Uma minissérie sobre o melhor filme da história do cinema. É possível que alguns integrantes da gen z nem saibam da existência de O Poderoso Chefão (The Godfather), mas é inquestionável a forma como o filme sobre a icônica família Corleone marcou pelo menos duas gerações desde seu lançamento e redefiniu a indústria cinematográfica. Em The Offer, a Paramount revive os bastidores de seu maior sucesso ao mesmo tempo em que desvenda seus bastidores.
Hoje, é difícil imaginar que um ator hoje lendário como Al Pacino tenha sido duramente questionado como escolha certa para viver o protagonista Michael Corleone ou que o estúdio cogitou não fazer o filme que se tornaria um de seus maiores estandartes. Contudo, 50 anos depois de tudo isso, a deliciosa minissérie de 10 episódios surpreende e encanta enquanto conta os altos e baixos da realização da obra de 1972 a partir da experiência do produtor Al Ruddy.
Parte biografia, parte homenagem
Nascida de um livro best-seller, a saga O Poderoso Chefão deu ao mundo três filmes, mas foi muito além disso. Ainda que já tivessem iniciado suas carreiras em Hollywood, um sem-fim de medalhões do cinema se tornaram ícones a partir da obra. Até mesmo Marlon Brando, que já tinha sua reputação como grande ator, viu seu currículo marcado para sempre após encarnar o patriarca e don da família de gângsteres.
Contudo, o que torna The Offer tão cativante é poder desfilar pelos bastidores do filme ao lado do produtor Al Ruddy. Afinal, embora seja uma figura importante no desenvolvimento da obra, o produtor acaba ignorada pelo espectador comum. Não que isso seja uma ofensa, afinal, o que profissionais como Ruddy buscam ao longo de tantos anos de indústria é oferecer uma experiência que funcione como uma janela para outras vidas.
Assim, quando a audiência sai do cinema sem pensar em quanto custou determinada cena ou se de fato os atores foram até a cidade citada nos diálogos para filmarem as cenas o produtor pode descansar sabendo que fez bem seu trabalho. E, é claro, os números de bilheteria também ajudam bastante.
Porém, o que fica escondido por trás da experiência e dos números é um relato impressionante de toda sorte de obstáculos vencidos em busca do resultado perfeito. Nesse ponto, The Offer é parte biografia, parte pura homenagem à famigerada “magia do cinema” e ao trabalho primoroso dos homens e mulheres que deram ao mundo o primeiro filme da saga de Michael Corleone.
Um jeito diferente de fazer
Aqui cabe ressaltar que a minissérie não é sobre a trilogia, mas apenas sobre o filme de 1972 e existe um motivo muito claro para isso. Como mencionado, os 10 episódios de cerca de uma hora de duração tiram o véu de muitos detalhes ocultos da cinematografia, mas um dos que mais chama atenção é a relação entre investimento e retorno.
Por exemplo, O Poderoso Chefão tem aproximadamente três horas de duração, mas correu sério risco de ter mais da metade de seu conteúdo cortado na edição para entregar um material com menos de duas horas. O motivo? Um filme menor significava uma quantidade maior de sessões diárias e um retorno imediato mais garantido.
Faz sentido, mas a série mostra Ruddy, Coppola e Robert Evans – outro grande produtor de Hollywood e, à época, diretor da Paramount – lutando para manter a visão original da obra e apostando na estreia simultânea em diversos cinemas, diferente do que era costume.
Em grande parte, isso se deve à ousadia de Al Ruddy, que saiu do incipiente mundo da ciência da computação para ajudar a criar uma série de comédia bem-sucedida. Embora talvez não seja escancarado, The Offer mostra ao espectador uma Hollywood ameaçada pela incapacidade de acompanhar as mudanças na sociedade. É nesse contexto que a relativa falta de experiência de Ruddy o deixa livre para arriscar abordagens nada ortodoxas como lidar diretamente com a máfia de Nova Iorque, por exemplo.
A máfia em um filme sem máfia
De fato, O Poderoso Chefão se descolou do padrão de produções cinematográficas da época em vários aspectos para criar um filme protagonizado por mafiosos – em alguns pontos até feito por mafiosos -, mas que não era exatamente sobre mafiosos.
