ÉDIPO REI

ÉDIPO REI

Graças há alguns incentivos e escolhas externas – agradecimentos a uma pessoa que me direcionou a assistir exatamente esse filme – me deparei com essa adaptação de Édipo Rei, uma das obras mais clássicas do teatro grego antigo, escrita por Sófocles, que perdura e é readaptada de mil e uma maneiras diferentes até os dias de hoje.

Cinema italiano, anos sessenta. Há um charme absoluto em torno do cinema que foge da já batida indústria Hollywoodiana. O estranhamento da língua, a maneira de filmar, de interpretar, de sentir fora do convencional, que sempre fascina. A produção não possui efeitos especiais, encantando em sua simplicidade, que emana complexidade. Não há nada de épico, de grandioso, de imensidões, fora as próprias paisagens e o número de pessoas participantes das filmagens. Uma salva de palmas para os figurinos, que deixa tudo onírico, estranho, com um toque de charme que satisfaz com as tomadas criativas para adaptar uma história tão antiga quanto as próprias raízes fundadoras da Europa. Vários momentos da história são dados aos silêncios, aos pensamentos de Édipo, nós é jogado seus pensamentos em tela, tem texto, em língua! O que traz a chama do registro, do que é lido e relido pelo ocidente, tão influenciado pelas ideias greco-romanas. O diretor toma decisões que arremetam para tantos lados, que os olhos se perdem, em tentar absorver o que nós é falado, exposto e devorado na brutalidade tão realista dessa história tão tragicamente memorável.

Já desde o início, se estabelece uma conexão entre passado, presente e futuro. Vemos uma Itália recente, de roupagens tradicionais, de um país recém formado, com todo seu passado histórico em peso ali. Os símbolos, uniformes, silêncios brutos de uma nação fadada ao tão trágico fascismo que – como se observa – não foi tão superado assim. O espírito da desgraça, da catarse, do destino inexorável que os Deuses guiam a própria humanidade, nunca foi deixado de lado. Acompanhamos o nascimento do herói, em uma casa antiga, tradicional, recheada dos odores autoritários e da monarquia, os ares da formosa e decadente aristocracia. Mas, quando Édipo, é levado pelo servo do rei Laio – seu pai – o mundo sofre uma transição, caminhando para um cosmos mais antigo, mais primordial, mais essencial, donde os Mitos não eram tamanha ficção, onde a trama da realidade é tênue com o que tanto ousamos chamar hoje em dia de fantasia. A partir desse mundo brutal, desértico, carente de cores e existência, recheado de sensações tenebrosas e perigosas. Édipo é salvo pela empatia, fadado ao que foi falado aos seus pais. Matarás o próprio pai e casarás com a própria mãe. Não há como fugir, sabemos disso desde o primeiro segundo do filme, mas estamos presos, testemunhas junto do próprio herói de sua condenação.

Quando adulto, se defronta com uma verdade fragmentada e resolve buscar no Oráculo entender a si próprio, iluminar com a razão e afastar as sombras que permeiam o conhecimento do mundo. Desde, então, é visto a conexão muito bem feita com a obra original: a ignorância aqui é uma sabedoria, manter-se escondido das teias nebulosas do destino é uma salvação, não ao contrário. Édipo preso na própria caverna, salvaria a si e tantos outros das condenações que arrastaria não só a si, como toda sua linhagem familiar.

