CRÍTICA – PATERSON

CRÍTICA – PATERSON

Paterson (Jarmusch, 2016) é um filme sobre rotina e arte. O espectador acompanha uma semana na vida de Paterson (Adam Driver), aspirante a poeta e motorista de ônibus de uma cidade homônima. Durante essa semana, o homem observa muitas coisas ao seu redor, e destaca-as através de suas poesias.

Paterson, a cidade e o homem

Acaba sendo bem simbólico que tanto o nome do personagem quanto o da cidade sejam Paterson. Isto pois, Jim Jarmusch faz o filme ser, ao mesmo tempo, sobre o motorista de ônibus e sobre as pessoas que ali residem. É quase como se a cidade fosse uma entidade viva, um personagem.

Tal questão é bem visível nos momentos em que Paterson está no trabalho. Uma vez que, nestas cenas, Jarmusch insere diversos personagens apenas matutando sobre suas vidas (totalmente não relacionadas ao motorista). Por exemplo, os passageiros do ônibus que conversam sobre seus cotidianos; o funcionário da empresa de ônibus que todo dia desabafa sobre seus problemas.

A cidade como personagem

Ademais, é interessante como esses personagens existem apenas naquele instante. Em outras palavras, eles aparecem, oferecem um vislumbre de suas vidas, e nunca mais retornam. Por consequência, tal escolha reflete no espectador como uma sensação de que a cidade é algo orgânico. Ou seja, histórias são ouvidas, sem nunca sabermos seu inicio ou fim, rotinas prosseguem, relacionamentos ocorrem, pessoas vivem. Tudo isso em uma dimensão alheia ao personagem principal. Isto é, Paterson (o motorista), pode estar até ouvindo, mas nada depende dele. Paterson (a cidade) tem sua vida própria, que existia antes, existe agora, e vai continuar existindo, independente da presença do motorista. O filme é tanto sobre ele quanto sobre esses vislumbres da intimidade dos outros habitantes.

Apesar de estes momentos serem alheios ao personagem principal, eles acabam de certa forma refletindo em como o espectador absorve a história do homem. Afinal, assim como ouvimos pedaços da rotina dessas pessoas, também observamos o cotidiano de Paterson. Não é a toa que o filme é divido em dias; Jarmusch quer que quem assista sinta a passagem do tempo.

Sufocamento dos sonhos

Inegavelmente, ao se perceber o marasmo dos dias, as ações e os sonhos do personagem principal são vistos através de um prisma diferente. Paterson tem sua paixão, o homem é um poeta. Mas suas responsabilidades e sua rotina não o permitem levar isto como mais do que um hobby. Ou seja, em meio a trabalhos e tarefas domésticas, dirigir um ônibus e passear com o cão, pouco tempo sobra para o que ama de verdade. Assim sendo, o personagem vai encaixando o que gosta nos microespaços do seu dia a dia.

Todavia, sua parceira Laura (Golshifteh Farahani), representa o oposto. Sem uma rotina tão sufocante quanto a de Paterson, a mulher tem tempo o suficiente para perseguir seus sonhos, apesar de nem ela saber exatamente o que quer. Dessa maneira, a mulher pula de meta em meta, atrás de algo que não sabe dizer. Uma viajante de sonhos. Laura é tão aficcionada nessa ideia de fazer algo que a “complete” que até mesmo suas responsabilidades e tarefas se tornam fantasias. Ela não cozinha pois precisa comer, cozinha pois quer ser uma grande cozinheira.

A (tentativa de) transformação de Paterson

Entretanto, tal característica é espelhada por ela em Paterson. Laura quer que Paterson persiga sua paixão a todo custo. Para ela não basta que o homem escreva suas poesias e guarde-as para si; ela quer que o mundo as veja. Assim sendo, tal gana pelo sucesso do homem acaba surtindo um efeito oposto e aplicando mais pressão nele. Por conseguinte, deixando seu cotidiano ainda mais sufocante. Novamente, Jarmusch reforça o quão necessário é que o espectador sinta o tempo do filme.

Assim também, outra maneira em que é possível observar como a cidade reflete no dia a dia de Paterson é a analogia com gêmeos. Recorrentemente, o filme traz essa temática à tona; seja por mostrar, literalmente, personagens gêmeos em tela ou apenas por texto. Independente de como for, é algo assíduo na obra. Desse modo, acaba por reforçar uma certa ideia de que Laura deseja transformar Paterson em uma cópia dela, um sonhador.

Sendo assim, a única maneira que o homem encontrou de escapar da claustrofobia de seu cotidiano é sua ida diária ao bar para um copo de cerveja. Nesses momentos, Jarmusch estabelece a criação de um mundo específico dentro daquele ambiente. Em outras palavras, o bar é o local de confluência onde tanto Paterson-homem quanto Paterson-cidade se encontram.

Um mundo só dele

Ou seja, é dentro do bar que Paterson consegue se comunicar com sua cidade. Dessa maneira, aquele é o ambiente onde ele não só escuta os lampejos de outras vidas, mas também os responde. Paterson conversa, interage, ouve, vive tudo aquilo. Conforme, quando ele deixa o local, é como se aquelas pessoas não existissem mais; ao menos até ele voltar no dia seguinte. Isto é, o bar é um mundo à parte, só dele e da cidade; ali os dois existem ao mesmo tempo.

Essa ideia do diretor é bem explícita no cachorro do homem, que nunca pode entrar no bar. Quando ele vai para lá, deixa para trás qualquer vínculo com sua rotina, e o animal é um grande símbolo de suas responsabilidades. O bar é seu local, naqueles minutos que está lá nada de fora importa. É, ao mesmo tempo, a fuga do dia a dia e o encontro com novas possibilidades.

Inexistência do tempo

Sob essa ótica, até o tempo parece se comportar diferente lá dentro (é inclusive um lugar sem janelas, nunca é possível dizer se é dia ou noite). Se na sua rotina o tempo é um ciclo, um marasmo que se repete dia após dia, no bar o tempo não existe. Jarmusch faz com que, dentro daquele mundo único, o tempo pare. Quando Paterson entra, tudo que deixou para fora fica esperando-o no mesmo lugar. Quando ele sai, sua vida está lá em pausa. O bar é seu refúgio do sufoco, é onde consegue parar o relógio e se permitir liberdade.

Em suma, Paterson (Jarmusch, 2016), é um filme sobre sonhos e sobre o cotidiano. Mas, mais importante que isso, é uma obra que não instiga o abandono dos objetivos pela conformidade. Pelo contrário, Paterson (Jarmusch, 2016) é sobre nunca abrir mão de suas paixões; não importa o quanto a vida adulta sufoque elas, persistir no que amamos é persistir na nossa humanidade.


Postêr do filme "Paterson", de Jim Jarmusch. Filme: Paterson
Elenco: Adam Driver, Golshifteh Farahani, Rizwan Manji, Barry Shabaka Henley
Direção: Jim Jarmusch
Roteiro: Jim Jarmusch
Produção: Alemanha, EUA, França
Ano: 2016
Gênero: Comédia, Drama
Sinopse: O espectador acompanha uma semana na vida de Paterson (Adam Driver), aspirante a poeta e motorista de ônibus de uma cidade homônima. Durante essa semana, o homem observa muitas coisas ao seu redor, e destaca-as através de suas poesias.
Classificação: 12 anos
Distribuidor: Fênix Filmes
Streaming: Looke
Nota: 9,0

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