CRÍTICA – HOMEM-ARANHA: ATRAVÉS DO ARANHAVERSO

CRÍTICA – HOMEM-ARANHA: ATRAVÉS DO ARANHAVERSO

Homem-Aranha: Através do Aranhaverso segue uma tendência de várias continuações: ser maior, mais ambicioso e, no caso, em especial, ainda mais referencial do que o filme anterior, que por si só já carregava essas características “grandes” de modo extrapolado. Ora, Homem-Aranha no Aranhaverso conquistou uma enorme unanimidade quando foi lançado, por esse misto de encanto com a “revolução” de trazer diferentes estilos e formas de animação em um mesmo quadro durante um pouco mais de 90 minutos, junto à “novidade” de apresentar o conceito de multiverso em filmes de herói no ápice de apelo do gênero com os crossovers de vários personagens em quadrinhos.

Ah, claro, a rogativa de juntar toda a mitologia de um dos heróis mais populares de todos os tempos, em um discurso representativo de que “qualquer um” poderia ser ele, certamente teve sua colaboração para ampliar a aclamação do projeto, que venceu o Oscar de Melhor Animação no seu ano de lançamento. Observando do agora, cinco anos desde sua estreia, essa vitória na Academia diz muito sobre como os méritos do filme passavam muito por um olhar oportuno que o trio de animadores Rodney Rothman, Peter Ramsey e Bob Persichetti (que roteirizam esse) tinham acerca das tendências circundando o seu período, e como a criatividade na sua elaboração estava condicionada a uma leitura prévia de seus prováveis impactos em tempo curto.

Para exemplo de comparação, enxergo muitas semelhanças entre Aranhaverso e o primeiro Toy Story. Os dois filmes meio que sabiam que, quando lançassem, iriam chacoalhar a indústria e apresentar a nova tendência do que seriam as animações futuras, só precisavam preencher essa “revolução” com uma narrativa que facilmente convencesse a geração de seu tempo de que o encanto em tela não era unicamente dado pelo deslumbre da novidade técnica. É só perceber que até o uso do 3D ser seguido por outros grandes estúdios depois de Toy Story, a Pixar era referência de qualidade e criatividade. Depois, em meados de 2010 quando o 2D praticamente passou a ser extinto, o estúdio começou a ser questionado e dito como “não tão inovador como era antes”. Um rótulo que não tem origem numa questão necessariamente envolvendo criatividade narrativa, mas porque no cenário o fator do 3D não era mais exclusivo, dando a impressão de cada novo filme ser “mais um” no meio de tantos que aderiam a mesma técnica.

Se considerássemos que Toy Story de 1995 fosse lançado hoje, em termos de construção narrativa, ele estaria condenado aos mesmos julgamentos que outras animações recentes da Pixar. Melhor, nas devidas proporções, ignorando as inovações técnicas da animação e levando em conta o contexto de cada época em que foram lançados: Toy Story e Aranhaverso seriam basicamente filmes para “vender boneco”.  Não obstante, conforme as continuações e outros filmes da Pixar evoluindo a técnica 3D ao ponto de não ser mais uma “preocupação”, a franquia Toy Story pôde olhar para seus brinquedos para além de um apego capitalista dos humanos vivendo aventuras para as crianças, humanizando-os individualmente.

Algo similar ocorre em Homem-Aranha: Através do Aranhaverso. Ainda que a tendência da mistura de técnicas seja nova, a Dreamworks, em 2022, com Os Caras Malvados e Gato de Botas: O Último Pedido, já apresentou filmes que vão além do experimentalismo e exibicionismo técnico e têm consciência de utilizá-las a favor do aprofundamento da narrativa e dos personagens. Ao contrário do primeiro Aranhaverso, em que a tudo parecia uma desculpa para o filme poder logo sair brincando e usufruindo referencialmente com as possibilidades do multiverso e do imaginário popular do aracnídeo, nesse segundo, a técnica, bem como no dueto da Dreamworks, não chama a atenção para si, performando realmente como uma ferramenta imagética dentro da construção emocional da história.

História que, além de melhor elaborada, está mais a serviço dos seus personagens principais do que aos “services” de ver milhões de Homens-Aranhas e vilões diferentes juntos e dar “orgarmos” aos fãs. Embora ainda exista o forte incentivo à caça aos “easter eggs” – entre aspas porque praticamente a cada nova aparição, um letreiro explica exatamente qual e de onde vem cada versão do Aranha que está aparecendo, ou seja, deixam de ser “ovos” (referências) escondidos que só alguns irão encontrar –, momentos de “pausa” para o público aplaudir em determinadas participações e a necessidade de atropeladamente replicar e/ou criar memes com inusitadas variantes, na maior parte da duração, essas superficialidades ficam em segundo plano e não incham o filme.

