CRÍTICA – LOBO E CÃO

CRÍTICA – LOBO E CÃO

PRISÃO MORAL: A DIVERSIDADE REFÉM DE UMA EXCLUDENTE SOCIEDADE

“Lobo e Cão” se configura em uma obra que apresenta a narrativa de dois amigos, Ana, um cão domesticado de uma família onde os padrões de gênero estão pré estabelecidos, e Luís, um lobo solitário e corpa que não se limita aos padrões de gênero ambos sofrem por conta das diversas violências dentro de seu seio familiar. A construção do enredo é gradual, a obra entrelaça uma narrativa de exaltação da força transgressora e ativa da juventude, fazendo o espectador se envolver e se conectar com a trama. A relação e amizade entre os personagens principais explora narrativas de liberdade, afeto e acolhimento, permitindo assim a auto superação dos personagens com as violências diárias que atravessam suas corpas.

A analogia animal permite o espectador analisar os comportamentos dos personagens principais, suas atuações são pontos basilares para a transmissão das complexidades de suas narrativas próprias, o envolvimento é emocionante pois a química entre os atores torna a amizade entre o lobo e o cão ainda mais real e pertencente. A fotografia do filme é muito bem pensada, expondo uma direção meticulosa, com enquadramentos que evocam qualidades estéticas, a forma na qual a natureza é incorporada a obra entrega beleza e ajuda na composição estética da jornada dessas corpas que possuem suas singularidades e mesmo assim escolhem abraçar suas similaridades, com efeitos visuais de boa qualidade a produção entrega um mundo visualmente agradável durante a experiência, cores quentes e frias se incorporam a trama de acordo com o sentimento dos personagens.

Ademais, a sonoplastia da produção complementa as cenas, aumentando a intensidade e a emoção, uma trilha que compõe os momentos de tensão e os momentos de descobertas da narrativa. Os personagens secundários apresentam uma interpretação que agrega a completude e significância da abordagem crítica à tradição cristã, à moral e  aos costumes defendidos por uma cosmovisão historicamente excludente, com murmurações e romarias, reinterpretações narrativas e estéticas que recaem no poder de opressão. Mantendo um equilíbrio para a dilatação narrativa, provocando o interesse em permanecer na experiência cinematográfica, com transições bem planejadas e cortes sensíveis.

 A exclusão entranhada em uma cultura que separa famílias e marginaliza corpas diversas e singulares, a produção é de 2023 e expõe problemas sociais que devem ser levados à reflexão ao confundir imposições de suposições ancoradas na religiosidade com comportamentos em sociedade, em um Estado de direito dos cidadãos que prevê a garantia de dignidade. 

A falácia de que o mundo está bom porque já foi pior intensifica a acomodação da maior parte da população apresentada que é também a maior parte marginalizada e impedida de acessar direitos básicos. “Lobo e Cão” é um filme que provoca concepções sobre respeito, empatia à natureza plural que coexiste junto a humanidade, e deixa marcas na memória de quem experiência, um convite à importância de conexões e laços que podemos exercer convivendo em comunidade. 

Assim sendo, a experiência de “Lobo e Cão” move-me para a defesa da pluralidade, ao entender corpas diferentes como formas de resistência e (re)existências a partir das possibilidades de escolher formas outras de colocar-se no mundo. O fechamento da obra implica em novos meios de germinar vida, ao entender suas corpas como protagonista de sua história os protagonistas se livram das amarras que, antes do exterior, os mesmos colocaram sobre si ao longo da vida. Os traumas os levaram a vivências perturbadoras e violentas mas ao se entender enquanto uma corpa no espaço-tempo, amarras não fazem mais sentido, causando um importante impacto emocional.

Filme: Lobo e Cão
Elenco: Ana Cabral, Ruben Pimenta, Cristiana Branquinho, Marlene Cordeiro, João Tavares, Nuno Ferreira
Direção: Cláudia Varejão
Roteiro: Cláudia Varejão
Produção: Portugal, França
Ano: 2022
Gênero: Drama
Sinopse: Ana nasceu em São Miguel, uma ilha no meio do Oceano Atlântico marcada pela religião e pelas tradições. É a filha do meio de três irmãos que vivem com a mãe e a avó. Ana percebeu cedo que as garotas têm tarefas distintas dos rapazes. Através da sua amizade com Luís, seu melhor amigo queer que gosta tanto de vestidos quanto de calças, Ana questiona o mundo que lhe foi prometido. Quando sua amiga Cloé chega do Canadá, trazendo com ela os dias brilhantes da juventude, Ana embarca numa viagem que a levará a atravessar a linha do horizonte.
Classificação: 14 anos
Distribuidor: Filmicca
Streaming: Filmicca (em breve)
Nota: 7,1

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