THE BOYS (SEASON 3)

THE BOYS (SEASON 3)

E cá estamos nós, chegando nos recentes dias da jornada dos nossos diabólicos heróis, comemorando já a confirmação da continuação da série. Nessa temporada há uma extrapolação do que entendíamos como limite, mostrando que a produção não perdeu a mão na sua proposta ultra-violenta, corrigindo no caminho alguns elos fracos do roteiro das temporadas anteriores.

Essa temporada, em seu episódio de abertura, estabelece muito bem os panoramas após um salto no tempo da narrativa. Já inicia com uma mudança de papéis: Hughie em um papel de comando e Butcher submisso as suas ordens –  buscando evitar ao máximo sua tendência violenta – trabalhando ambos, com o restante da equipe – com exceção a Leitinho – por meios legais de regulamentar o abuso de poder dos Super, ou o seu uso irresponsável. No decorrer da história, esses altos e baixos, envolvendo todo nosso elenco do grupo de “Os Caras” serão subvertidas, alteradas, com diferentes conflitos que conseguem te manter preso em entender mais a fundo suas personalidades. Aqui é onde o roteiro brilha, tapando aquele buraco tão mencionado nas duas últimas críticas. Finalmente, se abrem os lados íntimos de Butcher, Francês e Leitinho. Deixemos o primeiro de lado – que necessitará de mais atenção ao excelente trabalho de texto – e foquemos nos outros dois respectivos.

Francês e Leitinho, apesar de bem estabelecidas suas personalidades, eram personagens preenchidas com um vazio – que era seu passado, motivações e intenções – que o transformavam em um elo fraco – que parece mais focar em determinados alívios cômicos do que de fato explorá-los. Bom, aqui é colocado o ponto final. Os conflitos existenciais em torno do Francês, que agora expõe uma ferida do seu passado e seus erros, intensificavam quem ele era antes de ser um membro do grupo. Sua passividade, sua busca eterna por uma figura de autoridade que o comanda – e a emancipação de sua personalidade através desse conflito – o transformam em uma bela pintura dicotômica. Graças ao suporte de Kimiko, que o auxilia nos mesmos conflitos existenciais que a mesma passou, entendendo a eterna falta de escolha que o foi imposta – dados aos relatos pesados e problemáticos na sua relação com seu pai que o abusou e violentou de diferentes maneiras. Leitinho expõe seus traumas passados e, o porquê do seu conflito com os Super, traçando e continuando as problemáticas raciais que perpassam pelo texto, tecendo críticas a estrutural violência étnico-racial estadunidense. Seus conflitos com uma ferida que não se fechou, mesmo estando com a família e a possibilidade de cuidar da filha, porém cede aos instintos, a vontade de vingança e sobrepujar aqueles que mataram seu pai. É interessante, notar que ambos os personagens – juntos de Kimiko e Starlight – serão o elo que resistirá a cair no ciclo violento dos Super – as vezes fraquejando – para evitar que se tornem iguais aqueles que eles tanto perseguem. A troca de papéis é uma sagacidade do roteiro que brilha aos olhos, por sempre provocar essa mudança – afinal, antes Hughie incorporava esse ideal, até sua decepção com o sistema e decair na ideia de que para promover o mínimo de justiça, precisamos equilibrar a balança de poder e, recorrer aos mesmos recursos violentos que os Super tanto usam e abusam.

E o Butcher? Um dos maiores destaques da temporada. É aprofundado seu passado – também sendo o elo que estabelece a temática central da temporada, tão focada nas figuras paternas, essas relações familiares capacitadas a criar eternos traumas e dar continuidade dos seus problemas pessoais nas próximas gerações, mas já retomo esse novo tempero estabelecido aqui – com seu irmão, que também sofre da mesma ideia que seu pai, devoto na crença de formar um “real” homem, que encarcere todas as ideias mais violentas associadas a masculinidade. Em determinado episódio, que acessamos suas memórias, é dolorido e impressionante a força com a qual o ator carrega sua interpretação, demonstrando tamanha camada de emoções, que a boca cai lá em baixo. É uma porrada nas estruturas, nas heranças, na falta de escolha e referências que continuam sintomaticamente a manifestar os traumas internos. Butcher se torna riquíssimo pela temporada inteira, cheio de nuances e pequenas tomadas de escolha, que deixam claro uma ambiguidade difícil – seu lado diabólico, violento, extremo e seu reconhecimento dessas manifestações, buscando resistir a esse lado obscuro que o consome – sua relação com Hughie nessa temporada é intensificado – graças aos paralelos da personalidade de Hughie com seu irmão mais novo, gerando momentos delicados e surpreendentes. Uma ideia cíclica, de que Hughie caminha pelas mesmas maneiras que seu irmãos novo, acontecendo o famoso paradoxo: repetir os mesmos erros de antes, ou cortar o mal antes que acabe o contaminando pela sua personalidade?

