Luca Guadagnino é conhecido desde sempre pelo teor erótico de seus filmes. Seja com um casal de verão como em Me Chame Pelo Seu Nome (2017), seja com os triângulos amorosos complexos de Rivais (2024), o diretor consegue trazer sentimentos e sensações que vão muito além do visual, muitas vezes nem mesmo precisando dele para transmitir a ideia ao seu público. Em Queer (2024), não é diferente. Através de uma história sobre encontros e desencontros, a audiência é capaz de sentir todas as emoções junto aos personagens, da tristeza até o mais importante: o desejo. E assim, como em suas obras, quem assiste permanece com um pensamento: E se?
Acompanhando a vida de William Lee (Daniel Craig) antes e durante de seu envolvimento com Eugene Allerton (Drew Starkey), somos capazes de entender como se constrói a obsessão dele pelo rapaz mais jovem. O desejo palpável da relação dos dois é notável desde o início, e, por meio e além de pernas entrelaçadas e toques fantasmas, a vontade se torna visível por muito mais do que o olhar. Guadagnino consegue como ninguém filmar corpos e sensações de uma forma que dificilmente se encontra no cinema contemporâneo, sem pudor e que realmente penetra na mente de quem está assistindo.
Uma vez que o filme se passa nos anos 1950, muitas camadas também são retratadas sobre sexualidade no geral. Não só a expectativa de uma reação ao desejo de ambos, mas também as imposições sociais sobre o que é ser queer naquela época da sociedade. Advindo do sentido de estranheza, a própria palavra “queer” remete a tudo aquilo que não se identifica com os padrões que a sociedade impõe e, no caso do longa, esse padrão é tanto a heteronormatividade quanto os sentimentos dos protagonistas. Lee, primeiramente exposto como um homem gay com diversos casos de uma noite, se encontra obcecado por Eugene, enquanto esse, antes visto como um típico homem socialmente aceito pela sociedade da época, se revela muito mais em sintonia com Lee do que o esperado, o que reflete, nos dois casos, ações estranhas e diferentes dos personagens tanto para si próprios quanto para os outros em sua volta.
Além do desejo, outro sentimento muito bem exposto na obra e agravado pelo contexto queer é a inquietação acerca da reciprocidade. Não saber o que o outro sente ou o que esperar dele causa uma ansiedade tanto para os personagens em tela quanto para nós que estamos assistindo. A incerteza de um sentimento, principalmente a respeito de Eugene (já que acompanhamos a narrativa pela perspectiva de Lee), faz com que qualquer ação pareça arriscada e até mesmo impulsiva. Assim como a vontade, a agonia desse sentimento deixa os sentidos e as sensações muito mais a flor da pele, tornando-as mais intensas. A antecipação da relação dos dois, a negação do desejo em grande parte do filme e a necessidade de estarem literalmente se comunicando telepaticamente são consequências desse desejo reprimido num contexto em que tudo parece urgente, no qual a incerteza é o maior obstáculo.
Mas apesar de todas essas sensações e expectativas, todo o desenvolvimento deles não culmina em um final feliz. Mesmo sendo intensa, desde seu início é visível que não poderia ser algo duradouro. O vício explícito entre os dois, construído através do desejo, não é o suficiente para que a relação deles ultrapasse esse sentimento. Nem mesmo telepatia é capaz de expressar a razão pela qual o relacionamento de ambos não evolui, e acredito que isso também corrobora para que o envolvimento seja tão intenso como Luca Guadagnino transmite. Com uma data de validade, o fim veloz não abre espaço para luto ou arrependimentos, sobrando apenas a verdadeira sensação de que tudo foi possível de ser realizado pelo tempo que tinham. Assim como o encontro dos dois, o destino distinto de cada um permanece como obra do acaso, em que não existe nada que possa ser feito para evitar, mesmo que se tenha tentado.
Queer, como outros filmes de Guadagnino, enfatiza muito a ideia de viver o momento, de maneira tão intensa que nem mesmo uma planta supostamente telepática atrapalhe o sentimento de agora. Uma experiência única e extremamente sensorial, com um toque inovador de surrealismo que supera e transforma expectativas. Sensações tão únicas muito bem expressas por meio da fotografia, da atuação, do som e da trilha sonora nos transportam para essa relação tão complexa e quente, assim como a jornada de Lee e Eugene pela América Latina. Uma conexão entre personagens, e entre filme e público, capaz de nos levar para dentro da relação dos dois, nos tornando cúmplices desse vício.
Filme: Queer Elenco: Daniel Craig, Drew Starkey, Jason Schwartzman, Henrique Zaga, Lesley Manville Direção: Luca Guadagnino Roteiro: Justin Kuritzkes Produção: Itália, EUA Ano: 2024 Gênero: Drama, Romance Sinopse: Baseado na obra homônima de William S. Burroughs, a trama segue a vida de Lee (Daniel Craig), um expatriado americano que se encontra na Cidade do México após ser dispensado da Marinha. Lee vive entre estudantes universitários americanos e donos de bares que, como ele, sobrevivem com empregos de meio período. Em meio à vida boêmia da cidade, conhece Allerton (Drew Starkey), um jovem por quem desenvolve uma intensa paixão. Classificação: 16 anos. Distribuidor: Mubi Streaming: Indisponível Nota: 8,5. |