THE LAST OF US – EPISÓDIO 03

THE LAST OF US – EPISÓDIO 03

The Last Of Us tem conquistado, semana após semana, cada vez mais a audiência, que aguardava uma adaptação a altura da qualidade do produto da Naughty Dog. O sucesso foi tamanho que a série estreia o seu terceiro episódio – focado no romance de Bill e Frank – já renovada para uma segunda temporada.

Seguindo a risca a narrativa do jogo, o novo capítulo prometia adaptar uma das partes mais divertidas e marcantes da história: o encontro de Joel e Ellie com Bill, na esperança de conseguirem um carro e uma bateria para levar a garota até Tommy. No game, esse é um ponto de virada para os personagens, pois acontece um pouco de tudo. A dupla tem seus conflitos ao mesmo tempo que criam laços a partir de papos ocasionais na medida que o cenário é explorado. A jogabilidade também muda ao quebrar a linearidade e possibilitar ao jogador entrar em lojas e casas com o intuito encontrar itens, colecionáveis e documentos. Aqui ainda há o encontro com uma outra espécie nova de infectado – o Baiacu – e uma luta de Joel contra os infectados de ponta-cabeça.

Ou seja, muita ação frenética, interações divertidas e arcos em movimento. Um prato cheio para qualquer showrunner adaptar, pois está tudo ali só no aguardo do copia e cola. No entanto, Neil DruckmannCraig Mazin (Chernobyl) e Peter Hoar subvertem completamente as expectativas e entregam algo ousado e totalmente diferente.

*texto contém revelações e spoilers do jogo e dos episódios lançados de The Last Of Us*

Bill e Frank

Bill e Frank

O terceiro episódio de The Last Of Us – intitulado de Por Muito, Muito Tempo – se inicia com Joel (Pedro Pascal) e Ellie em direção a Lincoln. De início, observamos exatamente o que foi mostrado no jogo, com a personagem da Bella Ramsey interagindo com um fliperama, o clima ainda conturbado entre os dois após a morte da Tess (Anna Torv) e a confirmação inédita da “teoria da farinha”. Contudo, essa introdução é só o que vemos de ambos, pois a história logo descentraliza deles e direciona o olhar para Bill vivido por Nick Offerman , com o intuito de explorar a sua relação com Frank (Murray Bartlett de The White Lotus).

4 anos após o apocalipse ter devastado a Terra, Bill segue sobrevivendo isolado do mundo e morando na sua casa na pacata cidade de Lincoln. Longe de qualquer resquício de infectados e pessoas, até que Frank cai numa das várias armadilhas que o personagem espalha pelo perímetro. O encontro dos dois está longe de ser amistoso, mas é bastante funcional em nos mostrar quem eles são. Bill é este homem recluso, solitário, neurótico e paranóico, que sempre viveu sozinho desde antes de toda sociedade como conhecemos ruir. O próprio descreve em determinado da trama que “o apocalipse foi a melhor coisa que aconteceu para ele”. Frank, por outro lado, é um homem bem-humorado, charmoso, carismático e extrovertido. Em suma, dois opostos que, como todo mundo sabe, se atraem.

Frank com todo o seu charme convence Bill a servir um almoço e o que sabemos a partir disso é história. Ainda que óbvio o desenrolar para quem jogou The Last Of Us, é necessário ser falado a respeito de toda construção que leva ao primeiro beijo dos dois, após Nick Offerman cantar Long Long Time da Linda Ronstadt. Um momento significativo para os roteiristas reafirmarem o poder da música em conectar indivíduos, assim como da importância dela no universo de The Last Of Us; mostrada no material original com o interesse da Ellie em aprender a tocar violão e no Joel em ensiná-la. E na série com os códigos musicais usados por Tess e Frank para se comunicarem. A música tem esse apreço emocional, pois resgata aquilo que não existe mais e o que já foi.

Um Brokeback Mountain num mundo em chamas

No jogo, a partir dos bilhetes que encontramos, observamos que a relação dos dois era bem conturbada a respeito da personalidade difícil e paranóica de Bill. Já na segunda passagem de tempo, agora com os dois juntos, vemos os primeiros conflitos surgirem por decorrência do seu jeito de ser, ainda que não se estende até as últimas consequências como nos consoles. A discussão surge quando Frank conversa com Tess pelo rádio e convida os dois para um almoço, no intuito de fecharem uma parceria. Uma passagem importante para posicionar as peças e mostrar como os núcleos se conectam.

