Eu sempre amei novelas. Desde pequeno, assisto com minha família e me divirto. Uma boa lembrança da minha infância sou eu cantando e dançando a abertura de Alma Gêmea, escrita por Walcyr Carrasco, um dos meus autores favoritos, e dirigida por Jorge Fernando, que foi um diretor esplêndido no quesito humor. Até hoje eu gosto bastante e acompanho fielmente. Pantanal, por exemplo, é um modelo recente de novela que eu me apeguei e me emocionei fortemente. Por isso, esses dias eu estava pensando o quão curiosa é essa relação entre nós, brasileiros, e as telenovelas. Lembro até hoje do dia em que passou o último capítulo de Avenida Brasil: ruas vazias, casas e bares lotados para assistir o final daquela história. Isso é fascinante! Por que há esse enorme apelo?
Primeiramente, ao pensar em telenovelas, automaticamente a palavra “simplicidade” surge na minha cabeça. Simplicidade num bom sentido. Essas produções buscam atingir as massas, então por qual motivo seriam feitos enredos lotados de metalinguagens ou tramas extremamente incompreensíveis que poderiam exigir muito dos espectadores? A linguagem é cotidiana, sem tanto rebuscamento e isso é essencial, já que aproxima o espectador dos personagens ali presentes. É bom lembrar que no nosso país o investimento em cultura é bem escasso, então, enquanto as novelas fazem sucesso e abordam os mais variados temas de forma descomplicada, a grande massa é atingida por uma mídia acessível que as influencia e cria uma bagagem cultural nos indivíduos.
De maneira principal, novela é tradição. Traição, intrigas, romances tórridos e tudo que assistimos são temas que fazem parte da vida dos cidadãos. E isso fica evidente ao pensarmos que esses conteúdos eram abordados até em mitos da Grécia Antiga, por exemplo. Deuses olimpianos traíam, brigavam e se apaixonavam frequentemente. É natural do ser humano se permitir sentir, assim como os personagens de folhetins.
Se pensarmos em novelas mexicanas, que também são grandes clássicos aqui no Brasil, como A Usurpadora, o foco, na maioria das vezes, centra-se no mundo dos ricos. Já aqui, normalmente o foco são nos problemas da classe média. Como não gostar de um protagonista que passa exatamente pelos mesmos problemas e mesmas aflições que você? Vale Tudo, por exemplo, é um grande marco da teledramaturgia. Ela abordou o tema da corrupção, falta de ética e disparidades sociais de forma tão brilhante que os espectadores se viram naquela história. Muitos podiam se enxergar na pele de Raquel, personagem de Regina Duarte, que buscava cumprir seus direitos e deveres e ascender honestamente na vida vendendo seus sanduíches na praia. Muitos podiam interpretar Maria de Fátima, interpretada por Gloria Pires, e Odete Roitman, de Beatriz Segall, como símbolos da burguesia brasileira que tinha, e ainda tem, horror à pobreza.
De acordo com o Ibope, cerca de 97% dos domicílios do país possuem pelo menos um aparelho de televisão em sua residência. Isso significa que muitos temas podem começar a ser desenvolvidos para o público através desses aparelhos. Em A Força do Querer, de Glória Perez, o tema da transexualidade foi introduzido e caiu nas graças do público. Depois dessa novela, muitos brasileiros descobriram o que são pessoas trans e passaram a compreender mais sobre o assunto. Já na mais nova versão de Pantanal, o desmatamento e a falta de preservação daquela região e seus biomas foi denunciado e trazido à tona. Isso só prova a capacidade de influência das telenovelas.
Hoje em dia, muitos podem pensar que essa influência já diminuiu muito, já que temos nossos celulares e computadores para assistir séries de streamings e vídeos nas redes sociais de forma muito mais rápida e prática. Porém, novela é algo tão tradicional, mas que se reinventa tanto que até mesmo o público mais jovem, consumidor maior das redes sociais, foi atraído por elas. Acredito até que o lockdown da pandemia do covid-19 contribuiu para que mais pessoas assistissem esses conteúdos, já que a maioria estava fazendo quarentena em casa. Logicamente, temas mais atuais estão sendo abordados, como, por exemplo, as fake news e o deep fake na atual novela das nove Travessia, que, inclusive, conta com a influencer Jade Picon no elenco principal, atraindo muitos de seus seguidores. Além disso, temos novelas feitas exclusivamente para o streaming, como é o caso de Todas as Flores, do Globoplay. Isso é inacreditavelmente bom! É o desenvolvimento de novas técnicas e linguagens para lidar com uma nova mídia e, consequentemente, um novo público. E, melhor ainda, novela com cara de novela! Sem querer competir com séries da Netflix, mas entregando o que o público quer ver com qualidade. Não à toa os personagens já estão caindo na graça dos espectadores e a novela entra frequentemente para os Trends Topics do Twitter, com seus personagens tendo “shipps” e sendo exaltados e enquanto os usuários assistem aos capítulos.
Essa capacidade de reinvenção é para poucos! É claro que essa influência enorme traz uma grande responsabilidade para os conteúdos abordados também. Posso citar aqui muitas críticas à maneira que certos temas foram introduzidos e desenvolvidos ao longo do tempo, mas o importante é que, aos poucos, acredito que muito mais assuntos urgentes serão contemplados. Eu assistirei fielmente a tudo que me interessar, afinal, amo novelas e cresci com elas. E você, o que acha?