CRÍTICA – MONSTER

CRÍTICA – MONSTER

No último dia 21 o Club do Filme recebeu, da Imovision, o convite para assistir a pré-estreia do novo filme do cineasta japonês Hirokazu Kore-eda: Monster (Kaibutsu, 2023). Esta foi a primeira exibição do longa-metragem em São Paulo, que chega oficialmente aos cinemas brasileiros em 30 de novembro.

Devo começar esse texto dizendo que este foi o filme mais esperado por mim durante o ano de 2023. Hirokazu Kore-eda, um dos cineastas japoneses mais conhecidos fora do Japão é, sem dúvida, um dos melhores da atualidade e um dos meus favoritos também. Vindo de dois trabalhos um tanto quanto diferentes de sua obra no geral – o filme sul-coreano Broker (2022) e a série da Netflix Makanai: Cozinhando Para a Casa Maiko (2023) – o diretor volta ao “habitual” de suas produções anteriores.

Com Monster, o diretor entrega uma história sensível e cheia de camadas profundas sobre a natureza humana. A pergunta feita em todo material de divulgação do longa-metragem – Quem é o monstro? – acompanha o espectador do início ao fim da obra e o conduz em sua narrativa dúbia e intensa.

Logo de início somos apresentados a uma certa estrutura já predominante nos filmes do diretor. Começando pelo protagonismo infantil e passando pelos problemas familiares vividos por esses personagens – Minato e Yori – o enredo de Monster aborda diversos temas, especialmente o bullying, e a maneira com a qual um mal-entendido pode se tornar a verdade e as consequências disso.

A narrativa fragmentada do filme é essencial para seu argumento. A pergunta “quem é o monstro?”, como dito antes, não é meramente uma frase utilizada em uma canção de brincadeira que as crianças cantam durante o filme, mas o mote principal de sua história. Cada segmento apresentado completa o outro e em certos momentos confunde também. Não há ações aleatórias ou supérfluas no enredo de Monster e mesmo uma pequena distração pode afetar a experiência para o espectador.

O roteiro premiado do filme, escrito por Yûji Sakamoto, é bastante completo e preenchido por uma sensibilidade sutil que machuca muito mais através de palavras e ações do que fisicamente. Há diversos tipos de violências no filme de Kore-eda e alguns deles são suprimidos, uma vez que não há necessidade de expô-los para se fazerem entender. As atuações do elenco infantil, Soya Kurokawa como Minato e Hinata Hiiragi como Yori, são suficientes para a imersão do espectador em suas angústias e sentimentos.

Há, na relação dessas duas crianças, muitas camadas que fogem, às vezes, à nossa compreensão. O talento dos dois jovens rapazes é inquestionável e mesmeriza o espectador pela naturalidade em meio a tantas situações limites. É uma marca de Hirokazu Kore-eda colocar crianças para interpretarem personagens principais em seus filmes, e aqui não é diferente. A qualidade do trabalho de Soya Kurokawa e Hinata Hiiragi é marcante e emocionante, nos fazendo refletir sobre o filme mesmo depois dos créditos finais rolarem.

O elenco adulto, centrado em três personagens e escolhido de maneira acertada, é importantíssimo para a construção da história. Sakura Ando reprisa a parceria com Kore-eda após Assunto de Família (Manbiki Kazoku, 2018), enquanto Eita Nagayama e Yuko Tanaka colaboram pela primeira vez com o diretor. Cada um desses personagens carrega em sua aparência, trejeitos e ações sua verdade interior, que aos poucos é costurada, transformando a percepção do espectador sobre esses indivíduos.

Embora seja uma narrativa fragmentada, sua fluidez não a deixa se tornar monótona ou difícil de acompanhar. Ao apresentar os fatos que aconteceram todos ao mesmo tempo, a perspicácia do roteiro de Monster é posta em cena em toda a sua glória. Todas as perguntas feitas são respondidas e não há pontas soltas. Cada mínimo detalhe está em seu lugar e no final, o quadro se torna completo. A última cena é uma das mais bonitas e sensíveis e fecha o filme de maneira singular, sendo, para mim, de extrema importância para o conjunto final do longa-metragem.

Vale lembrar que a trilha sonora – último trabalho do grande compositor Ryuichi Sakamoto que faleceu este ano – exerce um papel bastante importante na composição da narrativa de Monster. Os detalhes, que às vezes são pequenos e às vezes muito aparentes, estão sempre a ser percebidos pelos ouvidos. Prestar atenção ao som e a música do filme são tarefa do espectador, não somente pela narrativa, mas também para apreciar o trabalho de Sakamoto.

Não entrarei em tantos detalhes sobre o enredo de Monster pois não quero dar spoilers. Acredito que é muito importante àqueles que forem assistir ao filme não saberem tanto da história. Há muitas coisas que gostaria de dividir e discutir com vocês, o público, mas esperarei o lançamento desse que, para mim, foi o melhor filme do ano e com certeza um dos meus favoritos de Hirokazu Kore-eda.

O que posso dizer sobre a pergunta, que insistentemente martela em nossos ouvidos durante o filme, é que talvez o mundo seja o monstro. Há, é claro, muitas pessoas fazendo coisas ruins, para si mesmas e para os outros, porém, o ambiente a que estamos expostos diz muito de nossas atitudes. Kore-eda consegue, em Monster, fazer um retrato bastante aproximado de nossa sociedade como um todo. À sua maneira, o diretor explora a natureza de nossas ações como humanos. Nem tudo é o que parece e muitas vezes não há tempo para explicar tais situações.

A maior qualidade desse filme está justamente nisso. Ao mesmo tempo em que seu enredo expõe os personagens sob suposições e julgamentos que não se sustentam em fatos verdadeiros, ele expõe também o espectador à mesma situação. A sagacidade da história contada por Hirokazu Kore-eda está em nos conduzir à “verdade” ao mesmo tempo em que conduz seus personagens. A imersão na obra é importante por isso.

Como mencionei antes, Monster se consagra como o melhor filme de 2023. Acompanhar o trabalho desse cineasta é sempre uma experiência satisfatória e acredito que muito enriquecedora também. Seus temas são de imensa importância para pensar os tempos em que vivemos. Espero que muitas pessoas possam assistir a esse filme e se identificar com sua história e personagens.


  FilmeKaibutsu (Monster)
Elenco: Soya Kurokawa, Hinata Hiiragi, Sakura Ando, Eita Nagayama, Yuko Tanaka, Shido Nakamura.
Direção: Hirokazu Kore-eda
Roteiro: Yûji Sakamoto
Produção: Japão
Ano: 2023
Gênero: Drama, Thriller
Sinopse: Uma mãe sente que há algo errado quando seu filho começa a se comportar de maneira estranha. Ao descobrir que um professor é o responsável, ela vai até a escola exigindo saber o que está acontecendo. Enquanto o caso se desenrola pelos olhos da mãe, do professor e da criança, a verdade começa a surgir.
Classificação: 12 anos
Distribuidor: Imovision
Streaming: Indisponível
Nota: 10

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