BABILÔNIA

BABILÔNIA

Até o início da primeira guerra mundial o cinema estadunidense nunca tinha figurado entre os três países de maior número de produção anual. As três primeiras posições eram ocupadas, em 1913, por Alemanha, Itália e Reino Unido, respectivamente. Mas houve uma inversão completa, diretamente ligada à duração da guerra, que colocou os Estados Unidos, já em 1916, como o País que mais produzia filmes no mundo – algo que atualmente é ameaçado, se já não foi ultrapassado, por Bollywood (Índia) e China. Mas foi a partir da década de 20 que a indústria cinematográfica estadunidense passou então a dominar e ditar regras no fazer cinema, sobretudo com a chancela trazida por um nome: HOLLYWOOD.

Babilônia, novo filme de Damien Chazelle (Whiplash, La Land e First Man), é uma ode a um dos momentos mais emblemáticos da história do cinema, a consolidação dos Estados Unidos como o maior polo cinematográfico do mundo e a transição do cinema silencioso para o sonoro.

Chazelle nos primeiros minutos já deixa sua assinatura com movimentos de câmera tal qual como fora realizado em La Land – diversos vídeos espalhados no youtube mostram os bastidores do filme de 2016, em especial a cena em que Ryan Gosling toca piano e Emma Stone dança -, mas o que chama mais a atenção é a ideia do exagero em tudo o que se segue: O elefante, a tentativa de subir a colina em um veículo carregando este pesado animal, o acordo feito com um policial para que o elefante pudesse chegar ao destino final e, claro, a FESTA – evento que faria muita inveja a Baco.

Quando em uma das primeiras cenas a lente da câmera fica suja, percebemos ali que Chazelle faz questão de frisar que ele está presente, que ele também é um componente dessa estrutura de fazer acontecer o cinema. Em seu estado mais puro, com tudo conectado e sendo captado pela sua câmera, numa representação de como fora os anos 20, 30, 40 e 50, o espectador boquiaberto vai consumindo essa linha do tempo de uma forma altamente frenética.

A primeira festa é a mais extravagante de todas e me surpreende que Chazelle tenha se garantido tanto para pôr uma das suas melhores cenas já no início do filme. É, sem dúvidas, o cartão de visitas que o diretor nos mostra, informando que dali para frente não haverá pudores em tudo o que irá representar em tela. Mas engana-se quem acha que o despudor vem apenas com corpos desnudos ou simulações de sexo. O que se segue é um conto linear desde como eram feitos os filmes silenciosos em campos abertos aproveitando a luz solar, com uma infinidade de figurantes – estes cada vez mais descontentes com o tratamento que recebiam, além de algumas mortes ocorridas por pura negligência e falta de preocupação com estes personagens secundários, sobretudo em filmes de batalha -, até o cinema sonoro feito em estúdios nos quais o controle era total.

Além de lançar mão de uma de suas melhores cenas já no inicio do longa, Chazelle se mostra mais corajoso ainda ao unir todos os personagens principais nesta festa baconiana, regada a muito vinho, whisky e champagne, além de muito pó e embalada ao som de um trompete pulsante e fervoroso subindo cada vez mais o tom e elevando a temperatura. Brad Pitt está uma espetáculo com seu personagem Jack Conrad, um ator de sucesso do cinema silencioso e um fanfarrão quando está fora de cena. Impressionante como esse momento da sua carreira parece saborear mais o que a arte da dramaturgia tem a lhe oferecer. Assim como no recente Trem-Bala, vemos aqui um Brad Pitt se divertindo a cada nova cena. O desconhecido Diego Calvas com seu personagem Manoel “Manny” Torres, traz consigo uma estranheza no olhar, sentimento com o qual compartilhamos também. Ele não faz parte desse mundo, ele vive na margem, circundando, mas tem papel importante para que aquele universo não exploda em caos. Ele é um apaziguador, um solucionador de problemas, mas com um sonho, aparentemente distante, de um dia entrar em um set de filmagem. Pode parecer pequeno, mas de imediato compramos a ideia, e nossa ligação com este personagem que se torna os nossos olhos adentrando cada espaço ali, vai ficando cada vez mais forte, a ponto de termos enorme simpatia pelos outros personagens, mas é nele em quem depositamos todas as nossas fichas.

Muito se discute sobre onde Chazelle queria chegar com esse filme. Há um frenesi em cima da ideia de que o diretor abordou muitos assuntos, mas não focou e não aprofundou nenhum. Mas não me soa estranho que um filme desse diretor em particular possua um apelo artístico sobrepondo a trama. Sim, ele aborda muitas coisas como os excessos de Hollywood, a terra sem lei que era Los Angeles, a dificuldade enfrentada por muitos quando o cinema passou por uma de suas maiores revoluções, do cinema silencioso para o sonoro, mas isso tudo é devido ao recorte gigantesco que Chazelle faz nessa história que está a contar. Mas é sabido que o diretor se envolve muito mais com a experiência imediata daquilo que vemos e ouvimos. Não há como não perceber o seu afã pela banda que está presente em diversas cenas. Há inclusive uma espécie de retórica quando o personagem Sidney Palmer (Jovan Adepo) fala com Manny que o diretor estava apontando a câmera para o lado errado, numa clara alusão de que as estrelas eram os músicos. E Manny capta essa informação e se torna mais um agente de mudança do cinema.