E do lado dos Super? Vamos aos secundários primeiramente, para depois dar enfoque as figuras pesadas. Trem-Bala tem um arco bem pesado – afinal, seu foco é o racismo estrutural e a violência história que os EUA carregam. Buscar lutar pela sua identidade é interessante, afinal gera encontros e desencontros sucessivos, com péssimas decisões do personagem, que acarretam em consequências – para apaziguar, no mínimo desastrosas – o que gera um desconforto tremendo, uma confusão maior ainda e um constrangimento colossal. Black Noir recebe sua devida atenção, apesar do pouco tempo que passamos com sua figura sendo o foco – mas ainda assim nos rende um excelente quadro da sua mente esquizofrênica, com uma saudação ao próprio Space Jam – que por mais rápido que seja, mostra uma mente infantil, traumatizada, sem referências familiares, com a violência sendo uma constante de seu passado. Profundo segue com as cenas mais bizarras – que envolvem sexo e animais – promovendo diversos momentos desconfortáveis ao redor de tentáculos e polvos. Nunca houve tanta dedicação nos efeitos especiais em deixar um polvo digital com tamanha humanidade…

Há uma nova figura no elenco, que é uma adição que promove todo o conflito dessa temporada. Soldier Boy (Jensen Ackles) – uma paródia do Capitão América – é uma figura recheada de contradições – como todos os outros Super – que é o pilar central dos conflitos dessa temporada, sendo a solução e maldição da temporada. A personificação perfeita da figura masculina da década de 40/50 americana, incorporando todos os valores que a sociedade possuía. O ator inclui-se com tamanha naturalidade, que parecia já fazer parte do elenco de momentos anteriores e, claro não ficou fora de toda bizarrice, loucura e “doidera” que The Boys coloca como sua marca. Grande parte dos melhores momentos da temporada, seu personagem está incluindo – muitas vezes gerando aquela risada bem errada, que sai espontaneamente – e um, mérito a dublagem em determinada cena, que optou por um “panela velha é que faz comida boa” que gerou uns bons minutos de risada.

Homelander dá uma aula sobre atuação, promovendo uma quebra da bolha que já assistia a série, tornando-se um dos grandes destaques de 2022 da cultura pop. É merecidíssimo todos os elogios – mostra um leque de expressões que nos deixam de boca aberta, quase instintivamente batendo palmas. Os conflitos da personagem ganham uma escala absurda, dadas as novas responsabilidades que ganhou – está presidindo a Vought, o que se mostra muito mais complexo e burocrático. Sua solidão se expande, com isso sua personalidade realça ainda mais as estruturas traumáticas que carrega. Mesmo com todos os traumas e exposições que recebe, deixando em panos abertos o grande psicopata que é, seus seguidores – o paralelo mais declaradamente trompista – não deixam de dar razão, negacionistas e fiéis ao seu querido herói que os mantém protegidos de toda a escória que corrompe o cidadão de bem norte-americano.

A questão da paternidade é a temática central por trás da série. Surge na maioria dos que são o foco da temporada. Leitinho é uma figura que não consegue esquecer o trauma da perca do pai – manifestação do racismo estrutural e declarado daquela sociedade – e não exerce a figura exemplar para a filha. A mesma, passa por uma lavagem cerebral, pois o padrasto é um fiel seguidor de Homelander – o clássico negacionista bolsonarista, na nossa versão tupiniquim. Francês abusado desde pequeno, só se associa a figuras que o mantém violentado da mesma maneira que o pai em sua infância. Homelander carece de qualquer figura familiar – e quando descobre que é seu pai, outra violência é acometida a sua personalidade já fragmentada e destruída. Butcher é tudo o que é também pela sua criação. É interessante entender o quando essa referência familiar – mãe, pai, avós e etc. – de criação, ausente ou presente, pode gerar estruturas traumáticas carregadas pela vida, muitas vezes gerando um ciclo que é implantado na geração seguinte. O diálogo de quebrar a barreira – não tornar a si aquilo que você persegue – é bem pensado, apesar de não haver respostas muito otimistas, planta sementes de quem nem tudo é corrompido, diabólico ou violento. A delicadeza dessa sobreposição de temática permite a seguinte conclusão: apesar de toda caricatura, exagero, desgraça e violência que giram em torno da proposta da série, não é totalmente gratuito – ser polêmico e fim – sabem do que se é falado, e se mantém pelo texto como um todo.

A série também salta em sua produção, pela primeira vez arriscando lutas elaboradas entre o seu elenco, e acerta com demasia! Há momentos de real engajamento na ação, com efeitos especiais bem feitos para imergir na insanidade que é essa realidade do seriado. O destaque negativo dessa vez, mantém-se em um elo fraco que é Starlight, personagem muito mal aproveitada em seus poderes – quase uma contradição, com sua personalidade e características tão bem estabelecidas. No seu momento de apogeu, quando se pensa que haverá a hora que calará seus críticos, não adianta nada e não gera consequência alguma no conflito final, restando os elogios a insanidade entre Maeve e Homelander. A conclusão tropeça bem, apesar das últimas cenas serem no mínimo perturbadoras entre pai e filho. Agora, de maneira diabólica, é aguardar todas as próximas insanidades e loucuras das próximas temporadas…

Série: The Boys (Season 3)
Elenco: Karl Urban; Antony Starr; Erin Moriarty; Jack Quaid
Desenvolvedor: Eric Kripke
Roteiro: Eric Kripke
Produção: Hartley Gorenstein
Ano: 2022
Gênero: Ficção Científica; Comédia; Drama; Ação
Sinopse: THE BOYS é uma visão irreverente do que acontece quando super-heróis, que são tão populares quanto celebridades, tão influentes quanto políticos e tão reverenciados como deuses, abusam de seus superpoderes ao invés de usá-los para o bem. É o sem poder contra o superpoder, quando os rapazes embarcam em uma jornada heroica para expor a verdade sobre “Os Sete” com o apoio da Vought.
Classificação: 18
Distribuidor: Prime Video
Streaming: Prime Video
Nota: 9.3

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