CRÍTICA – JAIR RODRIGUES: DEIXE QUE DIGAM (+ Coletiva de Imprensa)

CRÍTICA – JAIR RODRIGUES: DEIXE QUE DIGAM (+ Coletiva de Imprensa)

Jair Rodrigues foi um homem espetacular. Ele representava a alegria de viver. Seu trabalho enquanto músico era majestoso. É isso que Jair Rodrigues: Deixa Que Digam transmite sobre esse enorme talento da música brasileira: sua grandiosidade, seu senso de humor e sua potência enquanto um homem preto que ocupou – e ocupará – um lugar de triunfo tão esplêndido.

Inicialmente acompanhamos relatos de sua infância. Desde sempre, Jair brilhava. Seja como alfaiate na cidade em que morava no interior de São Paulo, seja na dupla formada junto com seu irmão Jairo. E, assim, constrói-se uma narrativa de trajetória quase que predestinada do seu sucesso. De maneira bem delicada, os relatos de Jairo emocionam ao contar sobre o poder de Jair de cativar a todos. Ele foi a alegria quase que personificada, com um otimismo que dificilmente vemos hoje em dia. E por essa ser a realidade do cantor, pelo menos da forma que nos é mostrada, não há nenhuma espécie de conflito ou drama no documentário. É uma celebração. Em alguns momentos, por exemplo, o filme usa um elemento bem interessante como forma de homenageá-lo: seu filho, Jairzinho, interpreta algumas falas e relatos marcantes da da vida do pai. 

Ao meu ver, o mais marcante do filme são as imagens de arquivo. Fotos de bastidores, vídeos de shows e programas de televisão… Registros realmente históricos para a música brasileira. Em alguns momentos, no entanto, os vídeos são um pouco cansativos de assistir por serem longos, mas ainda trazem um teor musical bem divertido para o documentário. 

O debate sobre negritude é um ponto alto do filme. Existir um homem negro no patamar de Jair, com seu enorme talento reconhecido, que circulava em diversos gêneros musicais e se mostrava um homem alegre de viver, com certeza era um ato de resistência. É dito, inclusive, que, se ele fosse branco, seria mais valorizado e lembrado na música brasileira, infelizmente. Cantou MPB, sertanejo, rap, samba, e cativava qualquer plateia. Seu legado na música é inegável, podendo ser considerado até mesmo um precursor do rap nacional! E inspira até mesmo em seus filhos, que também se dedicaram ao caminho musical. 

Na minha opinião, o filme é um ótimo acervo para conhecer mais da história da música do país e reconhecer o comunicador nato que foi Jair Rodrigues. Apesar de ser um pouco longo e não ter pontos tão dramáticos, aborda questões interessantes sobre a figura do cantor e acontecimentos marcantes para sua carreira de maneira entusiasmada. É sempre bom celebrar personagens tão importantes para a cultura brasileira como ele.

 

ENTREVISTA: com Jairzinho e Luciana Mello, filhos de Jair Rodrigues, a viúva Claudine, o produtor do filme Rodolfo Moreno e o diretor Rubens Rewald. O filme começa a ser exibido a partir de hoje, dia 27 de abril. 

Jair Rodrigues foi ator do longa de ficção “Super Nada”, de 2013, também dirigido por Rubens Rewald. De acordo com o diretor, mesmo sem experiência como ator, ele aceitou o papel porque já tinha conquistado tudo que desejava através da música e achou que seria uma aventura interessante se arriscar no cinema. Com o término das filmagens e o lançamento do DVD do filme, Rubens afirma que Jair disse: “Meu diretorzinho, tá na hora de fazer um filme sobre Jair Rodrigues. De imediato ele aceitou e combinaram uma conversa para dali a algumas semanas, pois ele estava em plena turnê de seu show. Porém, duas semanas depois, ele morreu. Com isso, a ideia foi engavetada, mas Rubens não poderia deixar de atender o desejo dele e, assim, buscou a família do cantor, que aceitou e contribuiu bastante no processo do documentário. 

Ao ser perguntado sobre como surgiu a ideia de interpretar seu pai em alguns momentos do filme, Jairzinho disse que veio de Rubens e que foi um grande desafio. Como ele já sabia muitas das histórias que o filme aborda e convivia diretamente com seu “personagem”, seu pai, foi fácil compreender seus processos mentais e inspirações. A dificuldade veio mesmo com os trejeitos, falas e andados, já que interpretou uma figura não só conhecida para ele, mas para todo o Brasil, tendo que fazer uma preparação.

Ao ser questionado sobre o processo de montagem do documentário, o diretor diz: “Nós queríamos fazer um filme que surpreendesse o espectador, assim como Jair surpreendia seu público no palco. E nós não tínhamos o Jair, mas várias versões dele. Na televisão, nos palcos e no rádio. E daí vem a ideia de fazer cenas ficcionais: mais camadas que propusessem dinâmica na estrutura. A ideia era essa, o espectador assistir como se estivesse vendo um show do Jair.” Ele completa: “Quando o filme passou em Chicago, um espectador, um senhor negro de uns 70/80 anos, músico, chegou em mim e disse que, vendo o meu filme, compreendeu Jair Rodrigues e queria comprar todos os discos dele.”

