CINEALTER 2023 – TERRUÁ PARÁ

CINEALTER 2023 – TERRUÁ PARÁ

Terruá Pará é um documentário em longa-metragem escrito e dirigido por Jorane Castro. O filme, exibido no último final de semana no CineAlter, recebeu no mesmo festival, o prêmio de melhor longa-metragem do júri popular. A produção de Castro exalta a música Amazônida, em especial a paraense, fazendo um apanhado da produção local e explora a diversidade de ritmos, referências e artistas do estado do Pará.

Para além de um documentário sobre música, Terruá Pará é também um filme sobre o povo paraense, sejam os moradores de lugares mais afastados, sejam os da metrópole Belém. Em sua introdução, a diretora nos convida a adentrar a floresta, em uma tomada belíssima no coração da Amazônia. Em uma canoa ou a pé por entre a mata densa e o mangue, nos encontramos com o núcleo da vida no norte do país. O termo Terruá, originado do francês terroir, faz referência à sonoridade única produzida através da “originalidade genuinamente paraense”.

Com entrevistas de artistas já conhecidos no cenário musical brasileiro como Dona Onete, Manoel Cordeiro, Jaloo, entre outros, e artistas locais que ainda estão construindo sua base na música, o longa de Jorane Castro exala a essência da música paraense, que se baseia na mistura de todo tipo de ritmo. Ao assistir as entrevistas dos artistas, conhecemos um pouco melhor de suas referências, que vem da música indígena, africana, a proveniente das Guianas, que fazem fronteira direta com o Pará, e outra infinidade de estilos.

O Pará tem estado em evidência nos últimos anos no resto do Brasil, seja pela sua culinária ou pela sua música, exportada através de artistas e grupos musicais como Banda Calypso, Gaby Amarantos, Dona Onete e Manoel Cordeiro e, ainda que alguns destes mencionados não sejam considerados, por parte da crítica principalmente do sudeste, como música para públicos seletos, suas músicas romperam a fronteira local, atingindo públicos não somente fora do Pará, como também fora do Brasil.

O caminho seguido pela obra de Castro segue uma linha bastante pautada nos centros mais profundos do estado, ao percorrer, principalmente as regiões afastadas dos grandes pólos, como o interior da cidade de Bragança, quando nos permite conhecer, ainda que muito pouco, da tradição oral das procissões religiosas, que são cantadas em “latim-caboclo”, dialeto criado pelos locais que levam as bençãos de São Benedito aos lugares em que a Igreja não chega.

Mesmo quando se muda de cena para a urbanidade de Belém, são as periferias que estão em evidência aqui. O tecnomelody ou tecnobrega, estilo criado no Pará provindo das festas de aparelhagem é apresentado a partir do olhar da cantora local Keila, que fala sobre suas lutas diárias e tudo aquilo que busca atingir com sua música. A terra como um personagem, seja na melodia ou nas letras das canções, aliada ao brega e ao tecno do visual da artista criam uma imagem que é, por si só, a cara do Pará.

A diversidade de estilos é tanta que em certos pontos é quase impossível dizer que os artistas que estão dando seus depoimentos são do mesmo lugar. Cada um destes artistas tem algo para dizer e expressa, através de suas músicas, vestimentas e posturas, uma identidade muito própria, que é apresentada desde o início do filme, quando ouvimos o depoimento de um pescador, que entre cantorias e falas, afirma que o paraense já nasce com o dom da música. Ao cantar sobre sua vida de pescador e o ofício passado por gerações de sua família, esse personagem inscreve sua identidade na história oral do Pará, que certamente conversa com as origens de muitas outras pessoas vindas de lá.

Como paraense vivendo longe da terra, este documentário me encheu de nostalgia e orgulho da terra. Acompanhar o crescimento de artistas provindos do Pará já é uma vitória, e poder assistir a um documentário sobre esses artistas, escrito e dirigido por uma conterrânea é ainda mais satisfatório. Não falando somente com o coração aqui, acredito grandemente que Terruá Pará é uma produção muito forte, não somente pelo tema que se propõe a explorar, mas por todo o trabalho desenvolvido na feitura do longa.

A direção de fotografia e sonoplastia são muito bem aplicadas à narrativa, e as imagens projetadas desde o início até o fim do filme acompanham o espectador mesmo depois dos créditos finais rolarem. Os sons da natureza, da água, dos galhos, do vento e das pegadas por entre as folhas inspiram à música criada na região, aliados as vivências locais, que muito tem a ver com a vida em qualquer canto. O diferencial explorado por Terruá Pará está na composição entre ambiente e sons, que juntas fazem parte de todo um imaginário local, que somente estando/sendo de lá se é capaz de entender.

Jorane Castro apresenta, em seu documentário, uma pequena parcela da diversidade infinita da arte produzida no Pará. Da música regional às guitarradas, da música pop à aparelhagem, todos estes estilos, que muitas vezes não tem nada em comum, convergem em uma cultura própria, que deve ser apreciada e respeitada. Terruá Pará é um documentário sobre o potencial criativo e artístico de uma região que aos poucos está sendo descoberta pelo resto do Brasil. Assim sendo, o recomendo fortemente a todos aqueles que queiram dar uma chance a essa cultura tão vasta que é a música paraense.


  Filme: Terruá Pará
Elenco: Dona Onete, Manoel Cordeiro, Mestre Lázaro, Sereias do Mar, Guitarrada das Manas, Pio Lobato, Keila, Jaloo, Bruna BG, Pelé do Manifesto.
Direção: Jorane Castro
Roteiro: Jorane Castro
Produção: Brasil
Ano: 2023
Gênero: Documentário
Sinopse: A partir de depoimentos de personagens fundamentais, como Dona Onete, Manoel Cordeiro, Pio Lobato, entre outros, em “Terruá Pará” a diretora Jorane Castro nos conduz a um profundo mergulho na diversidade da música amazônica, proporcionando momentos de encantamento e emoção.
Classificação: Livre
Distribuidor: Cabocla Filmes
Streaming: Indisponível
Nota: 9,0

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