É um deleite entrar numa sala de cinema e se deparar com um filme como Vampira Humanista Procura Suicida Voluntário, que combina com primor duas narrativas relativamente batidas, mas sempre divertidas de acompanhar quando bem feitas: os vampiros e o coming of age de personagens desajustados. O desenvolvimento destas duas temáticas é carregada de frescor em cada gota dessa divertida história sobre uma vampira incapaz de caçar e matar humanos. O que acontece é que suas presas não saem por conta de um trauma de infância e, agora, já crescida ela se vê completamente dependente dos seus pais e das bolsas de sangue que eles fornecem a ela.
Apesar da protagonista, Sasha (Sara Monpetit), já ter 68 anos (lembremos que vampiros demoram para envelhecer), a personagem representa essa juventude não conformista, que busca traçar os seus próprios caminhos e ser dona de suas escolhas; renegando valores tradicionais e papéis – como a necessidade de um vampiro ter que caçar e matar. O problema é que sua família, principalmente a sua mãe, a expulsou de casa e obrigaram-na a morar com sua irmã mais velha, com o intuito de fazer com que ela comece a se alimentar de humanos. O que a coloca numa berlinda entre os seus ideais e a sobrevivência.
Numa de suas poucas investidas, ela conhece Paul (Félix-Antoine Bénard), um jovem deprimido que sofre bullying por todos em sua volta, que o faz ter pensamentos e ideações suicidas. Aqui ela vê que suas presas crescem, muito porque ela estaria matando alguém que queria morrer. Assim, eles desenvolvem uma relação mutualista onde suprem os seus desejos sociais; em via de regras, eles não estão mais sozinhos. No processo de conhecerem um ao outro, eles acabam conhecendo mais sobre eles mesmos.
É interessante como a diretora Ariane Louis-Seize explora essa premissa de forma que trace paralelos com diversos pontos de histórias coming of age. Vampira Humanista Procura consegue ser tanto uma narrativa sobre rebeldia e busca pela independência quanto de pertencimento e anseio por um lugar ao mundo. Em uma passagem em que os dois personagens estão sentados na cama, Louis-Seize brinca com situações que envolvem a “perda da virgindade” mas com papéis de gêneros invertidos. Neste contexto, podemos observar o quanto Paul não tem apreço nenhum pela sua vida e está bastante confortável em ter o seu sangue sugado por Sasha. É uma abordagem arriscada pois poderia banalizar e relativizar a depressão e o suicídio, mas o humor ácido é o que ajuda Vampira Humanista a não cair num melodrama que, sinceramente, não funcionaria nessa história e ainda recairia sob um olhar talvez penitente e não de libertação. É deste pouco apreço, por sinal, que surge uma das decisões mais bonitas, quando Paul, que queria tirar própria a vida, opta pela vida eterna por ter se encontrado nesse mundo.
A química magnífica de Monpetit e Bénard certamente potencializa o nosso investimento emocional na relação de ambos. A atriz encarna essa Sasha introspectiva e gótica com segurança. Não é porque ela é uma mulher de poucas palavras que é menos carismática ou interessante. Por outro lado, Bénard acerta no timing cômico e dramático em todas as cenas e transita entre gêneros com a facilidade de um profissional que está na indústria há anos, apesar de este ser apenas o seu segundo longa-metragem.
Entre a comédia indie ácida e sarcástica (tem algumas brincadeiras sutis e acertadas com Crepúsculo, vale destacar) e o terror moderno – com um forte aceno para O Que Fazemos nas Sombras (tanto o filme quanto a série) –, Vampira Humanista Procura é feliz em equilibrar ambos os gêneros e conduz a sua trama e temas por caminhos interessantes. Visualmente, o filme também não deixa a desejar. Filmado inteiramente de noite, o longa resgata muitas referências do terror gótico: as ruas escuras e os campos abertos com névoa densa, não nos deixando enxergar para além do plano. Ao mesmo tempo que assume esse lado conceitual e mais intimista, Vampira Humanista não tem vergonha nenhuma em se assumir gore por alguns minutos que seja, mas sempre seguindo uma unidade estética que prevalece no final das contas. O que me parece é que a diretora possuía tanto domínio de sua história que conseguiu extrair cada gota de sangue dela, construindo um universo sólido e nos deixando, ao fim, com aquele gostinho agridoce de quero mais (já clamo por uma sequência).
Filme: Vampire Humaniste Cherche Suicidaire Consentant (Vampira Humanista Procura Suicida Voluntário) Elenco: Sara Montpetit, Félix-Antoine Bénard, Steve Laplante, Sophie Cadieux, Noémie O’Farrell, Marie Brassard Direção: Ariane Louis-Seize Roteiro: Ariane Louis-Seize e Christine Doyon Produção: Canadá Ano: 2023 Gênero: Terror, Comédia Sinopse: Sasha é uma jovem vampira com um sério problema: ela é sensível demais para matar. Desesperados, os pais da garota cortam o seu suprimento de sangue e, assim, ela percebe que sua vida está em perigo. Até que Sasha conhece Paul, um adolescente solitário com tendências suicidas e que está disposto a perder a vida para salvar a dela. Mas esse acordo entre os dois logo se transforma em uma espécie de busca através da noite para realizar os últimos desejos de Paul antes do amanhecer. Classificação: 14 anos Distribuidor: h264 Streaming: Indisponível Nota: 8,5 *Filme assistido na 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo* |