Porém, o roteiro está muito mais interessado em aprofundar o que acontece dentro do cerco de Lincoln do que em tecer paralelos com a trama principal de The Last Of Us.

O interessante é nas referências que os realizadores encontraram para dar o tom da narrativa. O Retrato de uma Jovem em Chamas serve na forma que todo relacionamento é construído, apostando nas atuações e numa fotografia poética, que destaca os momentos de mais pura ternura e amor. Ainda que o longa maravilhoso de Céline Sciamma tenha as suas contribuições criativas, é em O Segredo de Brokeback Mountain que Por Muito, Muito Tempo claramente se inspira.

O filme de Ang Lee não foi o primeiro filme com narrativa LGBT, claro. Mas certamente é um dos mais populares da história do cinema, pela maneira em que desconstrói estereótipos do ideal masculino a partir do faroeste. Na série, o próprio Bill passa por essa rápida desconstrução, pelo fato do seu personagem estar ligado a movimentos de extrema-direita – indicado pela bandeira de Gadsden no bunker. O que denota uma certa resistência em se assumir como ele é.

A história do filme, no entanto, é uma tragédia do começo ao fim, pois tanto Ennis Del Mar e Jack Twist não puderam assumir e vivenciar o seu amor. Ao contrário de Bill e Frank que, no meio do apocalipse, viveram, nas palavras deles, “os momentos mais felizes da vida” um ao lado do outro; longe da repressão e do preconceito. É como se Druckmann e Mazin propusessem com Por Muito, Muito Tempo uma revisão de Brokeback Mountain e do próprio jogo (onde, de fato, eles não tem um final feliz), em prol de se desvencilhar do clichê de romances LGBTs com finais trágicos.

Quer dizer que a história de Bill e Frank tem um final feliz? Não, é triste, mas está longe de ser trágico. Bill até reforça isso num dos últimos diálogos que tem juntos:

“Não é o trágico suicídio no fim da peça. Estou velho. Já vivi demais. Você era meu propósito”

Eles tiveram um privilégio que poucos conseguiram no universo de The Last Of Us e entendem isso, o que fica claro na carta deixada a Joel. É lindo, portanto, a mensagem de esperança, que tanto guia toda a jornada de The Last Of Us,  passada a partir dessa relação: dois completo opostos que se apaixonam incondicionalmente em meio ao apocalipse.

Para reafirmar esse tom revisionista, os segundos finais do episódio são precisos em passar essa mensagem, por terminar com o take da janela muito a similar ao de Brokeback Mountain. A diferença, todavia, está no sentimento. Enquanto o longa de Lee traz um gosto amargo, o de Por Muito, Muito Tempo tem suas notas ácidas, mas é majoritariamente doce – tal qual o gosto do morango que os dois saboreiam em uma das cenas mais bonitas do episódio.

O arco de Bill e Frank no videogame

Bill e Frank

De antemão, fica claro as mudanças no arco de Bill. No game, o personagem está vivo quando Ellie e Joel o encontram.

Ele é convencido a ajudá-los na missão de encontrar ferramentas para consertar e fazer um carro funcionar. Bill sai da sua casa, onde mora sozinho após ter discutido com Frank a respeito de sair ou não de Lincoln, e cruza a cidade lutando, ao lado de Joel e Ellie, contra hordas de infectados, um Baiacu no ginásio do colégio e atravessam a cidade inteira atrás de uma bateria. Nessa aventura ele se depara com o seu antigo parceiro morto com uma corda enrolada no pescoço numa casa do outro lado da cidade. Ou seja, tudo que sabemos de Frank está limitado aos documentos e descrições feitas por Bill quando fala sobre seu antigo “parceiro”.

Assim que ajuda a dupla a seguir o caminho, ele volta triste para sua casa, após ler um bilhete grosseiro deixado por Frank. Encerrando, assim, sua participação na franquia, tendo em vista que não se ouve mais falar de seu nome e não não sabemos o seu desfecho (inclusive na parte 2).

