CRÍTICA – MOMMY

CRÍTICA – MOMMY

Se existe algum fator na vida do canadense Xavier Dolan, diretor de Mommy (2014), que ele faz questão de deixar claro é a relação conturbada que tem (ou, ao menos, a visão pejorativa existente por parte de Xavier) com sua mãe. Após Eu Matei Minha Mãe (2009) — sobre um adolescente (interpretado por ele mesmo) que nutre uma relação de ódio com sua progenitora, atenuada pelas roupas utilizadas por ela, das quais o jovem olha com desprezo —, o diretor retoma o tema mais uma vez em Mommy (2014). 

Um relacionamento instável

Em Mommy (2014), uma mãe solteira, Diane Després (Anne Dorval, que também foi a mãe na outra obra mencionada), luta contra não só as costumeiras dificuldades da maternidade, especialmente quando sozinha, mas atenuadas pelo fato de seu filho, o jovem Steve Després (Antoine Olivier Pilon), ser extremamente problemático. 

O filme se inicia com Steve sendo expulso do internato onde residia após ter iniciado um incêndio que resultou em lesões severas em um colega de escola. Steve é explosivo e imprevisível. Em um momento, trata Diane (ou, como a obra se refere, apenas Die) como a melhor e mais amável mãe do mundo, para logo em seguida prensá-la contra uma parede e asfixiá-la com as próprias mãos. 

Die (que aqui também é retratada como utilizando roupas das quais o filho tem algum tipo de problema), apesar do temperamento imprevisível de Steve, tenta ser uma mãe dedicada (se deixarmos de lado o ponto dela ter colocado Steve em um internato, para começar). A mãe é esforçada. Tenta agradar o filho e fazer, de alguma maneira, compensar o tempo perdido com ele. 

A humanização da figura materna

De certo modo, acaba soando quase como um mea-culpa de Dolan; como se assumisse que parte de seus problemas maternos foram, para começar, culpa sua. Apesar de, em momento algum, eximir a mãe de certas responsabilidades, fazendo a personagem ainda exibir algumas atitudes repreensivas, o diretor tenta humanizá-la. Die é uma pessoa, e como todos nós, encontra-se em conflito. Diane tem seus demônios internos; tem pavio curto (já cantava a bola o ditado: filho de peixe, peixinho é); problemas em relacionamentos e em outras áreas de sua vida. Mas, novamente, que atire a primeira pedra aquele entre nós que não possui seus próprios problemas; que não luta com dificuldades íntimas.

Assim, Xavier explora um lado menos demonizado de sua mãe. Entretanto, não deixa de ser um pouco egóico; afinal, mesmo que Steve seja problemático, Mommy (2014) acaba estabelecendo uma tentativa de encontrar uma raiz ao problema; sob o risco de soar repetitivo, mas filho de peixe… 

Ouroboros e o ciclo sem fim

Analogamente, um símbolo muito conhecido e muito presente na trajetória humana (mas, precisamente, tem sua origem na civilização egípcia), é Ouroboros, a serpente que come sua própria cauda. Ouroboros, então, representa nada mais do que um ciclo interminável. Igualmente, parece ser assim que o filme enxerga o relacionamento dos dois personagens principais. Steve é problemático, e um péssimo filho, mas age assim sob a ótica de que a forma como sua mãe o criou o fez assim; Die tem seus problemas, e por vezes falha como mãe, mas o faz, pois seu filho é muito difícil; Steve explode porquê sua mãe ativa seus gatilhos e, para ele, falha como mãe; Diane falha como mãe devido à seu filho ser muito complicado; e por aí vai.

É, claramente, um filme muito pessoal para Xavier Dolan. Entretanto, tal intimidade, parece ficar tão emaranhada na obra que acaba atrapalhando o desenvolvimento da visão do próprio cineasta. Desse modo, o diretor soa perdido em algumas escolhas que faz, sobretudo na forma da obra.

O formalismo vazio de Dolan em Mommy

Mommy (2014) traz uma proporção quadrada, opressiva, atenuando, principalmente, o quanto toda a dinâmica entre os dois personagens é aprisionante para eles; os sufoca e limita. Nesse aspecto, funciona bem. Conquanto, ao alinharmos tal escolha estética com outras articulações semânticas adotadas por Dolan, acaba meio desconexo. Por exemplo, o filme trabalha com uma paleta de cores amarelada (a famosa paleta “méxico”, por via do cinema Hollywoodiano). O amarelo é uma cor que exalta alegria; otimismo; acolhimento; calor — absolutamente o oposto do que a obra mostra ao seu espectador.

