Quase todas as Mostras do Olhar de Cinema tiveram seus inícios neste dia. Foi um total de treze filmes sendo exibidos nas quatro salas de cinema que estão disponíveis para este ano. Duas no Cine Passeio e duas no Cineplex Batel, localizado no Shopping Novo Batel. Eu, como mortal que sou, assisti a apenas três filmes. E algo curioso que preciso citar aqui é como estes filmes, mesmo integrando mostras diferentes, convergem em suas narrativas. Todos tratam da busca pela história de alguém.
A minha jornada, neste efetivo primeiro dia de Festival, começou às 14 horas. Iniciei com Desvío de Noche, um filme canadense da Mostra Novos Olhares e a noite assisti aos filmes das competitivas Brasileira e Internacional, Neirud e A Migração Silenciosa, respectivamente.
DESVÍO DE NOCHE
O longa dirigido por Paul Chotel e Ariane Falardeau St-Amour tenta caminhar por uma linha muito próxima ao documental. Há, até, uma estrutura pensada para tal, mas em momento algum essa perspectiva consegue se manter. Durante todo o filme é perceptível as diversas romantizações em torno da trama – a busca pela verdadeira história de Violeta Martinez -, o que traz como consequência o fato do filme ser contraproducente consigo mesmo.
Não que a história não consiga fisgar o público. Até consegue causar curiosidade, mas o problema aqui está na forma e não no conteúdo. As cenas se repetem. Várias tomadas são iguais. E com essa falta de inventividade a história que, de fato, tem uma boa premissa se torna cansativa demais para o espectador.
O ponto de partida – o sumiço repentino de Violeta Martinez – e a ida da jornalista canadense para a terra natal da patinadora, uma região litorânea do México, cria um mistério suficiente para comprar a ideia de que algo, realmente, precisa ser feito para desvendar o motivo de Violeta ter, simplesmente, desaparecido. Entretanto o que não fica claro é a distância desses acontecimentos. Nesse sentido é possível dizer que a direção, aqui, faz questão de não dar diversas informações, pois é sempre o jeito mais fácil de construir uma história, já que os caminhos ficam aberto para qualquer opção, simples ou não, de desfecho.
Outro incômodo, como o próprio título já sugere, são os desvios feitos nessa narrativa, as vezes ilustrando o real e outras vezes dialogando muito próximo com o fantasioso. Mas ao contrário de fluir entre gêneros, o drama é, então, tomado por ideias confusas e completamente antagônicas (a realidade da dor da mãe de Armando, com as visões fantasmagóricas do personagem Abdul). A certa altura é possível perceber uma falta de domínio da história e que, ali, diante desse e de tantos outros problemas, não restava outra alternativa senão optar por elementos como o uso da escuridão em demasia para que esta servisse, de forma única, como a propulsora de toda a tensão que o filme deseja estabelecer. Contudo é notado uma certa insegurança no fazer o filme, insegurança esta que acaba por ser inserida dentro da própria obra também.
Quanto a forma de filmar, já dito em algum parágrafo acima, é preciso destacar o que, em um primeiro momento, funciona. A câmera, aqui, parece estar sempre atrás de descobrir algo. Nunca, ou quase nunca, está frontal com qualquer que seja o personagem e, frequentemente, filma estas pessoas por trás de arbustos, portas, janelas. Sempre tentando se camuflar para não ser vista. Mas novamente incorrem no erro da demasia, da repetição. As cenas se repetem, sobretudo as que são gravadas dentro da mata. E em certo momento o que era uma história curiosa, passa a se perder e a perder a atenção de seu público. Um caminho que se mostra sem volta.
NEIRUD
Esta obra da Fernanda Faya dialoga muito com uma cultura de minha família materna. Era comum quando estávamos reunidos, olharmos álbuns de fotografia e repassarmos quem era cada uma daquelas pessoas em cada recorte de papel. E de maneira menos interessante (talvez), também tinha certas pessoas que estranhávamos por não saber ao certo se pertenciam ou não a nossa família.
Ao contrário da minha família que, com poucas respostas, via estas duvidas sanadas, a diretora Fernanda permanece inquieta para saber mais e mais. Inquietação esta que contrasta até com a voz doce, calma e um pouco arrastada de seu pai, quando este fala com ela pelo telefone ou pelos registros em vídeo que o vemos sempre operando ou ensinando a manusear a sua filmadora.
Por ser este, de fato, um documentário, é importante se atentar a duas grandes razoes para a realização desta obra. A primeira é que precisa ser algo real – caso contrário seria um Mockumentary –, e fazer algum sentido para quem vai assistir. Romance, Drama, Suspense, embora possam fazer sentido, também, existem por existir. Um documentário precisa sempre ir um pouco mais além. E a grande pergunta é: Por quê fazer este filme?
