Desde que mundo é mundo, quando chegamos em determinada idade, passamos a compreender que nossa jornada tem inicio meio e fim. É bem verdade que esse fim, quando na ordem natural das coisas, tem ficado, ano a ano, um pouco mais longe. O Brasil por exemplo, na década de 50, possuía expectativa de vida em 48 anos. Atualmente (pré pandemia) esse número pulou para 76,6 anos. Mas o que importa nessa nossa jornada não é quanto tempo estamos aqui e sim o que fazemos nesse tempo. Vivo, que aqui no Brasil foi traduzido para “A Jornada de Vivo”, trata exatamente sobre isso. Podemos imaginar que o longa animado esteja interessado em nos fazer conhecer o fofíssimo Jupará – um mamífero típico da floresta tropical –, mas a verdade é que o diretor Kirk DeMicco está interessado no caminho que traçamos em vida e a nossa vivacidade.
O longa, um musical animado, se inicia em Havana, Cuba e já nos apresenta o personagem principal Vivo, um jupará, e seu grande amigo, Andrés, um senhor já grisalho, e que, juntos, animam as tardes, em uma grande praça, com suas performances. O protagonismo de Vivo não é só identificável pelo título do filme, mas também por sua narração, feita toda através da voz dele, que é muito bem dublada por Lin-Manuel Miranda (Hamilton).
Assim como Soul, que trazia o jazz e através disso dava representatividade ao povo negro dos Estados Unidos, Vivo exibe sua musicalidade através da musica latina e que tanto influenciou a música estadunidense, sobretudo, da região da Flórida, que no filme se concentra em Miami, do fim do primeiro ato em diante.
A história por trás da aventura que vamos acompanhar de Vivo e sua mais nova amiga Gabi, é sobre as escolhas que fazemos na vida e até mesmo aquelas que deixamos de fazer – o que no filme se mostra como a que causa maiores arrependimentos.
Andrés, quando mais jovem, teve um grande amor, Marta Sandoval, dublada pela cantora Glorian Estefan, que nasceu em Cuba – isso que é representatividade ao pé da letra. Eles faziam parte do mesmo conjunto musical, Andrés tocava piano e Marta cantava. Mas com uma proposta para Marta de cantar nos Estados Unidos e com a total inércia de Andrés com esse convite, aquele amor não passou de um sonho distante, sobretudo, na mente de Andrés.
A vida pode ser generosa e nos dar muitas oportunidades de corrigir o erro das nossas primeiras escolhas, mas as vezes não e temos de conviver com as consequências. Andrés teve uma segunda chance, mas antes mesmo que pudesse aproveita-la o destino deixou a cargo de Vivo, seu fiel amigo, a responsabilidade de demonstrar os sinceros sentimentos de seu velho amigo para aquela que sempre amou.
A carga emocional, principalmente, nessa relação de Vivo com Andrés é desenvolvida por todo o filme não ficando apenas numa construção rasa daquele sentimento real que existiam entre eles. A missão que Vivo internaliza como uma forma de fazer seu amigo manter-se vivo, pelo menos para ele, nos comove e ficamos igualmente entristecidos quando a musica borrada parece dar fim a esse sentimento de presença de Andrés. Mas é aí que entra a personagem Gabi. Se no inicio ela se apresenta como alguém extremamente exagerada nas suas ações, o que é representado não só pela sua sonoridade como pelas cores das suas roupas e adereços. E fica ainda mais evidenciado quando ela performa para Vivo contando e cantando sobre o seu jeito de ser. Não só para Vivo, mas para o espectador também, tudo é em excesso ali, e de forma proposital a direção nos distancia dessa personagem, para ao fim, quando seu arco for completo, percebermos a sua mudança também. E é isso, Vivo se trata de como nos moldamos com as experiências que tivemos e não com aquelas que deixamos de ter.
E como citei parágrafos acima, quando tudo parecia perdido é Gabi quem assume a corresponsabilidade junto a Vivo de manter o sentimento de Andrés “vivo” ainda. A missão: fazer chegar uma carta de amor em forma de canção feita por Andrés para Marta.
Ao contrário de Luca que possui interpretações fora do espectro de filmes meramente infantis, Vivo encara esse nicho e foca apenas nele. Mas um grande problema é a forma de encarar isso, principalmente, na relação de Gabi com sua mãe Rosa. O filme que se utiliza de diversos conflitos sobrepostos, possui um na falha de comunicação entre mãe e filha e que é, em um primeiro momento, solucionado com uma total fragilidade em cima de mentiras e irresponsabilidades, mas que em momento nenhum apresenta para o público as consequências reais para tais atitudes. Neste jogo de conflitos e soluções, que há em demasia nesse filme, muita coisa é tratada de forma superficial e estão ali apenas para manter o espectador preso à frente da tela.
Mas mesmo com esses problemas, a emoção fala mais alto e a qualidade do musical sobrepõe todo e qualquer problema encontrado nessa animação. Vivo é um filme gostoso, leve e indicado para toda a família. E posso afirmar que você vai se pegar em um certo gingado ao longo do filme.
Filme: Vivo (A Jornada de Vivo) Elenco: Lin-Manuel Miranda, Ynairali Simo, Zoe Saldana, Gloria Estefan, Brian Tyree Henry Direção: Kirk DeMicco Roteiro: Kirk DeMicco, Quiara Alegría, Peter Barsocchini Ano: 2021 Produção: Estados Unidos Gênero: Animação Streaming: Netflix Classificação: Livre Nota: 7,4 |