A musica faz parte do universo cinematográfico que vem sendo construído por Chazelle. Começa por Whiplash (2014), passa por La Land (2016), traz um trabalho mais rebuscado em termos de efeitos sonoros em O Primeiro Homem (2018) e desemboca nessa mistura louca que é Babilônia. A trilha sonora é assinada por Justin Hurwitz, assim como foi em todos os outros filmes do Chazelle. Hurwitz, aqui, imprime um compasso bem acelerado na maioria das vezes em que a trilha se avoluma. Evidente que quando a obra pede um pouco menos de impacto, os arranjos suavizam e somos embalados pela musica a acompanhar o novo ritmo que o filme tomou. Esse trabalho eficaz e em fina sintonia com cada momento do filme nos envolve de tal forma que é impossível não bater os pés no tablado da sala de cinema a cada nota alta de um trompete enlouquecedor.

Babilônia possui um roteiro simples, porém com muitas ramificações, tal qual se deu a história do cinema. Não é pressuposto que os arcos ou caminhos abertos tenham que ser todos destrinchados a ponto de elucidar cada aspecto daquela passagem. Há, aqui, uma corrida que tem o ponto de partida na década de 20 e vai ser finalizada no fim da década de 50. Portanto é claro que a ideia de Chazelle aqui é nos mostrar, através do exagero, do caos, da completa noção de descontrole como foi forjada Hollywood e como o tempo, a sociedade e todas as demandas mudaram o jeito de fazer cinema. Com isso não temos claro, por exemplo, o momento da implementação do código Hays – conjunto de normas morais aplicadas aos filmes lançados nos Estados Unidos entre 1930 e 1968 pelos grandes estúdios –, mas conseguimos compreender quando o cinema começa a mudar. É essa a concepção do filme. Não tem o viés denunciador de uma época, mas se faz ser um instrumento informativo, ainda que se utilizando da ficção para tal. Mas não é exagero dizer que muito do que está ali, inclusive os personagens são em sua maioria baseados em personalidades reais, que viveram aqueles momentos encenados no filme.

Voltando para o elenco, Diego Calvas, como já citei, é o condutor do filme. É através dele que vamos atravessar todos os anos dessa história e conhecer como toda a transformação do cinema se deu nesse período de aproximadamente 30 anos. Brad Pitt é quem exercita o nosso senso de humor. Pendula entre a comédia e o drama de forma fácil. A passagem que seu personagem Jack Conrad tem com Elinor St. John (Jean Smart), uma colunista de cinema, é espetacular. Trazendo toda a ideia de eternidade do cinema e de suas grandes estrelas.

Mas este filme não seria o mesmo sem Margot Robbie. Ela é a alma de Babilônia. Difícil distinguir as importâncias tanto da atriz quanto de sua personagem Nellie LaRoy. Parece razoável pensar que uma nasceu para outra após assistir a este filme. A intensidade colocada em Nellie em toda cena em que ela está é simplesmente brilhante. E não há outro adjetivo que possa usar para quando Nellie tem sua primeira chance no cinema e precisa chorar diversas vezes, além de ter que economizar nas lagrimas a cada novo take. Ou quando, já dentro de um estúdio todo trancado, com controle de ruídos, precisa refazer diversas vezes a mesma cena, beirando a exaustão, sobretudo por conta do calor. Margot Robbie imprime um ritmo muito forte desde quando entra em cena pela primeira vez. Só é uma pena, e aí está a grande falha do filme, especificamente do roteiro, que através de sua personagem, o longa tome um rumo estranho a tudo o que vinha sendo mostrado. A visualização dos acontecimentos cinematográficos dá lugar a um ambiente comum de filmes dramáticos e com um certo suspense. Esse misto de subversão com uma saída mirabolante para um roteiro não tão astuto, ainda que sirva para nos levar ao submundo do cinema que surgia naquela época, o Underground, trai um pouco da nossa confiança com o filme. Os personagens Nellie e Manny mereciam outros finais.

Babilônia é uma experiência e tanto. Seja no visual ou no sonoro, boa parte do que Chazelle faz aqui é uma verdadeiro presente para o espectador. Tem muita técnica envolvida, seja nos closes, nos movimentos de câmera, nos contrastes, nas cores, nas notas e sobretudo no coletivo, no pensar no quadro completo. As homenagens são constantes também, as vezes por citações outras pela exemplificação da imagem mesmo. É um espetáculo, um show completo. É esfuziante poder assistir a esse filme em um tela grande. Então se querem um conselho, vão e se divirtam.


Filme: Babylon (Babilônia)
Elenco: Brad Pitt, Margot Robbie, Diego Calva, Jean Smart, Jovan Adepo, Li Jun Li, Eric Roberts, Tobey Maguire
Direção: Damien Chazelle
Roteiro: Damien Chazelle
Produção: Estados Unidos
Ano: 2022
Gênero: Comédia, Drama, História
Sinopse: No final da década de 1920, Hollywood passa por um período de grande mudança, com a transição do cinema mudo para os filmes falados. Uma grande estrela da indústria, cheia de sucessos de bilheteria, Nellie LaRoy, ascende em sua carreira, migrando com sucesso de um modelo cinematográfico para o outro. Porém, nem todos os atores têm a mesma sorte, trazendo, a inovação
Classificação: 18 anos.
Distribuidor: Paramount Pictures
Streaming: Indisponível
Nota: 8,5

*Estreia dia 19 de janeiro de 2023 nos cinemas*

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