CRÍTICA – NADA DE NOVO NO FRONT

CRÍTICA – NADA DE NOVO NO FRONT

Um velho conhecido de guerra

“Nada de Novo no Front”, co-produção da Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos, é um filme da Netflix que vem conquistando prêmio atrás de prêmio nas principais premiações ao redor do mundo. Baseado no livro homônimo de Erich Maria Remarque, o filme segue o jovem Paul Bäumer (Felix Kammerer), de apenas 17 anos, e alguns de seus amigos, em sua jornada após se alistarem, por vontade própria, para lutarem pelo Exército Imperial Alemão no front oeste durante a Primeira Guerra Mundial. Antiguerra até o último segundo, o filme passa suas quase 2h30 de duração destruindo qualquer ilusão romântica que aquele grupo de adolescentes tinha sobre os heroísmos da guerra. 

“Nada de Novo no Front” foi nomeado para 9 Oscars (a premiação ocorrerá no domingo, 12 de março de 2023), e ganhou 7 BAFTAs, o Oscar britânico, incluindo para Melhor Filme, Melhor Filme Estrangeiro, Melhor Diretor e Melhor Roteiro Adaptado, além de ter recebido 7 nomeações em oturas categorias. 

Uma curiosidade é que este é o terceiro filme baseado no livro de Remarque. O primeiro, uma produção dos Estados Unidos de 1930, foi aclamada e ganhou dois Oscars; o segundo, uma co-produção dos Estados Unidos e Reino Unido de 1979 feita para a televisão, recebeu um Globo de Ouro de Melhor Filme para Televisão.

 

História baseada em fatos reais

Erich Maria Remarque, nascido Erich Paul Remark, escreveu “Nada de Novo no Front” com base em suas próprias experiências no Exército Imperial Alemão durante a Primeira Guerra Mundial. O texto foi publicado em forma de livro em 1929, e foi um enorme sucesso. 

No entanto, ao mesmo tempo em que as críticas ferrenhas de Remarque à guerra ressoaram com veteranos, sobreviventes e familiares, outros sentiram que o livro diminuia os esforços e perdas da guerra sofridas pela Alemanha. O livro foi, inclusive, proibido pelos nazistas e foi um dos que foi queimado nas infames fogueiras. Remarque perdeu sua cidadania alemã pouco tempo depois, e acabou passando o resto da vida nos Estados Unidos. Mas ele acabou rindo por último: o livro é, até hoje, um dos mais importantes da literatura alemã, com tradução para mais de 50 idiomas e leitura obrigatória no país de origem que antes o baniu. 

 

A Grande Guerra?

À sua época, a Primeira Guerra Mundial era conhecida apenas como Guerra Mundial, Grande Guerra, ou “a guerra para acabar com todas as guerras” (mal sabiam eles o que estava por vir…). Até hoje é considerada uma das guerras mais sangrentas que já ocorreu – entre  15 e 22 milhões de mortos, entre militares e civis. Isso se deu, principalmente, pela modernização das armas de guerra. 

Para aumentar o horror desse número de mortes, acrescento o fato que oficiais do exército fizeram vista grossa e deixaram crianças se alistarem – só no Reino Unido, estima-se que cerca de 250 mil meninos com menos de 18 anos lutaram na Primeira Guerra Mundial. Crianças que compravam uma ideia de heroísmo e glória mas que, no fim, eram só mais corpos que se amontoariam nas trincheiras. Alguns deles, de acordo com o artigo da BBC, se tornaram veementes opositores do militarismo. Afinal, viram e viveram o real horror de uma guerra, e queriam que ninguém mais tivesse que passar por aquilo. Infelizmente, sabemos o que aconteceu. 

 

 A produção

O filme foi dirigido pelo alemão Edward Berger, que se viu inconformado que esse grande clássico antiguerra da literatura alemã já havia sido adaptado duas vezes fora do país mas nunca pelos próprios alemães. Queria também enfatizar que não há vencedores na guerra. Muitas vezes filmes americanos ou ingleses sobre guerra enaltecem o heroísmo e a glória, e esquecem que, no fim do dia, muita gente morreu para aquilo, de todos os lados do conflito. 

