigos. Ao invadir um parque de diversões para resgatar um dos seus colegas, Alice descobre segredos sobre a sua identidade e precisa fazer escolhas. Classificação: Livre Distribuidor: A2 Filmes Streaming: Não disponível Nota: 3,5 *Estreia nos cinemas no dia 27 de janeiro de 2022* |