FORTALEZA HOTEL

FORTALEZA HOTEL

Certa vez me deparei com um termo e seu conceito que soaram para mim como algo bastante inusitado: o “não-lugar”. Imagino que estejam tentando encontrar alguma racionalidade para esta palavra composta, mas vou preferir exemplificar a discorrer sobre esta expressão. Um aeroporto é um não-lugar devido à sua falta de expressividade local e por ser um espaço sem história, sem identificação e sem pertencimento.

Fortaleza Hotel (2021), novo filme do diretor Armando Praça (Greta), discorre sobre essa narrativa de pertencimento estabelecendo paralelos e diferenças entre as personagens Pilar (Clébia Sousa) e Shin (Lee Young-lan) e tudo isso ocorre em um não-lugar, o Fortaleza Hotel.

Pilar trabalha como camareira desse hotel, mas objetiva sua vida fora do país. Logo de início vemos a personagem respondendo, em inglês, a algumas perguntas que sua professora fazia. Uma simulação de como seria uma entrevista da alfândega no exterior. E o diretor faz, aqui, uma escolha ousada, pois embora o filme seja brasileiro, quase todo ele é falado em inglês. Essa opção é justamente para desenvolver a relação, peça central do filme, entre Pilar e Shin.

Shin está no Brasil devido à perda de seu marido, um hóspede do Fortaleza Hotel, que cometeu suicídio. Tentando se comunicar, vê a barreira do idioma quase intransponível. Shin se encontra perdida em um país estranho, sem dinheiro para custear sua estadia no Brasil, solitária pela falta de comunicação e sofrendo, sobretudo, pela grande perda em sua vida.

É interessante notar como o roteiro possui dilemas pontuados de forma sutil como o fato da personagem Pilar repetir diversas vezes que quer sair do Brasil, de que seu futuro não é ali, ou seja, demonstrando uma falta de pertencimento total àquele lugar que, óbvio, é o reflexo do que a vida até então lhe deu. Por outro lado a personagem Shin, mesmo sozinha em um país estranho, consegue imaginar um futuro ali, sendo inserida naquela cultura distinta, fazendo parte, pertencendo.

A solidão que recai sobre a personagem Shin é muito bem marcada pelo tom azul do quarto de hotel, pela roupa que veste e pela iluminação que a colore em algumas cenas. Sua única chance nesse universo desconhecido é Pilar. A relação que é iniciada entre elas se dá através da sororidade. Pilar compartilha um pouco da dor sofrida, talvez pelo fato de que ambas se reconhecem, pelo menos naquele momento, como mulheres sozinhas que precisam de apoio para transpor certas barreiras.

A construção da personagem Pilar é bem factível, uma mulher que mora na periferia, foi mãe aos 13 anos e cuida de sua filha sozinha. Se isso já não fosse o suficiente, ainda precisa lidar com as escolhas erradas de sua filha e é nesse ponto que há uma virada de chave. Se até então tínhamos um drama mais puro, melancólico e contemplativo, passamos a assistir um drama recheado de suspense e com o tempo jogando contra a protagonista.

Essa degradação, principalmente quando o diretor escolhe filmar algumas ruinas da cidade, incluindo um navio semi-afundado e todo corroído por ferrugem, se transforma numa metáfora para, principalmente, construir um mesmo declínio da personagem Pilar que, sem saída em determinado momento da trama, recorre a atos impensados mas justificados. Novamente ambas as personagens percebem a violência batendo-lhes a porta. Shin sofre uma dor por quem não volta mais, Pilar sofre por alguém que quer, a todo custo, manter presente em sua vida.

O longa marca bastante a sua posição sonora, usando muito os sons ambientes, principalmente, aqueles que ocorrem no extracampo. Sirenes, tiros e cantos dos pássaros. Entretanto quando a trilha sonora entra, esta não consegue ser capaz de evoluir a cena que complementa. O tom não se encaixa com o que está sendo mostrado, e mesmo na cena em que as personagens dançam, o que reflete emoção é o sentimento de cumplicidade entre elas, o abraço e a consciência de que ambas foram forjadas na dor e na dificuldade.

Assim como no filme sul-coreano de 2020, A Mulher Que Fugiu (Crítica aqui), Praça faz questão de mostrar pouco os personagens masculinos, mas quando resolve faze-lo é sempre caracterizando-os como insensíveis, violentos e egoístas. O protagonismo neste filme é todo feminino, com seus erros e acertos, da forma como a vida é. Essa escolha em mostrar a força destas personagens, que enfrentam o mundo sozinhas, é extremamente bem colocado, sendo este um dos grandes trunfos que o filme tem.

A obra possui uma mensagem importante, mas, infelizmente, sem a força suficiente para ecoar ainda mais. Conta uma história sobre duas mulheres que estão a viver um momento delicado em uma Fortaleza que é retratada sob um olhar fora dos espaços turísticos. O hotel permanece somente no título, pois ainda que algumas cenas se passem lá, mas já definido como um não-lugar, este não possui qualquer importância para trama. Fortaleza Hotel exalta a importância feminina seja através do protagonismo dado a duas mulheres ou pela forma como toda obra se desenvolve através destas personagens. Mas o desfecho pouco inspirado, sobretudo na resolução dos conflitos, comprometeu o seu alcance.


Filme: Fortaleza Hotel
Elenco: Clébia Sousa, Lee Young-Lan, Demick Lopes, Larissa Góes, Ana Marlene e Vanderlei Bernardino
Direção: Armando Praça
Roteiro: Isadora Rodrigues, Pedro Cândido
Produção: Brasil
Ano: 2021
Gênero: Drama
Sinopse: A camareira Pilar conhece Shin, uma hóspede sul-coreana. Quando os planos de ambas começam a dar errado, elas acabam se aproximando e estabelecendo uma intensa relação de solidariedade, buscando encontrar uma na outra a solução para seus problemas.
Classificação: 14 anos
Distribuidor: Vitrine Filmes
Streaming: Não disponível
Nota: 6,7

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