Governos fascistas, muito presentes na Europa no século 20, são caracterizados, entre outras coisas, pelo nacionalismo exacerbado e pela ênfase no militarismo. No Brasil tivemos um exemplo disso na época da ditadura e, aparentemente, por não ter aprendido nada com este episódio, elegemos um genocida que compartilha dos mesmos ideais do fascismo.
A década de 50 é marcada pela guerra fria e pela guerra do Vietnã. Ambas possuem os Estados Unidos como forte representante destes capítulos da história mundial. Logo o livro, Tropas Estelares, escrito em 1959 por Robert A. Heinlein, vem como uma resposta de apoio a todo o envolvimento do país nestas situações e funciona como uma grande defesa à militarização e como uma homenagem a todos os homens que, através da guerra, conquistam a “soberania de sua pátria”.
Heinlein, um escritor estadunidense, era um entusiasta do militarismo e chegou a dedicar seu livro a “todos os sargentos de todas as épocas que trabalharam para tornar meninos em homens”. A leitura é muito objetiva e sempre tenta elevar a prática militar, afinal trata de uma história de guerra, o clássico “nós contra eles”, sem que saibamos os motivos reais para tal empreitada que, obviamente, fará milhares de vítimas de todos os lados.
Muito embora a adaptação para os cinemas, em 1997, tenha sido interpretada, por meia dúzia de pessoas, como uma obra fascista tal qual sua obra de inspiração, é preciso ressaltar que é muito claro o trabalho feito por Paul Verhoeven no sentido contrário a esse entendimento. A sátira é muito bem estabelecida e o filme se posiciona de tal maneira que deixa explicito ao espectador que não é para ser levado a sério. Entretanto a graça presente neste longa não chega a ser espalhafatosa e nem passa do ponto. Atinge em cheio um equilíbrio entre tudo o que vemos: Humor, ação e muito efeito especial.
Verhoeven utiliza quase que a história exata do livro de Heinlein, entretanto é nas poucas diferenças, sobretudo, na forma de contar a história bem como em alguns elementos criados para este filme, que esta adaptação se distancia, e muito, dos ideais contidos no livro.
É interessante, para nós brasileiros, como o inicio do filme se assemelha e muito ao folhetim do fim de tarde da Globo, a novela Malhação, principalmente em suas primeiras temporadas. Personagens interpretados por atores bonitos e de corpos dentro dos padrões de beleza, sempre presentes em triângulos amorosos e tendo que provar que são os melhores a cada novo capitulo. É exatamente o que Verhoeven faz aqui. O núcleo de protagonistas é formado por quatro personagens: Johnny Rico (Casper Van Dien), Carmen Ibanez (Denise Richards), Dizzy Flores (Dina Meyer) e Carl Jenkins (Neil Patrick Harris), sendo este último preterido justamente por conta de todo o desenvolvimento do romance entre os outros três personagens.
Esta escolha do elenco e em como eles são constantemente apresentados na obra mostra a ideia propagandista, em uma absoluta paródia, de uma necessidade de se elevar o trabalho militar e ter o poder de convencimento, se não pelo que de fato é o serviço militar, ao menos por estar no mesmo mundo daquelas pessoas brancas, de olhos claros, sarados e com dentições de dar inveja às inúmeras propagandas de cremes dentais, com as quais somos bombardeados diariamente a cada nova fórmula que encontram, seja para dentes sensíveis ou para o branqueamento deles.
Essa questão da propaganda é ressaltada em diversos momentos, pois somos levados em várias cenas a uma espécie de tela, do sistema militar, a Rede Federal, que possui diversas informações como alistamento, armamentos e inimigos, mas sempre sob um viés de apologia à guerra, sendo esta a única opção para uma vida segura e em paz. Estas cenas são sempre finalizadas com a pergunta: “Quer saber mais?” de forma a não deixar dúvidas sobre o caráter panfletário que o filme nos mostra condenando-o.
Entretanto Verhoeven vai muito mais além. Pouco a pouco acompanhamos elementos que são inseridos no longa e que possuem a intenção de nos levar para fora do filme e fazer as devidas ilações com o mundo real, como é o caso das roupas dos militares das mais altas patentes que se assemelham e muito com as roupas utilizadas pelos oficiais da Gestapo (Polícia secreta da Alemanha nazista), ou um símbolo que se parece com uma águia, nos remetendo a uma outra, a do símbolo do partido nazista.
Talvez sejam essas particularidades que fizeram poucas pessoas terem uma dificuldade do entendimento do filme. Entretanto Verhoeven e o roteirista Edward Neumeier fazem questão de que as cenas, os diálogos, o romance e até mesmo as batalhas não sejam levadas a sério e por isso mesmo que quase tudo o que assistimos soa completamente exagerado, realçando, assim, esse tom de descredibilidade que é, de fato, o intuito da obra.
“Pode-se levar uma criança ao conhecimento, mas ninguém pode fazê-la pensar” – Sr. Dubois.
Tropas Estelares de Verhoeven não é nada sutil quanto a tudo o que mostra. O aparato bélico é constantemente comemorado, a idéia de se fazer dominar pela força e violência é visto durante todo o filme e, até mesmo, a discriminação de outros povos também conseguimos enxergar. A cena em que vemos crianças esmagando baratas, ou cucarachas (termo empregado para o imigrante latino ilegal) e uma mãe espumando de prazer com aquela atitude é um tapa na cara de uma sociedade xenofóbica e, não à toa, Buenos Aires é explodida no filme.
Os insetos, seres alienígenas e retratados como extremamente violentos e, obviamente, desumanos, possuem seus movimentos muito bem executados através dos efeitos especiais fazendo deste, um ponto muito bem executado neste filme. Para o ano de 1997, com uma tecnologia que, é bem verdade, se aprimorava ano a ano, foi um grande salto e em nenhum momento caímos em uma armadilha de perceber como eles, os insetos, são feitos.
Tropas Estelares se encerra como um outro filme, o pioneiro da ficção cientifica, o curta-metragem de 1902, Viagem à Lua de Georges Méliès, retratando o êxito da expedição que tinha o intuito de dominar aquele outro povo, ou melhor, aquela outra raça – para ficarmos no campo das simbologias empregadas por Verhoeven. E a cena final é aquela que completa a ideia de uma grande propaganda militar que, para nós, durou pouco mais de 2 horas, mas que concretiza a ideia da piada pronta que é alimentada a cada minuto deste filme.
Filme: Starship Troopers (Tropas Estelares) Elenco: Casper Van Dien, Denise Richards, Dina Meyer, Jake Busey, Neil Patrick Harris, Clancy Brown, Seth Gilliam, Michael Ironside, Dean Norris Direção: Paul Verhoeven Roteiro: Edward Neumeier, Robert A. Heinlein Produção: Estados Unidos Ano: 1997 Gênero: Ação, Ficção Científica Classificação: 16 anos Streaming: Star+ Nota: 7,6 |
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