Eu particularmente achei muito interessante ter a visão alemã da Primeira Guerra Mundial, visto que o que normalmente temos é sempre a Segunda Guerra Mundial de todos os ângulos possíveis e imagináveis. É até uma brincadeira entre atores alemães, sobre todo mundo já ter interpretado um nazista em algum momento, de tanto que o assunto é falado. E que BOM! É um país que não tem medo de fica cara a cara com seu passado vergonhoso, que entende que só estudando e processando como aquilo aconteceu é que é possível evoluir como sociedade e evitar que aquilo aconteça de novo. 

“Nada de Novo no Front” conta também com a cinematografia incrível do britânico James Friend, que recebeu vários prêmios por esse trabalho. O filme é visualmente deslumbrante e chocante e, em algumas escolhas, fica claro o tributo ao filme que é considerado um dos filmes mais dolorosos sobre guerra já feitos, “Vá e Veja”. 

O roteiro é assinado por Berger, Lesley Paterson e Ian Stokell, que souberam manter um passo interessante, fazendo com que a longa duração do filme nem seja sentida. Eles escolheram inclusive adicionar um arco a mais que não existe no livro – o do personagem Matthias Erzberger, interpretado pelo sempre querido Daniel Brühl. Erzberger, diferentemente dos outros personagens, é uma pessoa real e foi quem realmente assinou o armistício em 1918. É importante inclusive apontar isso – o filme tem sim luta e sangue, mas o pior às vezes nem é isso, e o roteiro (e a edição do filme, claro), lidam com isso com maestria. A situação do armistício é enfurecedora, e souberam muito bem guiar a audiência para esse sentimento de fúria com os envolvidos. 

 

Recepção em casa

Para acabar, é importante falar um pouco da diferença de percepção do filme internacionalmente e na Alemanha. Enquanto que fora do país de origem do livro e do filme “Nada de Novo no Front” é um sucesso indiscutível, em casa o papo é outro. Um artigo do The Guardian reuniu esse contraste de perspectivas, indicando que os alemães acharam que o filme desviou muito do livro, que acabou ficando muito superficial em comparação com todo o diálogo interior de Paul, e que é, quase literalmente, “pra inglês ver”. Até acadêmicos entraram na crítica, como o professor Sönke Neitzel (que foi, inclusive, meu professor na Alemanha!), dizendo que as cenas de batalha estão muito mais verídicas do que filmes no passado, mas que o filme cria uma situação muito binária para o que foi, na verdade, uma situação extremamente complexa. Uma outra publicação se pergunta “se o diretor leu o romance original”. 

Com um livro com a importância que este tem para a Alemanha, com um tema tão sensível, complexo e eternamente atual como este, não é de se surpreender que a recepção em casa tenha sido muito diferente do que internacionalmente. No entanto, nesse caso, vou ter que apelar para o “concordo em discordar”. Um filme de 2h30 jamais conseguiria passar todas as nuances de um livro. E não é por isso que será automaticamente pior, são meios diferentes. Existem sim adaptações que são péssimas, mas outras são incríveis. Em “Nada Novo no Front”, o filme consegue passar a mensagem extremamente antiguerra de Remarque de uma forma eficiente, ao mesmo tempo em que vai (des)construindo o deslumbramento de Paul e mostrando a patifaria que acontece da parte de quem está confortável sentado atrás de uma mesa. O elenco é incrível, Felix Kammerer consegue só com o olhar mostrar como sua vida interior absolutamente muda com o passar do tempo, a nuance está lá. 

No entanto, a crítica com a qual eu concordo é que, com uma escolha que foi feita ao final do filme, o nome do filme acaba não fazendo sentido nenhum. Mas essa vocês só podem saber depois de assistirem! 

 

Nada de Novo no Front - Primeira Guerra - Poster Filme: Nada de Novo no Front (Im Westen nichts Neues)
Elenco: Felix Kammerer, Albrecht Schuch, Daniel Brühl
Direção: Edward Berger
Roteiro: Edward Berger, Lesley Paterson e Ian Stokell
Produção: Alemanha, Estados Unidos, Reino Unido
Ano: 2022
Gênero: Drama, Guerra, Ação
Sinopse: Convocado para a linha de frente da Primeira Guerra Mundial, o adolescente Paul encara a dura realidade da vida nas trincheiras.(Sinopse oficial).
Classificação: 16 anos
Streaming: Netflix
Nota: 9,0

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