CRÍTICA – GODZILLA: MINUS ONE

CRÍTICA – GODZILLA: MINUS ONE

Desde sua criação no pós-guerra, pelas mãos de Tomoyuki Tanaka, Ishirō Honda e Eiji Tsuburaya, como uma espécie de manifestação do medo das armas nucleares, o Godzilla se tornou um grande ícone da cultura pop (com direito a estrela na Calçada da Fama). Logo no final dos anos 90, o monstro ganhou a sua primeira adaptação americana e hoje é o principal nome da franquia MonsterVerse, que engloba o lagarto atômico e o King Kong. Por mais que esses blockbusters tenham popularizado ainda mais o personagem para uma nova geração, estes, de certa forma, também esvaziaram a discussão central em torno dele ao focar nas lutas de criaturas gigantes e tramas vazias do que nos subtextos do material base. Felizmente, obras oriundas do Japão, como Shin Godzilla e mais recentemente Godzilla: Minus One se aproximam muito mais do clássico de 1954 e seguem contando histórias empolgantes e recheadas de conteúdo centradas na figura do Rei dos Monstros.

Em Minus One, acompanhamos um piloto kamizake (Ryunosuke Kamiki) chegando na Ilha Odo após alegar que seu avião deu defeito e não conseguiu realizar a missão. Lá descobrimos que na verdade Kōichi fugiu do seu dever e é culpabilizado pela derrota do Japão e sendo chamado de covarde. O seu pesadelo aumenta quando, na mesma noite, a base japonesa é atacada pelo Godzilla e ele, novamente, não consegue salvar seus companheiros. Ao ser enviado de volta ao Japão em 1946, pós término da guerra, ele vê que seus pais faleceram nos bombardeios de Tóquio e agora o sentimento de culpa por ter sobrevivido o assombra mais do que qualquer monstro. Sozinho, ele passa a morar com Noriko (Minami Hamabe) e uma criança órfão resgatada pela mulher. 

Neste cenário, o diretor e roteirista Takashi Yamazaki faz o que ninguém conseguiu fazer em nenhum filme do MonsterVerse: dar propósito ao núcleo humano. Na esmagadora maioria das vezes, os personagens humanos são apenas ferramentas e isentos de qualquer profundidade e de um desenvolvimento atrelado a história – parece que eles estão lá apenas para poderem escalar atores de ponta como chamariz do projeto. A exploração da síndrome de sobrevivente de Kōichi certamente é um dos pontos altos da trama de Godzilla: Minus One. A ação, por outro lado, não fica atrás. As invasões do monstro à costa japonesa, a perseguição no barco e o confronto final são eletrizantes. A maneira em que o diretor de fotografia Kōzō Shibasaki filma estas passagens é simplesmente magnífico; apostando num jogo de escala entre o monstro e os edifícios, por exemplo; sempre colocando-o em perspectiva com algo para mostrar a sua grandiosidade. 

Para alcançar tais méritos, precisamos falar do feito dos especialistas de efeitos especiais, que fizeram um trabalho primoroso com um orçamento menor do que 15 milhões de dólares, e deixando o seu longa muito melhor acabado do que Quantumania e The Flash, por exemplo. Não me surpreenderia caso o filme japonês beliscasse uma vaguinha no Oscar, principalmente por conta do vácuo deixado por Oppenheimer que não foi listado na shortlist.

Com um fio narrativo muito claro, Yamazaki consegue explorar muito bem o contexto pós-guerra no Japão sem precisar recorrer a literalidade do que aconteceu, pois os dramas do protagonista e os ataques do Godzilla fazem isso através do peso alegórico que é colocado em cima de cada um. Se Kōichi representa todo um povo, o Rei dos Monstros é esse medo encarnado da destruição. Mas o mais interessante é que o diretor não se contenta em apenas readaptar as mensagens do clássico, mas busca discutir algo mais profundo: como tirar o Japão “abaixo do zero” (como o título do filme indica)? Ainda que Minus One siga uma clara mensagem anti-guerra, a solução está na força interna – uma abordagem bem Studio Ghibli. Para o Japão voltar a prosperar como uma nação e deixar para trás os escombros do confronto, eles devem trabalhar juntos para vencer esse medo (sem ajuda nos Estados Unidos, que se recusa a prestar auxílio ainda que a criatura tenha crescido graças aos testes nucleares realizados no Atol de Biquini).

Godzilla: Minus One é sobretudo um filme nacionalista, pois exalta a população japonesa – num sentimento de colaboração – enquanto celebra o aniversário de 70 anos de um personagem símbolo do Japão, mostrando que o país segue fazendo as melhores produções centradas no personagem; como também funciona como um resgate as origens em meio aos lançamentos pasteurizados de Monarch: O Legado dos Monstros e do trailer de Godzilla x Kong: O Novo Império (com estreia marcada para a primeira metade de 2024). Em uma entrevista ao The Washington Post, Spike Lee comentou que gostaria de ter visto o ponto de vista dos japoneses em Oppenheimer acerca dos ataques. Minus One pode não ser tão direto, mas, no final das contas, é a produção que melhor traz à tona a visão dos japoneses para com os bombardeios de Hiroshima e Nagasaki e o desenrolar da Segunda Guerra Mundial. 


Godzilla Minus One - poster
Filme: Godzilla: Minus One
Elenco: Ryunosuke Kamiki, Hidetaka Yoshioka, Minami Hamabe, Kuranosuke Sasaki, Yuri Yamada, Saki Nakatani, Munetaka Aoki, Mio Tanaka e Sakura Ando
Direção: Takashi Yamazaki
Roteiro: Takashi Yamazaki
Produção: Japão
Ano: 2023
Gênero: Terror | Ação | Guerra
Sinopse: Em um Japão devastado social e economicamente após o término da Segunda Guerra Mundial, a situação chega a um nível ainda mais crítico quando uma gigantesca e misteriosa criatura surge do mar para assolar o país.
Classificação: 12 anos
Distribuidor: Sato Company
Streaming: Indisponível
Nota: 8,0

 

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