Nesse sentido, eu perguntei: “Nós sabemos que o Jair era a personificação da alegria. Na época da ditadura, por exemplo, mesmo sendo um homem negro e artista, vemos que ele não deixou de encarar a vida com um sorriso no rosto. Hoje em dia, com todo o momento social e político, como vocês acreditam que ele estaria, diante de seu papel e legado, enquanto cidadão e músico? Até porque ele cantava de tudo. Samba, sertanejo, MPB e pode ser considerado um precursor do rap nacional. Acham que ele arriscaria um funk, por exemplo?” Jairzinho respondeu que a arte de Jair era muito genuína, sem se preocupar sobre o que estaria bombando no momento. Luciana Mello interrompe: “Quem sabe ele não faria um funk, não é mesmo? Talvez com outros tipos de discurso, mas não sabemos”. Seu irmão completou: “Ele não era aberto a qualquer situação para a carreira dele, mas ele sempre se arriscava muito.”

Sobre o viés político, Jairzinho diz: “Ele nunca foi um militante como a gente entende hoje em dia. Na época da ditadura, outros artistas, como Caetano, Gil, Chico e o próprio Geraldo Vandré, eram mais ativos nessa militância política. Meu pai abraçava mais uma alegria que em muitos momentos permitiam que ele cantasse músicas que artistas e compositores não tinham permissão de tocar. A própria Disparada, de Geraldo Vandré, por exemplo. Ele expunha suas causas através da música. Quando você analisa seus discos, vê que ele falava muito sobre suas raízes africanas. Ele focava muito nos shows e na alegria passada pelas músicas. Era uma explosão de alegria que hoje é difícil da gente falar por conta das redes sociais e não sei te dizer como ele atuaria nisso, mas ele não tinha tanto envolvimento com tecnologias.” Claudine concorda. Rubens diz: “Jair atuava nas entrelinhas. Com seu jeito leve e descontraído, ele se colocava na mídia. Ele foi o primeiro apresentador negro da televisão brasileira e isso não é pouco. Ele era uma referência na televisão e nas revistas. A imagem de uma pessoa negra bem-sucedida e vitoriosa socialmente, tendo um modelo de família negra feliz e realizada economicamente e socialmente era muito importante. Essa militância parece que é pouca, mas não é. Uma das principais questões das minorias é a autoestima e o que ele fez para a autoestima da comunidade negra é muito difícil de medir. Por fim, Luciana completa: ‘Muitas vezes não precisa ser falado, precisa ser visto. Era sobre ser, não falar. Muitas vezes a fala não é tão forte quanto ser. Essas entrelinhas são uma forma de ser referência não só para a família, mas para todos. A fala pode se perder, mas não a demonstração. A militância dele era ele. Falar sobre o sertão, sobre ancestralidade, África, na arte dele, com certeza alcançava mais pessoas do que se ele só falasse, ainda mais em uma época que não existia comunicação virtual.”

Rewald encerra sobre a construção da narrativa. Inicialmente, ele foi em busca de um conflito. Buscava algo além dessa alegria, que poderia ser uma máscara para esconder algo. Com o tempo, essa ideia sucumbiu. Essa alegria de Jair sempre foi genuína e, conversando com a família, que colaborou na maior parte do projeto, percebeu que explorar essa tamanha felicidade seria o que faria o filme ser grande. 

Filme: Jair Rodrigues: Deixa que Digam
Elenco: Armando Pittigliani, Bruno Baronetti, Carlinhos Creck, Claudine Rodrigues, Cristiane Paoli Quito, Giba Favery, Hermeto Pascoal, Jair Oliveira, Jairo Rodrigues, Luciana Mello, Marcelo Maita, Mister Sam, Moisés Da Rocha, Paulinho Daflin, Pedro Mello, Rappin’ Hood, Raul Gil, Roberta Miranda, Salloma Salomão,Solano Ribeiro, Théo De Barros, Wilson Simoninha, Zuza Homem De Mello
Direção: Rubens Rewald
Roteiro: Rubens Rewald e Rodolfo C Moreno
Produção: Brasil
Ano: 2020
Gênero: Documentário
Sinopse: A história de Jair Rodrigues, um dos mais conhecidos e influentes cantores brasileiros. Com um sorriso franco e versatilidade sem igual, cantou samba, MPB, rap, sertanejo e fez história revolucionando os palcos com apresentações anárquicas e irreverentes. A figura de Jair faz emergir um Brasil presente no imaginário popular, um país marcado pela simplicidade, alegria e otimismo.
Classificação: 10 anos
Distribuidor: Elo Studios
Streaming: Indisponível
Nota: 7,2

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One thought on “CRÍTICA – JAIR RODRIGUES: DEIXE QUE DIGAM (+ Coletiva de Imprensa)

  1. Sendo da época do Jair Rodrigues e ter curtido suas músicas e sua maneira de ser e de cantar concordo e assino em baixo com tudo que o Bernardo Vilela falou.
    Conseguiu ver, através do filme, toda a alegria de viver do Jair e toda sua essência.
    Parabéns 👏👏👏👏👏👏

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