Veredito

Bill e Frank

Tanto o episódio 1 quanto 2 tem algumas pequenas mudanças em relação ao original. Até então o mais significativo havia sido a morte da Tess, que conta com um beijo bizarro e chocante, que funciona como uma imagem poderosa e poética no contexto da série. Mas nada que mudasse o ciclo da história ou o arco dos personagens como aconteceu com o terceiro.

É polêmico, pois, ao bater o martelo a respeito do destino de Bill na série – que é canônica, vale ressaltar –, tira qualquer chance dele reaparecer nos novos jogos da franquia e, consequentemente, no futuro de The Last Of Us. Uma pena, pois Nick Offerman estava perfeito na pele do personagem (da caracterização as nuances) e por imaginar como seria a dinâmica dele com a Bella Ramsey, até então impecável como Ellie. A falta de toda a ação e interação entre núcleos é sentida, evidentemente, mas é impossível reclamar da adaptação, que captou a essência daquele capítulo e trazendo-o para a TV com a linguagem correta.

Guiado por um texto excepcional de Neil Druckmann e Craig Mazin, as fases do romance de Bill e Frank no apocalipse são muito bem exploradas, criando momentos de conexão instantânea entre os personagens e a audiência. A direção de Hoar e a fotografia eternalizam esses momentos através da imagem e metáforas sutis espalhadas durante o episódio, a exemplo dos morangos consumados como fruto fértil do amor entre os dois. São diversos detalhes pequenos que se engrandecem junto da narrativa quando paramos para pensar no significado deles.

As atuações também não deixam a desejar. Nunca é demais comentar o trabalho de Nick Offerman (e eu vou fazer de novo). O ator está espetacular e entrega com primor um papel complexo. Murray Bartlett, por sua vez, caminha por campos mais confortáveis ao dar vida a um personagem que não aparece no material original, mas o interpreta da forma como imaginava que ele seria. O ator vencedor do Emmy em 2022 por The White Lotus domina diversas cenas em que está e consegue trazer profundidade e importância para Frank.

Decisões que, assim como as mostradas nos episódios anteriores, engrandecem arcos e elevam dramaticamente algumas passagens. O que confirma que a série de The Last Of Us já é, sim, uma das melhores adaptações, por valorizar o material base ao mesmo tempo que respeita a linguagem que pede uma série de TV. E quando eu digo valorizar, não me refiro apenas a questão de fidelidade, o que há, mas em se esforçar para melhorar o que já era ótimo. No caso, em dar um desfecho digno para a história de Bill, trazer mais tridimensionalidade para este personagem e importância de suas ações.

Do ponto de vista comercial, Por Muito, Muito Tempo até é inteligente  ao mostrar para o público que já jogou e zerou diversas (eu incluso) de que ele ainda não conhece tudo daquele universo. De que ele ainda pode se surpreender narrativamente com The Last Of Us. Te convencendo, desta forma, a acompanhar semanalmente e no dia do lançamento, se possível. Para os “leigos” é ainda mais certeiro ao trazer frescor de temáticas apresentadas.

Enquanto fã, você tem todo direito de criticar a adaptação feita no terceiro episódio por querer algo inteiramente fiel (eu discordo em partes, acredito que há formatos e formatos). Mas algo que é inegável: Por Muito, Muito Tempo será uma das melhores coisas que você irá assistir esse ano. Não só pela história que conta – e como conta –, mas também pela qualidade técnica e por reafirmar que The Last Of Us vai muito além, em temática, do que a aventura de Joel e Ellie. The Last Of Us é sobre humanidade e o que resta dela nesse mundo devastado, sobre amor e relações – e tudo que nos faz (ou fazia, no contexto da série) humanos; e essa “nova” história com foco no casal reforça isso melhor do que qualquer cena com Baiacu e ação frenética.


Série: The Last of Us
Episódio: 03
Canal: HBO
Elenco: Pedro Pascal, Bella Ramsey, Anna Torv, Nick Offerman e Murray Bartlett
Direção: Neil Druckmann
Roteiro: Craig Mazin, Neil Druckmann
Produção: Estados Unidos, Canadá
Ano: 2023
Gênero: Drama
Sinopse: Vinte anos após a queda da civilização, Joel é contratado pra tirar Ellie de uma zona de quarentena perigosa. O que começa como um pequeno trabalho, logo se transforma em uma jornada brutal pela sobrevivência (Sinopse oficial).
Classificação: 16 anos
Streaming: HBO Max
Nota: 10

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