CRÍTICA – BIZARROS PEIXES DAS FOSSAS ABISSAIS

CRÍTICA – BIZARROS PEIXES DAS FOSSAS ABISSAIS

Bizarros Peixes das Fossas Abissais (MARÃO, 2024) leva o espectador à vida de uma mulher (Natália Lage) com estranhos poderes. Ela e sua parceira, uma núvem (Guilherme Briggs) com incontinência urinária, estão em uma missão atrás de um mapa. De frente com uma situação que parece quase impossível, surge uma nova luz quando a dupla conhece uma tartaruga (Rodrigo Santoro) com Transtorno Obsessivo Compulsivo.

A mudança dos traços em Bizarros Peixes das Fossas Abissais

Independente do que se possa falar sobre Bizarros Peixes das Fossas Abissais (MARÃO, 2024), uma coisa é inegável: é um filme visualmente lindo. Assim sendo, tem consciência de sua beleza, e quer aproveitar ao máximo seu aspecto visual. Desse modo, Marão desenvolve uma certa brincadeira com a animação e o som do filme.

Isto é, o diretor modifica os traços em contextos específicos, para conciliá-los com uma proposta diferente a depender da situação dos personagens. Como, por exemplo, nas trocas de ambientação. Ou seja, a cada vez que os personagens visitam um local diferente, como outra cidade, os traços daquele cenário mudam.

Dessa forma, é como se Bizarros Peixes das Fossas Abissais (MARÃO, 2024) se esforçasse para retratar características específicas e pontuais daqueles lugares através de detalhes na maneira como eles são desenhados. Assim sendo, cada cidade adquire uma (bela) identidade visual única.

O brilho da memória

Outro momento onde a obra se apropria bem da ludicidade da imagem são as cenas onde a vida do avô é retratada. O homem possui a Doença de Alzheimer, portanto, quando seu cotidiano está em foco, o filme perde cor. Dessa maneira, temos nesses momentos uma animação mais simples, similar a uma charge de jornal. Tal efeito retrata bem uma espécie de perda de brilho que o personagem sente devido à sua condição.

Quando lida com tal personagem, Bizarros Peixes das Fossas Abissais (MARÃO, 2024) também discursa uma mensagem bonita sobre a importância da memória. A saber, para Marão, a memória é o que nos torna quem somos. Por conseguinte, somos tudo o que fizemos, quem conhecemos, os momentos que vivemos. Em virtude dessa frontalidade com o discurso, a questão imagética desses momentos (a perda da cor) ganha ainda mais força.

Bizarros Peixes das Fossas Abissais exagera na sua força

Entretanto, nem sempre essa brincadeira com o visual funciona. Ou, melhor, funciona até certo ponto; em outros, perde sua potência através do exagero. Logo que os personagens visitam as fossas abissais que dão nome ao filme, a obra realiza mais uma de suas brincadeiras. De início, é bem interessante. O diretor concebe à essas cenas uma certa maluquice visual bem coerente com a proposta do fundo do mar.

Contudo, Bizarros Peixes das Fossas Abissais (MARÃO, 2024) parece se empolgar tanto com aquela nova ambientação que se perde na sua animação. Em outras palavras, o que de início era excitante e novo, se torna cansativo. Decerto, tal efeito se dá justamente pela exaustão com que o filme se aproveita do visual desta ambientação.

Perda da motivação

Assim sendo, quando o filme se encontra no fundo do mar, ele dedica minutos e minutos, e minutos, e minutos, e minutos, apenas para um certo show visual. Dessa maneira, o espectador é deixado para apenas observar uma certa pirotecnia da imagem — por muito tempo. 

Essa brincadeira com o que é visto se estende tanto que soa até como se, por algum tempo, o filme se esquecesse do que estava fazendo ali. Por qual motivo os personagens estão no fundo do mar mesmo? Eles desceram aqui pra que? Tinha que fazer alguma coisa, não era? Nossa, olha que peixe bonito esse aqui, hein! E aí cansa, e quanto o espectador acha que vai acabar e retomar a jornada, cansa mais um pouquinho.

Recusa ao som

Ademais, Bizarros Peixes das Fossas Abissais (MARÃO, 2024) também brinca com sua sonoridade, principalmente como uma forma de tentar potencializar sua imagem. Isto é, acaba existindo uma certa recusa ao som da parte do filme. Esse feito é bem nítido no momento citado ao fundo do mar. Sobretudo pois, metros e metros abaixo da superfície, os personagens não conseguem nem falar.

Todavia, essa recusa se estende pelo filme todo. Dessa maneira, a trilha sonora consegue se suprimir o suficiente para não roubar o destaque em nenhum momento, e permitir com que quem está assistindo possa focar completamente na questão visual.  E, até mesmo quando existe diálogo, eles são extremamente diretos. Isto é, além de as falas serem escassas, elas vão certeiras ao ponto. Quase não existem os momentos onde se esticam. O personagem falou o que precisava ali rapidinho, e acabou.

Bizarros Peixes das Fossas Abissais peca pelo excesso novamente

Contudo, assim como na brincadeira visual, soa meio excessivo. Por ora, a sonoridade emprega bem sua função e deixa aquelas imagens mais fortes. Por ora, ela apenas irrita. Sobretudo pois parece que algumas falas de Bizarros Peixes das Fossas Abissais (MARÃO, 2024) propositalmente não querem ser compreendidas. São atiradas com tal velocidade da boca que mal dá pra entender o que saiu ali.

Também parece haver um certo problema de consistência entre o trio principal nesse sentido. Enquanto que as dublagens de Guilherme Briggs e Rodrigo Santoro são cheias de personalidade — e até meio caricatas — Natália Lage soa bem apática. Parece como se Marão tivesse requisitado à ela a voz com menos emoção possível para a personagem (que ironicamente é quem tem uma dramatização maior na narrativa).

Menos é mais

Sobretudo ao pensarmos que Bizarros Peixes das Fossas Abissais (MARÃO, 2024) é uma obra com uma veia humorística muito forte, voltada para o nonsense. E então, às vezes o espectador ouve uma piada (que até poderia ser boa) que, ao ser lançada com a entonação mais apática que Natália Lage conseguiu fazer, perde totalmente a graça. Analogamente, o caráter cômico da personagem dela também se esvai ao longo da obra, pois Marão parece ter uma estranha, e potente, fixação com bundas. É piada com bunda pra lá, é piada com bunda pra cá. Na primeira foi engraçado. Na vigésima?

Em suma, Bizarros Peixes das Fossas Abissais (MARÃO, 2024) perpassa como uma obra que tem ótimas idéias e sabe disso. Sabe tanto disso que se empolga e utiliza-as tanto que consegue deixar cada uma delas cansativas. A brincadeira com a imagem começa legal e cansa. A recusa ao som é iniciante mas se exaure. O humor é engraçado mas perde a graça. Afinal, é um filme que peca pelo excesso. Poderia ser muito mais se fosse muito menos.

Pôster do filme "Bizarros Peixes das Fossas Abissais", de Marão. Filme: Bizarros Peixes das Fossas Abissais
Elenco: Natália Lage, Guilherme Briggs, Rodrigo Santoro
Direção: Marão
Roteiro: Marão
Produção: Brasil
Ano: 2024
Gênero: Animação, comédia, drama
Sinopse: Uma mulher com poderes estranhos, uma núvem com incontinência urinária e uma tartaruga com Transtorno Obsessivo Compulsivo partem em uma missão atrás de um misterioso mapa.
Classificação: 10 anos
Distribuidor: Boulevard + Vitrine
Streaming: Indisponível
Nota: 4,0

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