Há mais tempo dedicado para minúcias dramáticas dos protagonistas, momentos reservados para valorizar as suas conversas, observar as sutis demonstrações de sentimentos nas expressões durante os silêncios, comunicar esses sentimentos através da exposição expansiva das cores em artifícios onomatopeicos, contemplar os enquadramentos e os detalhes nas transições entre os diferentes tipos de animações. O novo trio de animadores (Joaquim Dos Santos, Justin K. Thompson e Kemp Powers) possui um olhar estético até mais aguçado, tanto para a criação de mundo, com cenários mais variados e jocosos do que os vistos no primeiro, quanto para as cenas de ação, ainda mais fluidas, interativas e de uma grandiloquência espalhafatosa bem empolgante que lembra as melhores batalhas de animes shonen.

O roteiro, em contrapartida, se esforça para usar a concepção do multiverso da maneira mais restrita possível, buscando amarras que encaixam com naturalidade as necessidades das jornadas dos protagonistas, sem deixá-lo solto ali no meio da história como uma terra sem lei, mas também sem diminuir suas possibilidades fantasiosas e margens de expansão. Inclusive, uma das mais interessantes está na maneira como estabelece regras sobre a natureza igualitária dos Homens-Aranhas. É colocado que existem momentos, denominados “eventos cameo”, por quais todo Homem-Aranha precisa “passar” para se tornar o herói – a exemplo de perder um ente querido, vulgo, em maior parte dos universos, o Tio Ben – e que não podem ser alterados para manter o equilíbrio do multiverso.

Quando essa ideia dita como imutável é questionada para uma mudança a fim de levantar o principal conflito na história, desconstrói-se a banalização levantada pelo filme anterior que juntava seus Homens-Aranhas para uma terapia coletiva de superações de traumas em comum. Miles Morales e Gwen Stacy, especialmente, deixam de ser o “Homem-Aranha Negro” e a “Mulher-Aranha” e passam a ter backgrounds personalizados e condizentes com a especificidade do que é ser o “Homem-Aranha” para cada um, sem, contudo, anular as bonitas conexões que carregam e os fortalecem por serem seres semelhantes – o romance dos dois funciona muito bem. Não que eles não tivessem um background anteriormente, mas nessa continuação, suas versões soam menos cotistas no fator identificação do mantra do personagem.

A presença de Miguel O’Hara como Homem-Aranha 2099, como artifício de roteiro, para além de ser um professor da lógica do multiverso e fator crível para a existência da Sociedade Aranha, também torna-se fundamental para alavancar o dilema de escolha e conflitos internos que ambos, como protagonistas da história, precisam ter – vale destacar que o ótimo vilão “Mancha” também oferece esse alavanque, mas não dá para entrar em detalhes do personagem por questões de spoilers. Uma pena que no ápice do arco dramático do trio, o filme precise “parar” e gerar gancho para uma segunda parte que possivelmente irá se iniciar desvencilhando a excelente crescente do terceiro ato daqui para o clímax da história e tirando o peso da inteligente reviravolta colocada.

Por mais que Homem-Aranha: Através do Aranhaverso tenha sido originalmente anunciado em duas partes, quando a divisão passou a não estar mais exposta em título e o terceiro capítulo ganhou seu próprio nome, a sensação era a de que cada filme teria seu próprio início, meio e fim e que funcionariam como início, meio e fim de uma trilogia. Olhando em retrospectiva como a primeira parte de duas, momentos especiais ganham uma cara meio episódica, como se estivessem ali mais para estender a história e poder dividi-la em dois do para que proporcionar desenvolvimentos a serem espelhados no próprio filme. Apesar de carregar essas falhas já comuns encontradas em desfechos divididos, Através do Aranhaverso está mais para aquele filme de meio de trilogia que evolui em tudo em relação ao anterior do que somente boa preparação de fim de saga.

Obs.: não há cena pós-créditos.


Filme: Spider-Man: Across the Spiderverse (Homem-Aranha: Através do Aranhaverso)
Elenco:Shameik Moore, Hailee Steinfeld, Brian Tyree Henry, Luna Lauren Vélez, Jake Johnson, Jason Schwartzman, Issa Rae, Karan Soni, Daniel Kaluuya, Oscar Isaac, Greta Lee, Rachel Dratch, Jorma Taccone, Shea Whigham, Andy Samberg, Amandla Stenberg, Mahershala Ali
Direção: Joaquim Dos Santos, Kemp Powers, Justin K. Thompson
Roteiro: Phil Lord, Christopher Miller, Dave Callaham
Produção: Estados Unidos
Ano: 2023
Gênero: Animação, Super-herói
Sinopse: Miles Morales retorna para o próximo capítulo da saga do Aranhaverso, uma aventura épica que transportará o Homem-Aranha em tempo integral e amigável do bairro do Brooklyn através do Multiverso para unir forças com Gwen Stacy e uma nova equipe de Homens-Aranha para enfrentar com um vilão mais poderoso do que qualquer coisa que eles já encontraram.
Classificação: Livre
Distribuição: Sony Pictures
Streaming: Indisponível
Nota: 7,0

 

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