O cenário da indústria em Hollywood, atualmente, não abre espaço para meio termos. Não existem mais os chamados “médios orçamentos” (entre $ 30 milhões e $90 milhões) – tão corriqueiros na Nova Hollywood até o fim dos anos 70. O que temos hoje é o interesse dos estúdios em grandes “filmes-evento”, com exorbitantes orçamentos, configurando-as assim como negócios financeiros que gerem a promessa de um retorno bilionário aos cofres. Esse processo diminui a quantidade de filmes produzidos (já que, ao invés de distribuir, por exemplo, $ 200 milhões em 4 filmes, apenas um é feito, com a expectativa de torná-lo um evento fenômeno) e remove consideravelmente a autoralidade das películas, já que o tom comercial deve ser inegociável. Ou é isso, ou o diretor deve ralar e, com garra, promover parcerias e gerar um barato Aftersun (2022), por exemplo. GODZILLA E KONG: O NOVO IMPÉRIO
No último mês, entretanto, algo chamou a atenção: a academia do Oscar promoveu o prêmio de Melhores Efeitos Visuais para o longa japonês Godzilla: Minus One, que, pasmem, custou míseros $ 15 milhões. Com uma equipe tímida, talentosa, e fora das amarras de estúdio tradicionais, levantou com orgulho a estatueta e com isso incendiou a discussão: é correto desqualificar a oportunidade de diversos diretores em detrimento à segurança financeira?
E pois bem, sem as algemas criativas da metodologia mercadológica americana, o citado Godzilla: Minus One, por mais imperfeito que seja, une ação com uma relevante pegada folclórica que enriquece drama e escala visual em uma obra que entretém e qualifica uma bela entrada na cultura mítica do Godzilla – que com sua radioatividade e incidência catastrófica, remete aos pavores que o povo japonês passou com a criação de Oppenheimer – e além das bombas, os tremores que sugerem a aproximação da criatura, remetem aos enervantes momentos em que um terremoto se inicia. A coisa é ainda mais bela quando, após destruição e sangue, o povo não deixa de estender a mão para si e a estar disposto a reconstruir.
Mas esqueça tudo. Menos de um mês depois, custando $ 135 milhões, a Warner Bros. te apresenta… Godzilla x Kong 2 – dessa vez, com cenas no mundo inteiro, incluindo no Rio de Janeiro, para que a máxima incidência global midiática possível leve as massas aos cinemas de Shopping para contemplar os monumentos e maravilhas arquitetônicas de seus países destruídos por monstros em prol da… em prol da demarcação de seus territórios, afinal, são seres irracionais.
Mais uma vez dirigido pelo americano que passou anos de sua carreira no cinema de baixo orçamento, sendo notoriamente considerado por ter criado a franquia terror found-footage V/H/S, Adam Wingard aqui tem no máximo uma ou duas coisas que comprovem que, ao menos, não foi uma inteligência artificial que dirigiu o filme. O diretor tenta inserir uma pegada oitentista à algumas cenas, como naves não verossímeis que decolam ao som de uma discoteca eletrônica. Mas a prolixa e propositalmente exagerada manifestação mitológica do roteiro coescrito pelo criador de Piratas do Caribe, Terry Rossio, que mistura diversas culturas e insere maluquices que sequer dão para reclamar, dada a maneira lúdica e fantasiosa que são tratadas, como a Terra Oca e os portais que levam a qualquer lugar do mundo, se exaustam em um mar de mesmices e breguices que não deveriam mais se repetir. Nenhuma repetição justifica nem mesmo o motivo da sequência. Um motivo aleatório leva os monstros à saírem da Terra Oca, e uma ligação mais aleatória ainda faz os humanos partirem numa missão Jumanji.
Em termos de noção de produção, muita coisa é antiética aqui, como o tratamento com os atores, em especial do talentoso Brian Tyree Henry, que teve seu carisma contemplado na indicação ao Oscar 2022 pelo filme Causeway, e no mesmo ano, num papel divertidíssimo e bem aproveitado na ação Trem-Bala com Brad Pitt. Em Godzilla x Kong, em respeito ao ator, não vale sequer a pena comentar a vergonha alheia que seu personagem promove. Os diálogos, ou têm o humor baseado na escrita de uma inteligência artificial, ou numa criança de 7 anos. Chega a ser triste ver um bom ator entregue a esse desrespeito. Da mesma forma a atriz mirim surda-muda Kaylee Hottle. A pequena Kaylee é talentosa, mas é forçada pelo seu diretor a manter as mesmas expressões faciais e a não se desenvolver respeitosamente, resumindo-a a um sexto sentido caricato. Não é exagero, portanto, dizer que literalmente, todos os personagens de Godzilla x Kong já existem, são apenas caricaturas reprisadas numa obra que bateria 100 de 100 requisitos sessão da tarde – incluindo o piloto loiro e descolado, a cientista séria, o medroso, etc.
Tecnicamente, os efeitos não impressionam. O Rio de Janeiro, apesar de ter o prédio da Petrobrás destruído pelo King Kong (numa ironia cômica e lamentável) é uma cidade feita no computador, com diversas plasticidades genéricas. As cidades do filme são mortas, falsas e acinzentadas – isso quando um Neon artificial e 100% digital não é abusado em tela. Existe um problema gravíssimo de escala aqui. O King Kong e seu aprendiz mirim, um novo personagem primata, enquanto estão na Terra Oca, têm claramente seus pés do tamanho de árvores. Ou seja, são gigantes. Mas quando vêm para Terra, Kong é da mesma altura que as pirâmides do Egito: que são insanamente e dolorosamente destruídas mais uma vez de forma aleatória (a mesma aleatoriedade das locações).
Ainda que um novo vilão (um primata ruivo e maníaco) seja divertido e passe realmente alguma ameaça, infelizmente toda as instalações ao redor do longa são demasiadamente infantis. O filme todo é infantilizado, na bem da verdade, como na colossal irreverencia e inconsequência em destruir o mundo, como na imaginação de uma criança que brinca com seus bonecos. As “reações” dos primatas e dos monstros no geral, são como as de desenho animado. E até as reações dos humanos são como as de peças infantis. Tudo muito à toa, e logo se torna bárbaro de tão tosco e de se acreditar que um longa tão repetitivo e tão idêntico à vários outros esteja acontecendo.
Portanto, é importante reconhecermos que as dinâmicas de produção em Hollywood são demasiadas capitalistas, e excluem o potencial mais subjetivo e diversificado de seus longas-metragens. Godzilla x Kong 2 é sem essência, sem nada memorável, e que só reforça a necessidade do protesto contra o fim dos possibilitadores filmes de médio-orçamento. Que no futuro, essas conformidades cinematográficas redundantes e desrespeitosas sejam finalizadas. Até lá, vamos deixar os filmes de monstros com os japoneses, eles que realmente entendem e demonstram carinho genuíno pelo material, e pelo cinema.
Filme: Godzilla x Kong: The New Empire (Godzilla e Kong: O Novo Império) Elenco: Rebecca Hall, Kaylee Hottle, Brian Tyree Henry, Dan Stevens, Fala Chen. Direção: Adam Wingard Roteiro: Terry Rossio, Simon Barrett, Adam Wingard e Jeremy Slater. Produção: Estados Unidos Ano: 2024 Gênero: Ação, Aventura, Ficção Científica, Fantasia Sinopse: Depois que uma fenda entre a Terra Oca e a superfície é aberta, os monstros dessa prolixa mitologia precisam confrontar se para adquirir soberania de poder. Classificação: 12 anos Distribuidor: Warner Bros, Legendary Pictures Streaming: Indisponível Nota: 3,0 |