O Sabor da Vida (La Passion de Dodin Bouffant, 2023) é um filme francês, dirigido pelo cineasta franco-vietnamita Tran Ahn Hung. O longa-metragem foi a submissão da França à última edição do Oscar e conta em seu elenco com os atores Juliette Binoche e Benoît Magimel.
Uma das maiores qualidades deste filme entra em cena logo nos minutos iniciais de sua exibição, em sua introdução, onde se apresentam os protagonistas em meio ao trabalho de uma cozinha movimentada. Sem muitos diálogos, esses primeiros minutos são a síntese da produção de Tran. Enquanto cozinham quase que freneticamente, esses personagens se perdem em meio a vasta quantidade de temperos, carnes e ervas que são utilizados no banquete que estão preparando. Com closes principalmente nas mãos que preparam a comida, esse começo silencioso deixa a sua marca em quem está assistindo ao filme.
Algo que gosto sempre de mencionar, é o fato de este gênero ser um dos meus favoritos: a comida. Não somente a comida como uma parte da vida cotidiana, mas o ato de cozinhar e se conectar com aquilo que se prepara, com as pessoas que compartilharão o momento e tudo mais que envolve o gesto. Para aqueles que também apreciam esse tipo de produção, O Sabor da Vida é, de fato, um prato cheio não somente para os olhos, mas também para o coração do espectador.
A narrativa, focada nos personagens de Dodin e Eugénie, explora uma parte da vida desse casal de cozinheiros. Dodin Bouffant, conhecido à época – meados de 1889 – como o “Napoleão da Cozinha”, foi um grande chef francês. Eugénie era sua cozinheira pessoal. Com um talento excepcional para a culinária, essa mulher conquistou também o coração do chef, que de tempos em tempos a pedia em casamento, sem conseguir obter sucesso.
Falo sobre essa parte mais “íntima” da vida dessas personalidades pois grande parte do enredo do filme se concentra nessa relação não somente romântica, mas também muitas vezes de trabalho. Inclusive quando penso no título original do filme, A paixão de Dodin Bouffant, me questiono a qual paixão este título se refere, se pela culinária ou por Eugénie. Talvez, ambas as coisas estejam interligadas, e essa paixão esteja relacionada a tudo o que envolva Eugénie e a comida.
O Sabor da Vida é um filme bastante romântico, algo que não é exatamente um costume na filmografia de Tran Ahn Hung. O cineasta, que ganhou o mundo – e Cannes, além de ter sido indicado ao Oscar de Melhor Filme Internacional – com seu debut vietnamita O Cheiro do Papaia Verde (1993) é conhecido justamente por seus filmes feitos em sua terra natal. Há, em O Sabor da Vida muito da sensualidade sutil presente nas obras vietnamitas de Tran, o calor, seja da estação em que se encontram ou do vapor das panelas no fogão, também é parte importante da narrativa criada aqui.
Ainda falando sobre narrativa, algo que marca muito este filme é o fato de não haver, de fato, uma grande história a se contar. Aqueles que já estão familiarizados com a obra do diretor não estranharão a maneira como as coisas acontecem em O Sabor da Vida. Acompanhamos, sim, a história de Dodin e Eugénie e o universo que os cerca, mas em grande parte do filme, o protagonismo está na comida e seu preparo. As pessoas são meros veículos na cadeia de produção destas refeições.
A culinária francesa, hoje bastante conhecida pelo seu aspecto extremamente gourmet, aqui, é apresentada de forma até simples, se puder chamar assim. Todos os ingredientes utilizados são de conhecimento comum e é quase difícil associar à França tais produções. Nesse quesito, o longa-metragem de Tran Ahn Hung é um banquete aos olhos e é quase impossível não ficar com fome ao assisti-lo. Para além das cenas em que se prepara a comida, há as cenas em que se come e é bastante sensível a forma com a qual se apresentam tradições e rituais antigos para o ato de comer.
A relação romântica entre Dodin e Eugénie, que eram amantes de longa data, enfrenta o dilema entre a vontade do homem de se casar e a negação da mulher aos seus pedidos. Em certo ponto, Eugénie pergunta a Dodin se ela é sua cozinheira ou sua mulher e nisso consiste muito da relação criada entre estes personagens. Há uma diferença enorme entre ser uma cozinheira e uma esposa, e entendemos o ponto de vista de Eugénie tanto quanto entendemos o ponto de vista de Dodin.
O texto deste filme, apesar de curto, é preenchido por diversas afirmações importantes e passagens muito bonitas, que floreiam a fotografia que exibe a passagem do tempo e as estações do ano, conversando diretamente com as palavras proferidas pelos personagens. O foco de O Sabor da Vida não está exatamente nos feitos desses personagens, mas sim em sua devoção à culinária e a seriedade com a qual conduzem seu trabalho.
Ao se encaminhar para seus minutos finais, O Sabor da Vida encerra sua narrativa como o fim de uma estação e o início de outra. Primeiro acreditamos que se trata do fim do outono e início do inverno, porém, nos damos conta de que se trata do verão que se aproxima e traz junto a si o calor dos dias ensolarados e, cito do próprio filme: “a felicidade que consiste em continuar a desejar aquilo que já possui.”
O Sabor da Vida estreia em 11 e abril nos cinemas brasileiros.
 |
Filme: La Passion de Dodin Bouffant (O Sabor da Vida) Elenco: Juliette Binoche, Benoît Magimel, Bonnie Chagneau-Ravoire, Galatéa Bellugi, Patrick d’Assumção, Emmanuel Salinger, Jan Hammenecke, Fréderic Fisbach. Direção: Tran Ahn Hung Roteiro: Tran Ahn Hung Produção: Bélgica, França Ano: 2023 Gênero: Drama, Romance Sinopse: O Sabor da Vida retrata o relacionamento entre Eugénie, uma talentosa cozinheira, e o famoso gourmet Dodin, para quem ela trabalhou nos últimos 20 anos. Com o tempo, a prática da gastronomia e a admiração mútua se transformaram em um relacionamento. A parceria entre eles resulta em pratos incríveis, cada um mais delicioso do que o outro, desafiando até os chefs mais renomados do mundo. No entanto, Eugénie preza por sua liberdade e nunca quis se casar com Dodin. Então, ele decide fazer algo que nunca fez antes: cozinhar para ela. Classificação: 12 anos Distribuidor: Diamond Filmes Streaming: Indisponível Nota: 8,0 |
Sobre o Autor
