O 11º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba – não poderia ter escolhido obra melhor para a sua abertura. Ainda vivemos, sobretudo aqui no Brasil, momentos de muita incerteza. Reflexões sobre o futuro do país se chocam com sentimentos retraídos por uma realidade ainda preocupante. É bem verdade que o pior da pandemia já passou (espero eu), mas ainda temos no poder aquele que tanto ridicularizou as centenas de milhares de brasileiros que perderam suas vidas nesses últimos anos por conta da Covid-19.
Vai e Vem é um longa experimental, cuja a premissa é a realização da comunicação entre duas mulheres, uma vivendo em São Paulo e a outra em Los Angeles, através de vídeo-cartas em meio ao período pandêmico. O filme é dirigido pelas diretoras e amigas Fernanda Pessoa e Chica Barbosa que, aqui, resolvem expor muito de suas intimidades, de seus pensamentos e de todo o carinho e afeto que uma sente pela outra. Mesmo com essa roupagem serena e melodramática, não há como desassociar o filme de um viés, claramente, político e que não tem medo de demonstrar de que lado está. A diretora Fernanda Pessoa, por exemplo, não deixou dúvidas sobre seu posicionamento político quando, em sua fala antes da exibição, para uma sala completamente cheia, apontou para a cor da roupa que usava, vermelha.
Como já citei este longa das diretoras vai em busca do cinema experimental e com isso o filme brinca com a razão de aspecto, usa o preto e branco assim como satura as cores também. Caminha por momentos mais lúdicos, mas se baseia, em grande parte, pelo pé no chão. O trabalho de montagem é fantástico, trabalho este realizado por Fernanda e Chica também. O filme remonta um período longo, em torno de 8 meses (abril/20 – início de 2021), e acompanhamos todo esse movimento temporal com base em situações marcantes desse período como por exemplo a grande manifestação que ocorreu nos Estados Unidos após a morte de George Floyd, um homem negro sufocado até a morte por um policial branco.
A primeira grande indagação feita por Chica é justamente por se deparar com uma realidade tão, ou mais, cruel com a qual tinha que lidar enquanto estava morando no Brasil. Trocar o Brasil presidido por Bolsonaro para morar nos Estados Unidos presidido por Trump, para ela, uma mulher mexicana e, extremamente, apegada ao feminino feminismo (em seu sentido mais amplo), não pareceu ter sido uma de suas decisões mais acertadas. No entanto é perceptível que, mesmo distante, ela começa a se encontrar em meio a tantas trocas que vai tendo com outras garotas latinas ao mesmo tempo em que vai se inserindo naquela cultura e se sentindo parte daquilo.
Por outro lado vemos Fernanda em um processo de reinvenção. Seu trabalho se torna ainda mais focado na politica e agora de uma forma bem direta através da campanha feita para as vereadoras do Juntas – coletivo de mulheres do MTST – para as eleições municipais de 2021.
Este documentário equilibra bem o mundo de fora com o mundo interno das realizadoras. A entrevista realizada com a sogra de Fernanda amplifica a abordagem feita até então, além de possuir um frescor, principalmente, pelo tom bem-humorado desta passagem. Mas o poder de Vai e Vem está no que Fernanda e Chica dizem uma a outra e em como se expressam. E a cena em que ambas se desnudam, Fernanda primeiro e Chica após, parece captar a essência de tudo aquilo que estamos a presenciar. Aquele ato de despir-se vai muito além do tirar as roupas, é se mostrar como são, é o despir da alma. A extrema confiança que uma deposita na outra para se entregarem de tal maneira a esta experiência é comovente.
Vai e Vem é um filme que se baseia/influencia em mulheres realizadoras do cinema experimental, possui um forte viés político, mas se permite fluir através de sentimentos puros e, de certo modo, aromáticos. Apesar das mensagens claras, necessárias e urgentes, há uma suavidade em como tudo vai sendo construído através de uma câmera calma que reflete um pouco dessa paz que Fernanda encontra em Chica e que Chica encontra em Fernanda. As mãos, virtualmente, dadas é a coragem que elas precisavam para seguir nessa luta diária das mulheres em uma sociedade opressora, machista e misógina. O filme é uma resposta a isso. Essa união, esse espirito coletivo que o cinema tem e que, aqui, coloca Fernanda e Chica lado a lado, dá origem a este belíssimo experimento chamado Vai e Vem.
Filme: Vai e Vem Elenco: Fernanda Pessoa, Chica Barbosa Direção: Fernanda Pessoa e Chica Barbosa Roteiro: Fernanda Pessoa, Chica Barbosa Produção: Brasil Ano: 2022 Gênero: Documentário Sinopse: Duas amigas, uma no Brasil, outra nos Estados Unidos, trocam cartas fílmicas durante o primeiro ano de pandemia. Como em um jogo, elas atendem a um programa: cada uma das correspondências é inspirada pela linguagem de uma cineasta experimental. Nesse movimento de diálogos e encontros, as marcas da alteridade e do que é coletivo se sobressaem, construindo passagens e elos entre norte e sul, passado e presente, os mundos nos quais vivemos e aqueles sobre os quais ainda sonhamos. Classificação: 14 anos Streaming: Indisponível Nota: 8,0 *Filme exibido no dia 01 de junho de 2022 na sessão de abertura do 11º Olhar de Cinema* |