Escrever sobre A Noite do Dia 12, filme que estreou nos cinemas nesse dia 12 de julho, se mostrou como um grande desafio para mim. Não que o filme seja complexo, ele não o é. Mas são tantos os caminhos pelo qual percorrer, que uma dúvida sempre pairou antes de iniciar cada parágrafo: Qual minha percepção final sobre o filme?
O diretor Dominik Moll apresenta, aqui, diversas perspectivas. E ao menos dois pontos de vista são bem evidenciados. Um domina os dois primeiros atos, e o outro se estabelece já no final do filme. A Noite do Dia 12 trata sobre a investigação do assassinato de uma jovem que foi queimada vida. Se é adotado um estilo bem direto ao demonstrar a vítima Clara Royer (Lula Cotton-Frapier) em chamas, essa forma aguda se decompõe em um texto e imagens fragmentados. Assim como o protagonista Yohan Vivès (Bastien Bouillon), o chefe do departamento de investigação, que na sua folga gosta de andar de bicicleta em uma pista de ciclismo, o filme dá diversas voltas sem chegar a lugar algum. Quando parece que o mistério sobre quem matou Clara está perto de ser desvendado, percebemos que voltamos para o escuro mais uma vez.
Os dois primeiros atos possuem uma perspectiva muito evidente. O crime: feminicídio. Os investigadores: Todos homens. Assim sendo, acompanhamos uma investigação que ofusca as mulheres. O diretor Moll com sua câmera tira, literalmente, o foco das personagens femininas e coloca o homem como o centro das atenções e, nesse momento, a investigação está mais preocupada em saber com quem Clara se deitava do que quem de fato a matou. Há apenas uma personagem feminina, neste início, que supera essa limitação determinada pelo diretor. Nanie Béguin (Pauline Serieys) era a melhor amiga de Clara. Ela serve justamente para nos apresentar quem não está mais ali para nos contar. Mas a todo momento ela é colocada como alguém prejudicial e que pode atrapalhar aquela investigação em curso. Assim é o desenho da mulher antes do terceiro ato.
Quantos aos homens, estes permanecem imutáveis. São vistos como predadores em potencial. Há uma passagem em especial em que é dito que talvez nenhum daqueles suspeitos seja o assassino, mas que, ao mesmo tempo, todos poderiam ser. Isso diz muito sobre a conduta do homem para com as mulheres. E vale também para aquela equipe de investigadores que fazem chacota do policial novato que irá casar ou o policial Marceau que se importa mais com o fato de que sua esposa conseguiu engravidar em uma relação extraconjugal de três meses, sem conseguir refletir sobre os problemas que existiam entre eles e que iam muito além do não conseguir ter um filho. O homem sempre preocupado com sua virilidade e com sua imagem perante aos outros. Moll faz esse desenho muito bem. Quando inicia o terceiro ato, o diretor, então, dá um giro de 180 graus. Inclui na trama duas mulheres. Uma juíza e uma policial que fará parte da equipe de Yohan. A juíza Beltrame (Anouk Grinberg) é a responsável por reabrir o caso, por conseguir verba para a continuação da investigação e por mostrar que a morte de uma garota de aproximadamente 20 anos não pode ser, simplesmente, esquecida.
A partir desse momento percebemos a mudança de foco. A câmera, agora, literalmente, desfoca dos personagens masculinos e foca na personagem feminina, como em uma cena que Nádia (Mouna Soualem) está em um corredor e ao fundo dois homens começam a perder o foco e ela fica em total evidência. Esta importância dada a personagem vai muito mais além. No carro, quando Yohan e ela estão à espreita esperando alguma movimentação suspeita, ela sequer pisca o olho, enquanto ele dorme profundamente. É nítida a importância que cada um dá a este caso específico.
A Noite do Dia 12 não tem o final que gostaríamos, mas passa a mensagem que são as mulheres que cuidam de mulheres. Que os homens estão preocupados com todas as outras coisas. Com suas vidas, suas carreiras, suas imagens. Todo o resto é esquecível, tal qual foi feito por Yohan ao arquivar o caso. Infelizmente, nesse caso, a vida imita a arte. O feminicídio segue levando medo e insegurança para todas as mulheres, de todas as idades. A impunidade, o corporativismo masculino e toda uma burocracia, sobretudo, a judicial ajudam os números continuarem a crescer. O Brasil segue, infelizmente, batendo recordes.
Assim como em um dos meus últimos textos, quando escrevi sobre o filme Criaturas do Senhor (Crítica aqui), aqui é possível perceber também essa organização masculina voltada para a autoproteção. Entretanto, aqui, o Yohan sempre foi colocado com um toque levemente diferente. Ele não bebe o que todos estão bebendo na festa de aposentadoria do antigo chefe. Ele se incomoda com o fato da falta de mira dos homens ao urinar – uma cena particularmente cômica -, mas ainda assim faz parte do todo e como parte, não esboça, ao menos no primeiro momento, nenhuma vontade de mudar aquele status quo a qual pertence.
Se praticamente todos os homens apresentados no longa possuem uma conduta questionável e assim permanecem, com Yohan acontece o contrário. Há uma leve mudança em seu comportamento nos dois primeiros atos, mas durante o último ato podemos ver o seu amadurecimento. Não há uma resposta clara quanto ao seu posicionamento daqui para frente, mas é fato que a forma como enxerga o mundo mudou. Se tornou aberto a novas possibilidades fora daquilo que ele tinha como verdade. Ao sair da pista cíclica do ciclismo e se abrir para uma estrada aberta, se abrem novos caminhos. Espero que em um destes o desfecho para a família de Clara Royer chegue.
Filme: La Nuit du 12 (A Noite do Dia 12) Elenco: Bastien Bouillon, Bouli Lanners, Anouk Grinberg, Pauline Serieys, Mouna Soualem, Lula Cotton-Frapier. Direção: Dominik Moll Roteiro: Gilles Marchand, Dominik Moll Produção: França, Bélgica Ano: 2022 Gênero: Policial, Drama Sinopse: Diz-se que todo investigador tem um crime que o persegue, um caso que o machuca mais do que os outros, sem que ele necessariamente saiba o porquê. Para Yohan, esse caso é o assassinato de Clara. Classificação: 12 anos Distribuidor: Pandora Filmes Streaming: Indisponível Nota: 7,0 |