47ª MOSTRA SP – EM NOSSOS DIAS

47ª MOSTRA SP – EM NOSSOS DIAS

Hong Sang-soo é um dos realizadores cinematográficos mais prolíficos da atualidade. O roteirista e diretor sul-coreano que lançou este ano, no Festival de Berlim, o filme Na Água (mul-na-e-seo, 2023), estreia no Brasil Em Nossos Dias (Uliui halu, 2023) na 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Na Água também integra a programação da mostra.

Em Nossos Dias é um filme que se divide em duas narrativas. A primeira dá conta da história de Sang-won, interpretada por Kim Min-hee (A Mulher que Fugiu, ou Domangchin yeoja, 2020), musa do diretor que estrela muitas de suas produções e que foi centro, há alguns anos, de uma certa polêmica junto com Hong – polêmica essa utilizada como inspiração para muitos dos filmes do realizador.

Sang-won é uma ex-atriz que se isola, de certa forma, e sente que não pode ser amada por ninguém. De muitas maneiras essa personagem se assemelha a outras interpretadas pela própria Kim Min-hee, principalmente em O Filme da Romancista (The Novelist’s Film, ou So-seol-ga-ui Yeong-hwa, 2021) – também de Hong Sang-soo –. A atriz, que atua neste filme também como produtora executiva, só estrela filmes de Hong desde o ano de 2017, quando atuou em A Criada (Ahgassi) de Park Chan-wook.

A segunda narrativa é sobre Ui-ju, poeta idoso que ganhou reconhecimento tardiamente, interpretado por Ki Joo-bong. Enquanto uma aluna de cinema filma um documentário sobre ele, somos apresentados à sua maior tristeza do momento: um problema de saúde que lhe impede de beber e fumar.

Para àqueles familiarizados com a forma de criar de Hong Sang-soo, em Em Nossos Dias não há nenhuma surpresa. Há, no trabalho de Hong, muitas características que pessoalmente não me agradam, porém, algo nessa última produção chama atenção, talvez por sentir que esse filme é muito característico do diretor na mesma medida em que se afasta de suas outras produções em outros pontos.

A metalinguagem, que é um recurso amplamente utilizado por Hong está presente na narrativa de Em Nossos Dias, ainda que distintamente da estética usual do diretor. Praticamente todas as suas produções falam sobre fazer cinema. Há, quase sempre, um cineasta que se envolveu com uma atriz, e ao mudar um pouco esse enredo genérico, ele lança esses filmes inéditos com outros nomes. O ego monumental do realizador é um personagem à parte em seus filmes, que já esperamos encontrar sempre que assistimos a algo novo feito por ele.

A surpresa em Em Nossos Dias está justamente na ausência desse personagem. Há, é claro, muitos dos outros elementos já conhecidos das obras do diretor. O texto desenvolvido e preenchido com os dramas existenciais dos personagens em tela é bem organizado e carrega um humor agradável de se acompanhar. O filme, que se lança como uma comédia dramática, mescla bem os gêneros e se assenta como uma das melhores obras do diretor até agora.

As tramas de Sang-won e Ui-ju, que inicialmente podem parecer alheias uma à outra, a medida em que se apresentam vão nos mostrando que o caminho destes protagonistas pode estar ligado de alguma forma. Ambas as histórias se passam ao redor de uma mesa, com pessoas conversando aleatoriedades e coisas sérias. Enquanto Sang-won aconselha uma prima mais jovem que deseja se tornar atriz, Ui-ju aconselha um jovem leitor que deseja se tornar ator, mas que não está preparado, seja para o ofício ou para a vida como um todo.

Uma das características mais bem aproveitadas neste filme é o fato de os diálogos parecerem, quase sempre, improvisações. O caráter fortemente artesanal da filmagem de Hong Sang-soo nos transporta a uma experiência de quase fazer parte da trama apresentada. O acontecimento do desaparecimento do gatinho de uma das personagens é uma das melhores sequências do filme. Muito do roteiro do segmento de Sang-won se dá ao redor do bichinho, que apesar de não saber o que está acontecendo, é centro de boas discussões sobre ter e manter coisas.

O zoom nada sutil, próprio das produções de Hong, apesar de ser um recurso pouco utilizado em Em Nossos Dias, é apresentado em alguns momentos. Essa pequena intervenção do diretor, que se dá quase que aleatoriamente, é uma marca, ainda que não veja muito sentido de utilizá-la, uma vez que o recurso quase nunca condiz com o momento em que é abruptamente inserido. Na verdade, a sensação que fica é de “quebra”, como se para lembrar que estamos assistindo a um filme, como uma separação entre espectador e obra. Ainda assim, por ser pouco utilizado não chega a atrapalhar a condução das narrativas.

Em Nossos Dias é um daqueles filmes em que “nada acontece”. É preciso estar aberto à experiência. A julgar pela sala em que foi exibida, a produção de Hong Sang-soo pareceu agradar pelo menos uma maior parte do público. Gosto de mencionar que nem de longe esse cineasta está entre meus favoritos, embora quase sempre assista às suas produções. Apesar de não ser uma entusiasta, reconheço o fato de Hong se manter fiel a seu projeto cinematográfico, que ganha cada vez mais apreciadores nos festivais de cinema e entre os cinéfilos do mundo.

Ainda não há uma data de lançamento para Em Nossos Dias no Brasil, talvez ele sequer seja lançado nos grandes circuitos. Recomendo a quem está em São Paulo a assistir a esse filme, que terá mais algumas exibições durante a mostra. Para aqueles que já conhecem e aqueles que não conhecem, é uma experiência que vale a pena: valorizar o cinema, principalmente o independente.


  Filme: Uliui halu (Em Nossos Dias)
Elenco: Kim Min-hee, Ki Joo-bong, Song Sun-mi, Park Mi-so, Kim Seung-yun, Há Seong-guk
Direção: Hong Sang-soo
Roteiro: Hong Sang-soo
Produção: Coreia do Sul
Ano: 2023
Gênero: Drama, Comédia
Sinopse: Uma mulher de 40 anos que mora na casa de alguns amigos responde brevemente enquanto um homem de 70 anos, que mora sozinho, acaba dando respostas mais longas. Ambos tem um visitante para almoçar e, na frente de seus convidados, coincidentemente, adicionam pasta de pimenta ao seu ramyun.
Classificação: 14 anos
Distribuidor: Jeonwonsa Film
Streaming: Não disponível
Nota: 7,8

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