Aqui, nessa cena, com o Oráculo de Delfos, o longa-metragem arrebata de vez o espectador. Além dos figurinos criativos, estranhos e oníricos, a sequência seguinte do exílio de Édipo é tão bem executada, que me notei em pausas, observando cena por cena, perdido tanto quanto nosso protagonista. A narrativa perde sua continuidade tradicional, optando por cortes abruptos, por ciclos de cenas, de um herói que busca se perder nas trilhas da própria existência. As palavras do Oráculo o amaldiçoam de vez, por considerar que seus pais adotivos, são aqueles que irão sofrer da profecia, mas mal sabe, que nessa fuga, encontrou-se de vez nas linhas que foram tramadas por si. Nesse encontro, mata o próprio pai, liberta Tebas da Esfinge que prende a cidade e desposa a rainha prometida a quem vencesse a maligna criatura. Não há mais volta. Os próprios cidadãos de Tebas sofrem junto de seu rei, responsável por sua libertação da tirana criatura – vale ressaltar que é uma pena terem cortado o jogo de charadas, na qual Édipo vence a Esfinge através do raciocínio lógico, por uma brincadeira tão cheia de mistérios e ritos. A praga assola o reino e Édipo busca elucidar quem trouxe tamanha doença e desgraça a aqueles que lhes são tão queridos, afinal o sofrimento de um povo é o sofrimento do seu rei – bons tempos em que essa noção de honra, tradicionalismo e liderança perduravam.

O espetáculo em cenas aqui é consagrado, havendo a adaptação literal do texto da obra literária em diálogo. Ver Tirésias jogando as verdades para Édipo, a sonegação do herói e a acusação falsa sobre Creonte, os olhares desesperadamente contidos de Jocasta sua esposa e mãe, caminhando para a grande revelação onde o mundo desaba. Os gritos, o sofrimento, a catarse da conclusão arrepiam, em uma expressão da língua italiana furiosa, sofredora e tragicamente trágica!

Mas, qual é a cereja do bolo, então, na conclusão de uma história tão famosa? O que gera a sensação de originalidade?

No exílio final do herói, as realidades retornam a sofrer uma transição, jogando-nos a ver Édipo em uma Itália contemporânea, entre tudo o que há de mais moderno e tecnológico. O arrepio foi tremendo, de tomar as rédeas do corpo a ponto de relembrar o porquê da força da arte e a força de uma narrativa tão antiga quanto esta! Édipo cego, não vê o mundo, mas nós o vemos por ele, sabendo por onde caminha, por onde se exila, por onde ainda existe sem muitos o notarem. Um mundo que não sabe mais das próprias tragédias, um mundo fadado a um destino tão pesado e inexorável quanto os tantos heróis gregos que lemos, ouvimos e que foram analisados pelos psicanalistas. Quantos edifícios, casas, fiações, bondinhos, carros, locomotivas, caminhões, rodovias, aviões, tanques, armas, mísseis e bombas atômicas foram construídas e ainda assim, ainda assim a história se repete! Édipo vive dentro daqueles lugares, exala o que há de belo, de tradição, de desgraça e malignidade da própria humanidade! Se tenta fugir, escapar, enganar, mentir, manipular, para cortar as fiações com o que foi tramado, mas os Deuses, antigos, de tantos lugares, ainda vivem, ainda tramam e ainda tomam as costuras do mundo, enraizados com a própria humanidade em sua total decadência contemporânea! Édipo Rei vive, vive em sua cegueira, sem nem saber que não ver, tornou-se uma benção de um mundo dominado, conquistado e retorcido pelas sombras!

Filme: Édipo Rei
Elenco: Pier Paolo Pasolini, Franco Citti, Alida Valli
Direção: Pier Paolo Pasolini
Roteiro: Pier Paolo Pasolini
Produção: Itália
Ano: 1967
Gênero: Tragédia, Drama.
Sinopse: Baseado na tragédia clássica de Sófocles, Édipo (Franco Citti), herdeiro do trono de Tebas, foi abandonado ao nascer em um deserto, por conta de uma previsão do Oráculo anunciando que o menino seria responsável pela morte de seu pai e se deitaria com sua mãe. Édipo é encontrado por um casal de camponeses que o criam. Porém, durante sua juventude ele se encontra com o mesmo Oráculo que o conta seu destino infeliz. Sendo assim, ele foge de seus pais camponeses, acreditando serem seus verdadeiros pais, em direção à Tebas
Classificação: 18 anos
Distribuidor: Eureka Entertaiment
Streaming: YouTube
Nota: 9,0

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