O termo “ficção” dialoga com a visão artística do autor em detrimento de como encarar certa realidade. No cinema, sátiras são exercícios geralmente engenhosos de construção de cenografia em que, apenas exagerando um pouco, se obtem a noção do quão mórbida é nossa sociedade. Charlie Chaplin nos presenteu com pérolas dessa arte de reflexão, como em Tempos Modernos e O Grande Ditador, de 1936 e 40, respectivamente. American Fiction
Em mais um ano de Oscar suscetível a filmes Oscar-baits (expressão para as produções que são “iscas” forçadas de prêmios), a adaptação de romance American Fiction se coloca numa prateleira o tanto quanto sem graça. Faltando cerca de 40 dias para a cerimônia desse ano, American Fiction é o único dos indicados a Melhor Filme a não ter uma previsão de estreia nos cinemas brasileiros. E quem sabe, não faça tanta falta; se não pelo Jeffrey Wright, que em sua formidável apresentação também indicada ao Oscar, mantém assistível a produção da Amazon.
O diretor Cord Jefferson, corriqueiro em trabalhos para TV porém estreante no cinema, já vinha tentando adaptar o romance de Percival Everett (um professor negro, assim como o protagonista da história) há alguns anos, mas só agora as engrenangens giraram. Infelizmente, a baixa coesão de seu roteiro é um dos pontos que tornam a obra ser pouco relevante.
Na trama, é fundamentado o exercício comercial de que o público geral está mais interessado, genericamente, em produtos fast-foods, ou seja, que entregem o entretenimento com certa praticidade, rejeitando os trabalhos mais intelectuais e cautelosamente conbebidos, atribuindo-os menos retorno financeiro. Na trama, o professor negro de apelido Monk é um frustrado mas talentoso escritor que precisa se conformar com o fracasso de suas obras literárias, que abordam principalmente a negritude americana, em detrimento de livros que acabam estereotipando sua raça. Monk também é atento a qualquer indício que suspeite uma pessoa de ser racista.
Toda essa perspectiva não está errada. Mas o roteiro adaptado de Cord Jefferson não tem sustança a ponto de passar organicidade nas tensões raciais como faz Spike Lee, por exemplo. Além do mais, como se não bastasse um drama familiar insosso que mais faz remeter àqueles filmes esquecíveis de preenchimento de catálogo de streaming, existe uma certa difusão temática, onde diversos tópicos são cospidos na tela, porém limitando-se a breves comentários. Críticas ao mercado editorial, consumismo, violência policial, racismo e homossexualidade. Falta coesão e maior dicernimento a esta obra presunçosa.
Aproveitando-se da visibilidade, o filme também dá pinceladas de metalinguagem quanto ao próprio fato do filme ser Oscar-bait. Parece que ao invés de querer de destacar como uma obra autêntica, o filme se esforça demais como uma fraca sátira sócial para ser levado a sério. Da mesma forma, sua confiança no poder de identificação de um grupo específico de espectadores torna a obra menos corajosa do que pensa que é, encontrando-se ainda mais abaixo se calibrado de acordo com o impacto que imagina ter.
Como dito no princípio, o mérito de Jeffrey Wright torna a obra minimamente interessante, com seu jeito contido-explosivo. O personagem de Monk, de forma elegante, passa a sensação de entupimento da sociedade, sem muita paciência mas sutilmente calibrando sua angústia. O coadjuvante que se sobressai um pouco, mesmo sem muito tempo de tela, é o Sterling K. Brown, de Brooklyn 99, que tem uma presença forte em cena e uma ausência igualmente significante.
Tecnicamente, o filme lembra algum episódio para TV. O diretor conduz de forma episódica e blasé, sem se arriscar em nada e confiando na tonicidade do material base. Ainda que operante em todos os aspectos, a sensação de poeira e teia de aranha é sentida por se tratar de um filme tão comum e superficial, mas que pensa ser fora da curva. E é válido reforçar criticamente que a indústria se vale de estereótipos e lucra com isso, mas apenas abordar corriqueiramente o assunto em diálogos não significa que, ao roteirista, haja automaticamente algum mérito nisso.
Filme: American Fiction |