CRÍTICA – A PRIMEIRA PROFECIA

CRÍTICA – A PRIMEIRA PROFECIA

Se o terror comercial parece estar distante de alcançar uma qualidade cinematográfica, “A Primeira Profecia”, dirigido por Arkasha Stevenson, mergulha profundamente em suas referências para entregar uma obra envolvente. Iniciando com um terror visceral, o filme explora a violação do corpo feminino mediante composições físicas e cinematográficas que evocam uma sensação de pavor genuína. No entanto, à medida que a narrativa se desenrola, “A Primeira Profecia” vai além do simples terror, revisitando camadas mais profundas em torno de sua protagonista, interpretada por Nell Tiger Free. Enquanto o terror se intensifica nos espaços além da tela, a personagem principal confronta questões íntimas relacionadas à sua própria identidade e se questiona se realmente deseja fazer parte daquela organização de freiras. No meio de tanta rigidez e omissão, a personagem transparece leveza, mesmo que seus olhos inocentes descrevam outros sentimentos ao observar o verdadeiro mal. 

A obra aborda a questão religiosa, focalizando principalmente a perda gradual da fé ao longo dos anos, um fenômeno que se intensificou após o aumento da tolerância do Estado em relação a outras religiões. Quando a personagem principal chega ao cenário do filme, Roma, Itália, somos apresentados a um grupo de adolescentes que lutam por melhores condições, embora sejam numericamente inferiores. Ao contrário da hierarquia eclesiástica, que detém altos cargos, aqueles que supostamente perderam a fé estão demonstrando uma disposição maior para o diálogo do que uma organização que se fundamenta na referência de Jesus. Se o bispo pede para a personagem não olhar para fora do carro, os manifestantes exibem seus cartazes. 

Para romper com os clichês comuns dos filmes do gênero, a diretora opta por uma abordagem de montagem que prioriza as questões íntimas da protagonista em vez do simples foco no terror que cerca seu ambiente. Embora o terror esteja presente ao longo do filme, ele se manifesta principalmente através do confinamento emocional da personagem, que se vê obrigada a assumir diferentes identidades para se encaixar nos padrões comportamentais impostos. Essa escolha de direção permite explorar camadas mais profundas da psique da personagem, tornando a experiência do filme mais rica e complexa. Se normalmente Deus nesse tipo de subgênero está mais como observador, Arkasha grava com um drone entre os prédios de Roma com bastante instabilidade, é como se até esse ser estivesse um espaço na linguagem da diretora para expressar sua suposta fúria. 

No ponto em que o filme se aproxima do seu ápice, a diretora mistura suas referências de maneira mais explícita. Através do conflito interno do personagem ao descobrir que carrega o anticristo, vemos elementos que ecoam filmes como “O Bebê de Rosemary” (1968) e “Possessão” (1981). Embora essas referências sejam evidentes, elas são utilizadas para intensificar a abordagem contemporânea da diretora, que busca explorar o horror existencial ao longo de toda a obra. Essa fusão entre elementos clássicos e uma visão atual resulta em uma narrativa que transcende o simples gênero do terror, oferecendo uma reflexão mais profunda sobre a natureza da existência humana, e essencialmente feminina. 

A obra deixa em aberto possíveis caminhos para novas continuações, sugerindo um vasto conteúdo a ser explorado, desde a organização misteriosa até a mulher que deu à luz o anticristo e as duas crianças que nasceram. No entanto, qualquer sequência deve ser conduzida sob a perspectiva de Arkasha Stevenson. Sua abordagem distinta na direção me lembra os cuidadosos movimentos de câmera de Mike Flanagan em “Doutor Sono” (2019), mantendo um respeito pela fonte original lançada na década passada, enquanto incorpora os avanços cinematográficos mais recentes de 2024.


  Filme: The First Omen (A Primeira Profecia)
Elenco: Nell Tiger Free, Sônia Braga, Bill Nighy, Ralph Ineson e Andrea Arcangeli

Direção: Arkasha Stevenson
Roteiro: Tim Smith, Arkasha Stevenson e Keith Thomas
Produção: Estados Unidos
Ano: 2024
Gênero: Terror
Sinopse: Uma mulher começa a questionar a sua própria fé quando descobre uma terrível conspiração para provocar o nascimento do mal encarnado em Roma.
Classificação: 16 anos
Distribuidor: 20th Century Studios
Streaming: Indisponível
Nota: 8,0

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