E esta resposta que não tenho certeza se Fernanda Faya conseguiu obter. O filme, quando este termina, dá a impressão de tudo muito certinho e colocado com exatidão cena por cena. Minutos antes da sessão começar a diretora confidencia um período de 10 anos para toda a produção. Me parece tempo demais para um filme simples, que traz algumas discussões – se estas fossem levantadas de forma mais séria – como a relação amorosa entre duas mulheres em plena ditadura e, sobretudo, a visão da família sobre isso. Mas na verdade parece que foi algo que ficou colocado dentro de um baú velho com um visor. O máximo que se consegue é saber da existência de algumas coisas que tem dentro, mas nunca o inteiro teor nem do baú nem de todas as coisas que lá dentro estão.
Neirud é isso. Aquela mulher negra, alta e forte está ali, mas por mais que a diretora se esforce, e a morte dessa tia é, claro, um grande impeditivo, nunca chegamos nem perto de saber quem ela foi de verdade e qual foi a história de sua vida. O pouco que sabemos já é doloroso, é verdade, mas com certeza suas vitórias foram muito maiores do que aquelas que conseguia no ringue embaixo da lona do circo, lutando contra homens que, por muitas vezes, não admitiam ser derrotados por uma mulher.
Assim como a dupla de diretores de Desvío de Noche, Fernanda, aqui, deixa diversas lacunas. Seja por falta de material ou por opção mesmo. A conclusão é de um filme sem efeito. Existia um bom ritmo, uma boa história, mas por mais que ao longo dos 71 minutos alguns interesses tenham sido despertados – a vida itinerante do circo, o trisal, as lutas femininas e tudo isso durante a ditadura militar -, a mão da diretora acabou guiando para um lugar sem muito brilho. Para ela, talvez, uma grande homenagem, para o espectador, só mais uma história.
A MIGRAÇÃO SILENCIOSA
A Migração Silenciosa é um filme produzido na Dinamarca e dirigido por uma sul-coreana, a cineasta Malene Choi. É com certa surpresa que percebo um olhar tão crítico ao povo dinamarquês. O filme não trata disso, mas pontua diversas vezes um comportamento hostil para com o outro, sobretudo o estrangeiro. Outro ponto curioso é o fato de que este filme, sendo o que possui o próprio protagonista atrás de sua história, é aquele – considerando os três filmes vistos nesse dia – que tem uma narrativa mais passiva.
O personagem foco aqui é Carl, um jovem coreano, adotado por uma família dinamarquesa. O período contemplado neste filme é de um recorte de tempo pequeno, provavelmente as férias escolares. Com isso acompanhamos esse jovem em sua dinâmica diária de auxiliar seu pai nos cuidados da sua fazenda. São dias cansativamente iguais. E Carl vive nessa inércia, repetindo e repetindo os movimentos feitos nos dias anteriores.
Carl é um garoto tímido, silencioso até mesmo quando está sozinho e, nesse ponto, a postura do ator Cornelius Won Riedel-Clausen ajuda bastante no fortalecimento dessa personalidade. Olhar vago, rosto pouco expressivo, um personagem completamente apagado, sem cor, sem vida. Parece que sabe que aquele ali não é seu lugar, mas pouco faz para mudar esta situação. Entretanto a cena do sofá em que ele acompanha o noticiário sobre as coreias festejando os reencontros familiares é muito importante para entender como, mesmo a passos curtos, a dinâmica da casa e da família irá mudar. E a pedra misteriosa é um ponto de virada dessa chave.
A todo momento a diretora usa de diversos elementos narrativos, como por exemplo metáforas, para mostrar como ele, Carl, não cabe ali. Seja na falta de espaço em um cabideiro, ou até mesmo escondido atrás de um personagem devido ao plano que a diretora escolheu filmar.
O filme é uma espécie de autobiografia, uma vez que a própria diretora foi adotada ainda criança e viveu na Dinamarca. Talvez por isso algumas inclusões de signos, passem a fazer mais sentido ao pensarmos que todo aquele sentimento que deve ser produzido em Carl, é um reflexo do que Choi já viveu. Então quando uma pedra misteriosa cai na fazenda e Carl a leva para dentro de casa, ali estão em um lugar, o qual, eles não pertencem. Nem Carl e nem a pedra.
O ritmo do longa é bem cadenciado, uma proposta legitima para demonstrar a monotonia daquela vida que aquela família leva. Além disso é fácil notar que algumas cenas não funcionam como o esperado, transformando esses momentos em inchaços no filme. E ao mesmo tempo que a diretora julga seu público inteligente quando ela constrói uma relação entre Carl e o bezerro – no qual, este último, é tirado da mãe nos primeiros dias de vida – o julga, equivocadamente, incapaz de perceber o sofrimento do bullying, necessitando de uma cena inteira para expor o medo do personagem em um ginásio.
A verdade é que por mais que muitos elementos tenham sido utilizados neste filme, de modo a enriquecer a linguagem, a história é simples e sem grandes percalços. Até mesmo o clímax é o mais anticlímax possível, pois é neste momento que acompanhamos uma viagem transcendente que, novamente, é preciso considerar que faça mais sentido para a realizadora desta obra do que para quem a assiste.
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