Já que estereótipos e estigmas caminham de mãos dadas, nem a máfia nem os imigrantes italianos nos Estados Unidos queriam mais um filme que os mostrassem ao mundo como pessoas ruins, muito menos um que fosse baseado no livro mais vendido do país.
Diante disso, pessoas poderosas se colocaram no caminho das gravações em diversos momentos e até Joe Colombo, chefe da família Colombo e criador da Liga Ítalo-Americana de Direitos Civis, foi um deles. É difícil imaginar o peso de ter que lidar com alguém capaz de tirar a vida de seus desafetos para conseguir o que quer, mas Miles Teller (que assume o papel do protagonista Al Ruddy) e Giovanni Ribisi (transformado fisicamente para interpretar Joe Colombo) criam uma dinâmica assustadora e familiar que permite ao espectador enxergar as dificuldades que se colocaram no caminho do filme.
Mais do que isso, ela nos convida a pensar sobre todas as outras produções que de, uma forma ou de outra, tocaram em assuntos um pouco mais delicados. Ao longo das cerca de 10 horas que a minissérie entrega, cresce a impressão de que O Poderoso Chefão não deixou de ser um filme sobre máfia apenas porque Colombo fez Ruddy prometer que não usaria essa palavra no roteiro – assim como Cosa Nostra.
Na verdade, percebemos que, em boa medida, o filme acabou emulando as experiências pessoais vividas tanto por Mario Puzo – autor do livro – como por Ruddy, Coppola e todos os demais envolvidos no desenvolvimento da obra. E, apesar de tudo isso, o resultado foi o sucesso de público e bilheteria que validariam mais dois filmes memoráveis. Ainda que seja provável que novos desafios tenham se colocado diante das sequências, nada mais poderia ser como antes e é isso que The Offer mostra.
Janela para o passado
Assistir à minissérie é mergulhar nos relatos de pessoas como o próprio Al Ruddy. Ao fim de cada episódio, tanto ele como outros envolvidos em The Offer aparecem em diversas pequenas entrevistas para comparar momentos que acabamos de ver na tela com suas memórias. De fato, a história está ali e ela é muito rica, mas isso não serviria para nada sem o trabalho do elenco que faz essa janela para o passado parecer real.
Talvez a tarefa de Miles Teller de reviver Al Ruddy, alguém que a maioria dos espectadores talvez nem saiba quem é, seja fácil, mas o carisma do ator vende o ícone da produção como alguém memorável. Enquanto isso, é quase inimaginável que Justin Chambers, mais conhecido como o Dr. Alex Karev de Grey’s Anatomy, seja capaz de nos fazer acreditar que ele é tanto Marlon Brando como Don Corleone. Porém, acredite, ele consegue.
Quando tudo isso se mistura em cena, o resultado é, mais uma vez, a mais pura “magia do cinema” defendida e explicada por Robert Evans, na interpretação magistral de Mathew Goode. É com essa combinação entre uma história curiosa e instigante com o ótimo trabalho do elenco que faz espectador olhar para Dan Fogler e ver realmente um jovem Coppola ou um inseguro Al Pacino quando Anthony Ippolito entra em cena.
Seria possível listar todos os demais nomes do elenco, como Juno Temple (no papel de Bettye McCartt), Burn Gorman (no papel de Charles Bluhdorn), Patrick Gallo (como Mario Puzo) e tantos outros atores e atrizes inacreditavelmente bem escalados. Contudo, é mais fácil ver com seus próprios olhos como esses artistas fizeram uma parte fundamental da história do cinema voltar à vida do que ler sobre a respeito. Acredito que você vai se encantar.
Série: The Offer (Minissérie) Elenco: Miles Teller, Mathew Goode, Dan Fogler, Burn Gorman, Colin Hanks, Juno Temple, Giovanni Ribisi. Desenvolvedor: Leslie Greif e Michael Tolkin Roteiro: Al Ruddy, Leslie Greif e Michael Tolkin Produção: Al Ruddy, Leslie Greif, Michael Tolkin, Dexter Fletcher. Ano: 2022 Gênero: Biografia, Drama Sinopse: The Offer dá vida às experiências nunca reveladas do produtor vencedor do Oscar Al S. Ruddy ao fazer O Poderoso Chefão (1972). Classificação: 18 Distribuidor: Paramount+ Streaming: Paramount+ Nota: 8.7 |