YUME JÛ-YA

YUME JÛ-YA

Em suas qualidades estéticas, o cinema se encontra como a forma de arte mais apta em ilustrar as características de um sonho, especialmente com uma edição não-linear, a primeira geração de surrealistas notou isto rapidamente, como as obras-primas “Um Cão Andaluz” (1929) e “A Idade do Ouro” (1930) de Luis Bunuel atestam vividamente. Vinte anos antes destas obras, o escritor modernista japonês Natsume Soseki, escreveu uma série de 10 contos que mais tarde seriam publicados como “10 Noites de Sonhos”. E finalmente, em 2006, chegamos ao filme que esta crítica é sobre. Seguindo a prática de filme de antologia, algo que perdeu um tanto sua popularidade no cinema ocidental após os anos 60, quando diretores do calibre de Godard, Fellini e Pasolini contribuíram para projetos deste tipo. Atualmente, filmes como estes sobrevivem no cenário do horror, como na série “V/H/S” (2012), especialmente já que é um formato que permite menores gastos de produção.

Admito haver um certo grau de dificuldade em criticar um filme como este, sendo no fim das contas dez pequenos filmes em um. Um problema sempre presente em antologias sempre foi e sempre será a inconsistência na qualidade entre os segmentos. Neste projeto isto é bem claro quando consideramos o nível de experiência de cada um dos diretores participantes. Temos diretores que são verdadeiros veteranos como Kon Ichikawa (“Fogo na Planície” (1959)) e Akio Jissoji (“Mandara” (1971)), diretores com uma boa quantidade de experiência como Takashi Shimizu  (“O Grito” (2002)) e Nobuhiro Yamashita (“Linda Linda Linda” (2005)) e diretores novatos como Keisuke Toyoshima e Atsushi Shimizu, e a qualidade do segmento geralmente reflete nesta quantidade de experiência.

O primeiro segmento, de Akio Jissoji, reflete bem seu estilo visual baseado na nouvelle vague japonesa, com seu uso de efeitos de distanciamento como nenhuma ofuscação da presença do set e o uso de ajudantes de palco vestidos de preto em uma cena, como aqueles que manipulam as marionetes em peças de bunraku. O segmento de Kon Ichikawa é o melhor do filme, especialmente devido a sua simplicidade. Mudo, com a exceção da música e de alguns efeitos sonoros, sua história simples, de um samurai tentando alcançar a iluminação através de meditação, convém bem o sentimento daquela categoria de sonho que parece com realidade até um certo ponto. O tipo de segmento que Takashi Shimizu faria é óbvio se você conhece algum outro filme dele, uma boa história de terror, com base na ansiedade da paternidade.

O segmento de Atsushi Shimizu é a primeira verdadeira queda de qualidade notável do filme, uma direção que pode ser caracterizada como passável na melhor das hipóteses. O segmento de Toyoshima não se eleva muito acima também, com o uso excessivo de efeitos especiais que distraem de qualquer ligação emocional que a história tenta criar, único ponto positivo que dou a este segmento é a participação de Mikako Ichikawa, uma atriz com uma ótima presença de cena. O segmento de Matsuo é visualmente interessante, com um bom uso do anacronismo para criar uma cena surreal, seu uso de música e dança lembra as cenas musicais de Zatoichi (2005) de Takeshi Kitano.

O próximo segmento quebra com todos os outros por ser uma animação e uma colaboração entre 2 diretores, Masaaki Kawahara e Yoshitaka Amano, o grande artista que trabalhou na série Final Fantasy e em filmes como “Angel’s Egg”(1985) de Mamoru Oshii. Não é nenhuma surpresa que na questão visual, este segmento é um banquete. A mistura de CG com arte de Amano funciona, e dão uma qualidade que nenhum filme em live-action poderia sonhar em ter. Um defeito é a escolha bizarra de usar inglês como a linguagem do segmento, a atuação do protagonista é um tanto robótica em sua pronúncia. O segmento de Yamashita é de extrema leveza, lembrando o ótimo “O Gosto de Chá” (2004) de Katsuhito Ishii. Seu foco maior é em colocar uma série de cenas surreais envolvendo o dia a dia.

Miwa Nishikawa é responsável pelo segmento com o maior peso dramático do filme, com uma história de uma família separada pela guerra. A diretora sabiamente deixa o surrealismo em um nível controlado, assim permitindo que o pathos seja transmitido com eficácia, sem se tornar uma farsa ou um melodrama. Yamaguchi termina o filme com uma comédia maníaca, a do tipo que parece que apenas os japoneses conseguem fazer, que envolve um serial killer, porcos gigantes, lutas de boxe e violência ao estilo “Evil Dead”. Para aqueles confortáveis com o estilo de comédia japonês, especialmente do presente em animes (Não é surpresa que Yamaguchi dirigiu a adaptação live-action do anime clássico de comédia “Cromartie High”), este segmento fará você terminar o filme com um grande sorriso no rosto, para o resto do público, a reação será uma de “o que é isso que eu tô vendo?”.

No fim, qual é o propósito deste filme? Qual é a mensagem, ponto ou observação que este filme traz? Assim como um sonho, qualquer interpretação pode parecer ter tanta validade como a próxima. O próprio filme coloca esta questão na primeira cena, quando o autor diz que o significado de seu livro será descoberto no mínimo em 100 anos. Estamos há 124 anos no futuro, e qualquer significado não parece ser óbvio. E por mim, qualquer significado ou interpretação concreta apenas deixaria a experiência mais barata, assim como uma observação budista diz: as coisas mais inúteis são as mais bonitas.

 

Filme: Yume jû-ya (Ten Nights of Dreams)
Elenco: Kyoko Koizumi, Koji Yamamoto, Mikako Ichikawa, Sadao Abe, Hiroshi Fujioka, Pierre Taki
Direção: Akio Jissoji, Kon Ichikawa, Takashi Shimizu, Atsushi Shimizu, Keisuke Toyoshima, Nobuhiro Yamashita, Yudai Yamaguchi, Masaaki Kawahara, Miwa Nishikawa, Yoshitaka Amano, Suzuki Matsuo
Roteiro: Shinichi Inozume, Nobuhiro Yamashita, Keisuke Toyoshima, Miwa Nishikawa, Takashi Shimizu, Gataro Man
Produção: Japão
Ano: 2006
Gênero: Drama, Terror, Comédia
Sinopse: Dez noites de sonhos são contadas por 11 diretores diferentes.
Classificação: Sem classificação
Distribuidor: Não possui
Streaming: Indisponível
Nota: 6,0

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