Em outras palavras, se tem algo que Mommy (2014) não é, este algo é acolhedor. Die e Steve são como dois carros se chocando em alta velocidade em alguma marginal por aí. Um não entende o outro e, portanto, recorre ao embate. Mommy (2014) é brutal, violento, pessimista, melancólico; nada amarelo.

A mixagem de som também soa (ba dum tss) meio deslocada. Por vezes, um absoluto e dramático silêncio, quebrado sem mais nem menos, de tal forma que gera só confusão. Outrossim, uma música que não carrega a mesma atmosfera proposta pela obra (parece mais uma escolha pontual para gerar uma cena “instagramável” — ou melhor, uma cena boa para o Tumblr, se considerarmos a época e o público do filme). Do mesmo modo, diálogos inaudíveis — que poderiam gerar um bom resultado narrativo se utilizados de outra maneira —, apenas ficam perdidos sem resultar em muita finalidade. A lista poderia se estender, mas a mensagem já foi passada. 

A característica do ser efêmero

Da mesma forma, acontecimentos e falas parecem muito efêmeros e inoportunos. Às vezes, Mommy (2014) tenta adentrar um universo onde estabelece discussões mais centradas em temas externos, como racismo, e até sistema de saúde público. Porém, é sempre algo que dura poucos segundos. Assim como eventos da trama aparecem e somem sem a menor importância, como um processo judicial ou uma sugestão de sexo com menores de idade. 

Decerto, tais efemeridades, peripécias inertes a um tempo, não seriam um problema se bem trabalhadas dentro de um conjunto onde sua efemeridade se encaixasse em uma unidade estilística, mas não é o caso. Em suma, Dolan parece tão imerso na sua sessão de terapia, que perde o olhar do todo, deixando a obra toda perdida, sem conseguir estabelecer algo concreto de fato.

Para não ser injusto, Mommy (2014) até tem suas positividades. Anne Dorval e Antoine Olivier Pilon estão ótimos em seus papéis; tem momentos bem tensos e emotivos; consegue, por vezes, gerar empatia no espectador. Entretanto, é tudo tão mal constituído dentro do filme que essas questões positivas acabam ficando, novamente, no lugar do efêmero. Acima de tudo, a prioridade de Dolan não é compor uma sinfonia harmônica, mas é desabafar sobre seus problemas. Assim sendo, sobra um filme que fica indo e voltando em um relacionamento que não chega a lugar algum; é só uma exibição de como Steve é péssimo para Die e Die é péssima para ele. É só um ciclo; e é uma roda que nem gira, pois nem sabe onde tá. Não à toa, Steve começa e termina o filme internado. É só Ouroboros.


Pôster do filme "Mommy", de Xavier Dolan. Filme: Mommy
Elenco: Anne Dorval, Antoine Olivier Pilon, Suzanne Clément, Alexandre Goyette, Michèle Lituac, Viviane Pacal
Direção: Xavier Dolan
Roteiro: Xavier Dolan
Produção: Canada
Ano: 2014
Gênero: Drama
Sinopse: Steve é um garoto problemático. Após ser expulso de seu internato por um incêndio criminoso, precisa voltar a morar com sua mãe, Die. Nessa dinâmica de reaprender a vida em conjunto, Die e Steve perceberão que ter um bom relacionamento não é tão fácil quanto imaginavam.
Classificação: 16 anos
Distribuidor: Metafilms
Streaming: Looke, Prime Video.
Nota: 4,0

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One thought on “CRÍTICA – MOMMY

  1. Acho que Dolan traduziu perfeitamente esse tipo de realidade conturbada, tanto do relacionamento entre mãe e filho, como o de Steve e o seu transtorno.
    As cenas que transitam entre os sentimentos de “respiro” e “sufocamento” se desenvolvem ainda melhor com a trilha sonora.
    A paleta de cores, que se sobressai especialmente em um temperamento quente na maior parte do filme, traz à sensação de um ambiente real, e não “induzido”.
    As partes que não ficaram claras pra mim, são as de maior intimidade, principalmente por parte do garoto com a mãe.

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