CRÍTICA – CASA VAZIA

CRÍTICA – CASA VAZIA

Não tenho visto tantos filmes brasileiros como gostaria, mas percebo que os que vi recentemente tratam mais ou menos dos mesmos temas e subtemas, com personagens bastante parecidas umas com as outras também. É como se os cineastas brasileiros tivessem se reunido pra fazer um único filme nota seis, seis e meio. É uma impressão. Injusta, possivelmente.

“Casa Vazia”, do ponto de vista da temática, é uma grata surpresa. Ele foge completamente do lugar-comum atual, pelo menos da média dos filmes brasileiros recentes disponíveis nas principais plataformas de streaming. E o faz também no que diz respeito ao espaço geográfico peculiar e seus habitantes, parecendo até um filme estrangeiro.

Esse estranhamento está presente já bem no início do filme, mais precisamente nos dois primeiros planos dele: um close up do rosto de um animal grande (uma vaca ou um boi); depois, logo em seguida, um plano geral longuíssimo no qual vemos um carro se aproximar e parar próximo da câmera. Ambos os planos são noturnos, bastante escuros, dificultando propositalmente a compreensão exata do que está acontecendo, da ação daqueles homens dentro e fora do quadro. Planos que desafiam o espectador ao mesmo tempo em que o convidam para uma narrativa diferente, mais refinada, tanto no conteúdo, como disse, quanto na forma — um deleite para o público mais exigente.

É na fronteira com o Uruguai que se desenrolam as ações de “Casa Vazia”, um espaço historicamente marcado pela violência, pela disputa de terra e pelo roubo de gado, principalmente. Um lugar, portanto, militarizado e predominantemente masculino onde vive Raul, o protagonista do filme.

Raul é membro da quadrilha que anda roubando gado dos fazendeiros da região. Desempregado, sem qualificação para trabalhar com os novos equipamentos da lavoura de soja, que está rivalizando com a pecuária, parece não haver outras opções para ele. Depois de regressar de mais um roubo noturno, ele encontra sua casa vazia.

Construída em meio à paisagem ampla, a pequena casa em ruínas potencializa a solidão de Raul ao mesmo tempo em que contrasta com as hélices das turbinas éolicas presentes por toda parte. Junto com as máquinas grandes da lavoura de soja, elas simbolizam o progresso industrial, a modernização do campo. Raul não acompanhou essas mudanças e, como tantos outros trabalhadores Brasil afora, ele ficou para trás. É um sujeito sem perspectiva, encurralado, abandonado pelos filhos e pela mulher, que cansou da sua incapacidade de prover a família. Raul, enfim, é um homem à beira do abismo.

Quase como num documentário, Raul sai à procura de sua família, perguntando na casa de um, na casa de outro, sem resposta. Todos parecem saber de algo que ele talvez não saiba (ou não queira saber). Uma situação incômoda posta tanto para ele quanto para o espectador. Há, portanto, toda uma circunstância complexa que envolve sua vida e a vida de sua mulher que nós jamais saberemos com exatidão. E isso, para mim, é de uma beleza incrível, não saber, suspeitar, imaginar ao meu modo. Não há didatismo. Há respeito pela inteligência e imaginação de quem assiste ao filme.

Parte da potência de “Casa Vazia” vem da escolha do diretor, Giovani Borba, em trabalhar com não-atores, preservando assim o modo como se expressam, o jeito característico dos habitantes daquela região fronteiriça e inóspita. Com isso, ele consegue também captar de modo bastante convincente o tempo estranho e específico do grupo de pessoas que vive ali, a melancolia e o silêncio no qual todos estão imersos. O filme é uma bela experiência. Muito boa mesmo.

Nota: texto revisado por Vanina Cruz.


Filme: Casa Vazia
Elenco: Hugo Noguera, Araci Esteves, Nelson Diniz, Roberto Oliveira, Lucas Daniel Soares Rodrigues, Mariton Alves Correa
Direção:  Giovani Borba
Roteiro:  Giovani Borba
Produção: Brasil
Ano: 2023
Gênero: Drama/Western/Fantástico
Sinopse: Raúl é um peão desempregado e pai de família que vive numa casa isolada na imensidão solitária dos campos. A mão de obra tradicional da lida no campo já não serve mais aos patrões, donos das terras. A paisagem de imensas pastagens com o gado estão sendo sobrepostas por gigantescas lavouras de soja. Assolado pela pobreza e a falta de trabalho, ele se junta à outros peões para roubar gado durante a escuridão das noites no campo. Ao retornar de mais uma madrugada, encontra sua casa vazia; sua mulher e filhos desapareceram.
Classificação: 14 anos
Distribuidor: Panda Filmes
Streaming: Indisponível
Nota: 8,6

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