CRÍTICA – O ÚLTIMO ÔNIBUS

CRÍTICA – O ÚLTIMO ÔNIBUS

O Último Ônibus (2021) é um filme britânico, dirigido pelo, também britânico, Gillies MacKinnon e protagonizado pelo londrino, ou seja, britânico, Timothy Spall. O filme, muito embora o titulo forneça uma ideia de última viagem, destino final e situações que sempre remetem a um fim, trata, na verdade, sobre as conexões que fazemos em vida e que perduram mesmo após aqueles com quem tínhamos ligações terem partido. Algumas conexões são mais fortes que outras, isso é um fato, mas o importante é nunca parar de cria-las, ao mesmo tempo em que devemos zelar pelas que já criamos.

Não conhecia o trabalho do diretor Gillies MacKinnon e fiquei surpreendido pela classe com que filma aqui. Como falei, o filme trabalha a conectividade entre os personagens daquela história que está sendo contada, mas o diretor, aqui, consegue, também, criar uma conexão com o espectador ao utilizar o tempo certo para cada cena. Sem se apressar demais ao ponto de não sentirmos nada e sem se alongar demais, o que deixaria o filme enfadonho. Essa exatidão percebida aqui tem se tornado algo difícil de se ver em filmes com o teor dramático que O Último Ônibus tem. Normalmente vemos uma montagem, uma trilha sonora e atuações direcionadas e intencionadas para emocionar o público, as vezes caindo no erro da emoção pela emoção. E aqui não. Para alguns o filme pode até não tocar tanto, mas nesse caso creio mais em uma insensibilidade do espectador do que na falta de uma história, verdadeiramente, emocionante.

O filme, é bem verdade, não cativa em um primeiro momento. O diretor aguça o publico com recortes de uma história mal contada e que continua sendo mal contada, através de eventos mostrados do passado da vida de Tom e Mary – vividos por Ben Ewing e Natalie Mitson quando mais jovens e Timothy Spall e Phyllis Logan no tempo mais recente. Mal contada no sentido de haver muito mais coisas que importam do que o que está sendo apresentado naquele primeiro momento. Esse jogo que o diretor faz, utilizando muito bem, também, a figura do ator Timothy Spall – que possui uma feição mais sisuda, sempre muito sério, com um ar carregado – ajuda nesse afastamento inicial, mas temporário, que temos pelo personagem. É óbvio que, conforme as informações vão sendo reveladas e nós, os espectadores, vamos tendo ciência de tudo o que ocorreu no passado e de qual é o objetivo dessa ultima viagem, não demora muito para que comecemos a confiar em Tom e em vê-lo sob um outro olhar, o da empatia.

O Ultimo Ônibus emula um quebra-cabeça e, tal qual o jogo, cada peça é única. O filme se inicia com todas as peças soltas e embaralhadas, aos poucos a grande figura vai tomando forma, mas está só é possível mediante a colocação de peça por peça. Não tem como não percebermos a cor amarela que sempre está presente com a personagem Mary, seja em uma espécie de sobretudo ou no echarpe que possui (e esta mesma cor seguirá Tom por toda sua viagem). A cor remete a uma dor que sente, profunda e incessante. Ao mesmo tempo esta cor a coloca como alguém distinto, uma vez que seu marido, Tom, estava sempre em um tom acinzentado, meio sem vida, o que também é justificável à medida que passamos a conhecer o passado destes dois.

O ônibus é peça fundamental. Sua ultima viagem poderia ser andando, como o próprio Tom cita em uma passagem do filme, porem seria solitária. Poderia ser através de meios de transportes mais rápidos, o que limitaria as conexões. Já com o ônibus sua viagem demora tempo o suficiente para, mesmo este sendo o ultimo ônibus, ainda fazer novas conexões e lembrar de tantas outras. De certa forma, também, é com o ônibus fazendo o trajeto contrário ao que ele e Mary fizeram décadas atrás, que ele consegue se reconectar com o que talvez estivesse perdido dentro dele.

Timothy Spall de 66 anos interpreta, de forma muito fiel, um personagem de aproximadamente 90 anos e extremamente debilitado. O trabalho de maquiagem, é bem verdade, o ajudou muito na caracterização, sobretudo no tom e no aspecto fino e frágil de sua pele. Seu andar cauteloso e seu jeito arcado o tornaram um homem já a espera de seu fim. Mas é justamente aqui que o filme novamente nos presenteia, pois mesmo aparentemente não sendo capaz de tal viagem, ele se mantém firme até o fim. É de fato heroico.

Mas em determinado momento do longa há uma brincadeira, uma espécie de subversão tal qual fora feito no filme francês de 2016, protagonizado por Omar Sy, “Uma Família de Dois”, na qual vemos Tom e Mary numa consulta médica na qual o médico revela que alguém está com câncer, mas a cena acaba antes que saibamos de quem ele estava falando. Tal situação, embora acrescente um drama momentâneo, não se revela como parte essencial do filme. Mas parece estar ali por um capricho do diretor, por saber que, provavelmente, grande parte dos espectadores irá por um caminho para lá na frente constatar uma surpresa. O pior é que a inserção dessa cena abre diversas lacunas sem explicação, enfraquecendo um pouco o roteiro. Uma outra escolha, um tanto equivocada da direção, mas dentro dessa proposta de conectividade, foi o uso das redes sociais por estranhos levantando hashtags sobre este curioso senhor que vai sendo avistado em várias cidades, nos ônibus ou a espera deles. Tal elemento é colocado na obra de qualquer jeito e não exerce função nenhuma. É somente um penduricalho narrativo.

Em contrapartida, um ponto importante e que chama bastante atenção é como o diretor trabalha com o tempo. Este como sendo o maior inimigo de Tom, afinal, estamos falando de um senhor de 90 anos. É possível perceber em vários momentos uma marcação em som de “tic-tac”, sendo uma referência clara ao tempo se esgotando. Mas não é só aqui que MacKinnon trabalha com o tempo. Quase sempre, nas lembranças de Tom em seu passado com Mary, somos levados a épocas natalinas, mas como já citei, O Último Ônibus se assemelha e muito a um “quebra-cabeça” e, aqui, peças importantes são encaixadas somente no final.


Filme: The Last Bus (O Último Ônibus)
Elenco: Timothy Spall, Phyllis Logan, Natalie Mitson, Ben Ewing, Patricia Panther, Steven Duffy, Saskia Ashdown
Direção: Gillies MacKinnon
Roteiro: Joe Ainsworth
Produção: Reino Unido
Ano: 2021
Gênero: Drama
Sinopse: Tom Harper (Timothy Spall), um viúvo de 90 anos, sai sozinho em uma viagem épica rumo à sua casa de 50 anos atrás, partindo de uma vila remota no nordeste da Escócia até o extremo sul da Inglaterra. Ele atravessa a Grã-Bretanha em uma jornada de 1.400 quilômetros. Lutando contra o tempo e as limitações da idade, ele precisa cumprir uma grande promessa feita à sua amada esposa Mary. Nosso intrépido herói enfrenta uma incrível odisseia, revisitando seu passado, conectando-se com um mundo moderno que ele nunca experimentou, e com uma Grã-Bretanha diversificada e multicultural.
Classificação: 12 anos
Distribuidor: Pandora Filmes
Streaming: Indisponível
Nota: 7,4

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