De acordo com um censo escolar feito em 2013 pelo Conselho Nacional de Justiça, havia, naquela época, em torno de 5,5 milhões de crianças brasileiras sem o nome do pai na certidão de nascimento. E só em 2020 mais de 80 mil crianças foram registradas da mesma forma, constando, apenas, o nome da mãe.
Infelizmente ainda fazemos valer o infame dito popular “Quem pariu Mateus que balance!”, ou seja, a mulher que se dane. E muito embora se discuta sobre o aborto feminino, ninguém nunca se levantou para questionar o “aborto” paterno. Em uma sociedade machista, misógina e patriarcal isso é tão natural quanto a luz do dia.
Recentemente escrevi sobre o filme Um Homem de Família (2016) que de família, o personagem Dane Jensen, interpretado por Gerard Butler, não tem nada. Um homem que reserva todo seu tempo e atenção ao trabalho, negligencia seus filhos e faz de sua mulher apenas um enfeite para fins sexuais. Mas de uma forma completamente torta o longa faz questão de mostrar um arco de redenção do personagem muito por conta do filho doente, o qual possui um amor inabalável por este pai que pouco fez/faz por ele.
Em Paternidade, novo filme da Netflix, a proposta é outra, entretanto na tentativa de alcançar o mesmo objetivo, o Pai desempenhando sua função de pai, o diretor Paul Weitz – que também assina o roteiro – e o roteirista Dana Stevens falham miseravelmente. Sob o disfarce de ser uma adaptação de um livro, escrito pelo verdadeiro Matt Logelin, que conta a história real de um pai que perdeu sua esposa horas depois do parto e se viu sozinho na tarefa de criar sua filha, o longa esbarra em uma estrutura que impossibilita a concepção de uma ideia nova, mas profundamente necessária, do que é ser Pai. Primeiro porque se utiliza de todos os clichês possíveis para um pai que se vê em apuro ao ter que criar sua filha sozinho. Segundo que reforça a ideia de que não há a possibilidade de um pai ser ativo na criação de seu filho na presença da mãe. E por último que, mesmo se tratando de um filme baseado em uma história real, a superficialidade desse laço que tentam construir entre pai e filha afugenta aqueles que gostariam de ver algo mais íntimo, mais próximo do real.
Muito embora este longa tenha conseguido figurar no top 10 da Netflix logo após sua estréia na plataforma, ficou claro, por conta da efemeridade desta posição, que o filme provocou muita fumaça, mas não oferecia nada de diferente que pudesse sustenta-lo e faze-lo ser um sucesso dentro do catalogo. A verdade é que ter conseguido ficar no top 10 da Netflix – mesmo que isso não seja, necessariamente, um bom termômetro – já foi uma vitória e tanto para um filme tão problemático que trata certos temas com tamanha irresponsabilidade e com total falta de empatia.
O diretor Paul Weitz parece ter ficado em dúvida sobre qual gênero abraçar mais. O longa é classificado como uma comédia dramática, entretanto, é visível um apreço pelo lado do humor, ainda mais quando o protagonista Matt Logelin é interpretado pelo comediante Kevin Hart.
Os primeiros cinco minutos são acachapantes com todas as informações que recebemos. O humor, ao contrário do que virá a se tornar durante o resto do filme, aparece na dose certa e contagiado pelas emoções quando se está na iminência de se tornar um pai. É emocionante, principalmente, para mim, o momento em que Pai e Mãe já estão no hospital à espera da hora do nascimento, e em Paternidade, ver a cena que dá título ao livro – obra original- me fez lembrar das horas, mais precisamente, das 14 horas em que esperamos (Rudíny e eu) por nossa filha, Luize. Entretanto o filme desiste desse caminho e passa a nos mostrar o presente – um velório acontecendo e, que pela ausência da esposa Liz (Deborah Ayorinde) em cena, já fica quase que explicito que foi ela quem perdeu a vida – com um humor já desmedido se alternando com o drama que acontece horas após o parto. Essa necessidade de mostrar as excentricidades dos amigos de Matt é desproposital, pois não servem como alivio cômico, apenas deixa tudo o menos verossímil possível, e nossa conexão com o filme que estava se estabelecendo nos primeiríssimos minutos, vai se desfazendo pouco a pouco.
Hart, o qual todos sabemos de sua habilidade na comédia, consegue aqui, por pouco tempo, pois é só isso que a direção lhe dá, entregar ao espectador toda a dor de uma perda. Talvez seja a cena mais emocionante de todo o filme e o ator subverte todo o entendimento que tínhamos de sua, improvável, versatilidade. Entretanto como citei anteriormente Weitz não se mostra tão equilibrado entre o humor e o drama, como já fora quando dirigiu o filme Um Grande Garoto (2002), protagonizado por Hugh Grant e Nicholas Hoult. Em Paternidade faltou o aguçamento de outrora para conseguir pendular entre esses dois gêneros sem que um prejudicasse o outro.
A piada com a completa incompetência de um homem em como cuidar de um filho – se é que chega a funcionar – se perde de forma muita rápida tamanha a falta de inventividade do roteiro em refazer todas as situações (troca de fralda, noites sem dormir, choro incessante) – tidas como cômicas –, mas já contadas em diversos outros filmes que abordaram em algum momento algo relacionado a isso.
Contudo o filme acerta quando explora a imaturidade de Matt dialogando com a falta de credibilidade que ele tem, para a função de Pai, principalmente, com sua sogra, Marion (Alfre Woodard). A inversão destas duas características acontece ao longo do filme e, assim, um dos objetivos é alcançado. O problema está no pouco que é feito e mostrado para que pudéssemos comprar esse crescimento do personagem Matt. Paternidade repete o erro de achar que o pouco que um pai faz já é o bastante para colocá-lo como o pai do ano.
Uma das personagens mais bem trabalhadas aqui é a Marion (Woodard). Ela é quem desempenha o papel mais crível deste longa. Uma mãe que perdeu sua filha, e que vê em sua neta uma forma de continuar com ela por perto. O luto pelo qual passa é sentido e conseguimos ver esse sentimento sendo modificado sendo a sua neta a grande responsável por preencher, em partes, essa lacuna.
Os demais personagens servem apenas como muleta para tentar trazer comicidade ao drama, como é o caso dos amigos excêntricos de Matt, Jordan (Lil Rel Howery) e Oscar (Anthony Carrigan). No caso da personagem Swan (DeWanda Wise) o problema é um pouco mais grave, já que sua presença no longa reforça justamente que um pai não consegue criar uma filha sozinho. Reforça a ideia de que pai de menina não consegue lidar com certos assuntos que são ditos como específicos do sexo feminino.
Paternidade perdeu uma oportunidade de nos trazer a imagem de um pai ativo na criação e educação de sua filha. Ao invés disso apostou no senso comum e todas as fichas foram jogadas em cima do humor “inerente” a esta condição inesperada na vida de um pai de primeira viagem e que perdeu a esposa logo após o parto.
Eu como pai não me vi representado, nem de longe, por este filme. Uma pena!
Filme: Fatherhood (Paternidade Elenco: Kevin Hart, Alfre Woodard, Deborah Ayorinde, Melody Hurd, Lil Rel Howery, Dewanda Wise, Anthony Carrigan, Paul Reiser, Frankie Faison, Thedra Porter Direção: Paul Weitz Roteiro: Dana Stevens, Paul Weitz, Matt Logelin Produção: Estados Unidos Ano: Estados Unidos Gênero: Drama, Comédia Classificação: 12 anos Streaming: Netflix Nota: 4,9 |
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