Parte da cobertura oficial da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
A vida como ela é
Em um pequeno vilarejo no interior da Índia, Pedro mora com sua mãe, sua cunhada e seu sobrinho. Seu irmão foi expulso de casa por um excesso de agressividade e bebida. Ambos acabam trabalhando para a mesma pessoa, um dono de terras de uma casta superior. Um dia, após beber demais com seu amigo, Pedro decide caçar o javali que matou seu cachorro. A partir dos acontecimentos dessa noite, a vida de Pedro se desintegra e ele é cada vez mais ostracizado por todos à sua volta.
Pedro é um homem com uma vida simples, sem um trabalho fixo, que segue com seus dias fazendo seus bicos e cuidando de sua família como pode. O filme, dirigido e escrito por Natesh Hegde, não passa julgamentos sobre a vida de Pedro. É um recorte naturalista de uma série de acontecimentos em um canto longínquo do mundo. É uma situação que parece uma sucessão de erros que parece realista.
Minimalismo
Hegde e seu diretor de fotografia, Vikas Urs, se apoiaram no uso da luz natural e na paisagem florestal da região, o que trouxe imagens muito interessantes. Para complementar o naturalismo, utilizaram, em sua maioria, não-atores. Pedro, inclusive, é interpretado por Gopal Hegde, pai de Natesh.
Esse minimalismo também se reflete no roteiro enxuto. São poucos os diálogos, e o filme é levado pela poesia bruta de suas imagens. No entanto, o ritmo do filme acaba sofrendo um pouco na mão de todo esse minimalismo, ficando enxuto até demais, às vezes um pouco desconexo.
Mesmo com isso, o filme cumpre seu objetivo de retratar um momento único e inesperado na vida de um homem comum. Pedro não tinha grandes ambições ou aspirações, estava satisfeito com seus bicos, com passar tempo bebendo com seu melhor amigo, e o filme em nenhum momento diminui seu personagem principal por isso, o que é muito valioso. É comum que filmes sintam a necessidade de levar seus personagens para o mesmo significado de sucesso e satisfação, por vezes baseados no “sonho americano”.
O que sempre me interessa em assistir filmes fora do mundo anglo-saxão é justamente que o que esses conceitos podem significar são muito diferentes. Acho importantíssimo nos expormos, quando possível, a outros olhares de culturas diferentes da nossa ou das mais próximas à nossa. Podemos assim, talvez, absorver outras visões de mundo.
Contexto importante
A Índia ainda hoje é afetada pela herança do sistema de castas. Apesar de algumas ações afirmativas, essa divisão na sociedade continua bem presente, e existe pouca interação entre as castas. Em certo momento do filme, fica claro que Pedro é visto como “menos” por ser de uma casta diferente aos mais poderosos do vilarejo. Essa percepção pode ter sido grande parte da reação do vilarejo às ações de Pedro. Até hoje, pessoas das castas consideradas mais baixas sofrem com uma violência exagerada. E fica a questão, se Pedro não fosse visto como inferior, sua vida teria tomado o rumo que tomou? É um debate relevante também no Brasil, com o racismo estrutural existente no país, e Pedro poderia facilmente se passar aqui.
Neste próximo parágrafo, vou discutir um pequeno spoiler sobre o filme. Caso não queira saber qual foi o evento que foi o gatilho para o filme, volte para este parágrafo depois de assistir! O que desencadeia os eventos na vida de Pedro é que ele mata uma vaca ao tentar matar o javali enquanto bêbado. Isso se torna um grande problema para ele pois as vacas são sagradas dentro do hinduísmo. Alguns estados indianos têm até leis que proíbem o abate de bois e vacas, e a Índia é um dos países com o menor consumo de carne do mundo. Dentro desse contexto, fica claro o porquê do ostracismo e perseguição sofridos por Pedro. Não só ele era de uma casta considerada inferior, ele ainda matou um animal sagrado. O filme, no entanto, também aqui não passa julgamentos.
O filme vale a pena por ser algo tão distante, e ao mesmo tão próximo, da nossa vida no Brasil. Não seria o filme número 1 na minha lista da Mostra Internacional de Cinema, mas achei que trouxe algumas discussões importantes sem julgamentos forçados ou dogmatismos, e isso sempre é muito valioso.
“Pedro” é o longa-metragem de estreia de Natesh Hegde. Estará disponível na plataforma Spcine Play de 20 de outubro (quinta-feira) até 2 de novembro (ou até alcançar o limite de 800 visualizações). Também será exibido no cinema dia 22/10, às 16h (Espaço Itaú de Cinema – Augusta Anexo 04), no dia 28/10, às 19h30 (no Cine Marquise, Sala 02), e dia 01/11, às 18h (SPCine Lima Barreto – CCSP). Cheque o aplicativo ou site da Mostra para confirmar os horários, estão sempre sujeitos à alteração.
“Pedro” participou da seleção do Festival Internacional de Busan, do Festival IndieLisboa, e ganhou prêmios no Nantes Three Continents Festival e no Pingyao International Film Festival.
Filme assistido na cabine de imprensa da Mostra.
A 46a Mostra Internacional de Cinema ocorrerá em São Paulo entre os dias 20 de outubro e 02 de novembro de 2022. Para mais informações, acesse o site oficial: https://46.mostra.org/
Filme: Pedro Elenco: Gopal Hegde, Ramakrishna Bhat Dundi, Raj B Shetty, Medini Kelamane, Nagaraj Hegde Direção: Natesh Hegde Roteiro: Natesh Hegde Produção: Índia Ano: 2021 Gênero: Drama Sinopse: Em um vilarejo remoto do sul da Índia, Pedro, um homem rejeitado e embriagado, acidentalmente mata uma vaca. O caso desperta uma série de eventos que o colocam contra toda a comunidade.(Sinopse oficial). Classificação: 14 anos Distribuidor: Mostra Internacional de Cinema de São Paulo Streaming: Indisponível Nota: 7,0 |